A semana do presidente Jair Bolsonaro foi sacudida por jornalistas que desejam uma prestação de contas sobre R$ 1,8 bilhão em gastos com alimentação do governo federal – em especial, R$ 15 milhões relativos à compra de latas de leite condensado, um dos itens de café da manhã do mandatário. Pressionado, com o assunto bombando nas redes sociais, Bolsonaro agiu da maneira que está acostumado: partir para o ataque.
Em um evento privado, inebriado pelas palmas da claque presente, desancou a imprensa com palavras de baixo calão – palavrões e impropérios que nunca saíram em público dos lábios de um presidente da República. Um verdadeiro show de horrores, especialmente vindo de uma pessoa que deveria seguir a liturgia do mais alto cargo de nossa política.
O que deixa muitos cidadãos desanimados, ao presenciar os xingamentos presidenciais, é que não existe surpresa alguma nessa atitude. Bolsonaro sempre foi um homem sem educação, polidez ou capacidade de elevar o nível de um debate político. No entanto, dessa vez, é bom repetir, cruzou um limite inédito para um governante federal.
Frequentemente percebemos que os indivíduos que descambam para a grosseria verbal são aqueles com pequena capacidade cerebral. Uma palavra chula, neste caso, tem o mesmo poder de uma “porrada”, como aquela que o presidente ameaçou plantar em um jornalista durante o mês de agosto.
Sobre gente grosseira querendo resolver seus problemas na base do xingamento ou do muque, é sempre bom lembrar uma história do escritor H. G. Wells, que já contei neste espaço.
Wells caminhava em Londres, na frente do Regent’s Park, um pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Um motorista de caminhão, daqueles musculosos, parou o veículo e foi desafiá-lo na calçada. A razão? Um artigo que Wells publicara. O caminhoneiro agarrou-o pelo colarinho e disse que iria socá-lo. O baixinho escritor não se fez de rogado e disparou: “Muito bem, dê o soco. Mas o senhor não vai ganhar a discussão mesmo me batendo”. Insolente, estendeu o queixo e esperou a pancada. O brigão, porém, largou-o e saiu grunhindo.
Enfrentar a ignorância alheia na mesma moeda nos leva a uma escalada descontrolada de violência, verbal ou física. Mas, como reagir a esse tipo de agressividade? Como se controlar diante de tamanha hostilidade?
A primeira reação de um jornalista que ouve o discurso de Bolsonaro é querer retribuir a injúria. Mas isso vai adiantar alguma coisa? Talvez não. O melhor é continuar cobrando explicações. Aqui, inclusive, está o cerne desta bufonaria. Toda a confusão poderia ter sido evitada com um documento de uma página e meia elaborado por um ajudante de ordens. Mas, em vez de explicar, o presidente resolveu bater.
Os seguidores do presidente adoraram a paulada na imprensa. Mas eles representam a maioria do eleitorado? Muito provavelmente não, uma vez que as últimas pesquisas mostram que apenas 26 % dos entrevistados consideram o governo bom ou ótimo. A queda de popularidade do presidente é visível em todas as classes sociais. Mas Bolsonaro prefere achar que as pesquisas são fantasiosas e que todas as críticas que recebe são de jornalistas comunistas e/ou corruptos.
Quando me perguntavam, em 2018, o que achava do candidato Bolsonaro, minha resposta era a seguinte: o único que tem condições de combater o PT, mas sua hostilidade permanente pode trazer mais conflitos que soluções ao país. Hoje, passados dois anos de mandato, percebe-se que gastamos muito tempo com socos e pontapés verbais, decorrentes de confrontos criados pelo chefe de Estado. O país se ressente dessa esgrima quase que diária e perde tempo precioso em discussões intermináveis, provocadas por crises que o próprio presidente inicia.
Quando vejo essas barbaridades como a de ontem, sinto algo que para mim é difícil de engolir: saudades de Michel Temer. Apesar de todos os seus defeitos.