José David Urbaéz Brito é membro do Comitê de Hepatites Virais da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), consultor do laboratório Exame-Dasa e atua no ambulatório de HIV e hepatites virais do Hospital-Dia SES/DF, em Brasília. Preocupado, ele explicou os males que uma campanha de vacinação descontinuada podem causar e criticou aqueles que hesitam diante desta solução, apontando que o melhor caminho para debelar a pandemia é por meio de um esforço centralizado de imunização, como já aconteceu no passado nem tão distante contra doenças como a varíola, que foi eliminada no mundo, e a poliomielite, que está contida no Brasil.
Com duas doses de vacina para apenas 2,5% da população (se incluído o que vem da Índia), há risco de uma campanha intermitente. Se isso ocorrer, todo o trabalho médico não pode ser prejudicado, já que haveria tempo para novas cepas se instalarem?
Essa pergunta tem várias respostas. Primeiro precisamos lembrar que estes 2,5% incluem 160 milhões de pessoas, pois excluímos gestantes e crianças. Se a campanha for intercalada, não teremos o impacto necessário. Olhe o exemplo contrário de Israel, cuja campanha bem estruturada registra queda nas internações. Enquanto isso, o Brasil já é um país pró-pandêmico em pleno no século XXI.
O que significa ser pró-pandêmico?
Todas as posturas do governo federal são a favor do vírus. Temos um presidente que veta medidas de distanciamento social, promove tratamentos sem eficácia e boicota a campanha de vacinação. Essas atitudes são de uma sistemática política a favor do estado de emergência da saúde pública e fazem parte do arcabouço de decisões do governo de Jair Bolsonaro. Há um estudo da pesquisadora e professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo [FSP-USP], Deisy Ventura, que mostra esta política de continuidade do estado de calamidade brasileiro [confira no final da entrevista].
Qual é o percentual ideal de imunização para o vírus se tornar menos perigoso e a campanha se tornar efetiva?
Dentro dos 160 milhões de pessoas que falei, o ideal é que pelo menos 70% esteja imunizadas [cerca de 112 milhões]. Esta é a teoria. Porém, ainda não sabemos o grau de efetividade das vacinas no controle das transmissões e a durabilidade das imunizações. É esperado que o sistema de saúde não tenha essa demanda absurda que está sofrendo.
E aqueles que desconfiam da vacina?
A hesitação perante a vacinação é um risco apontado pela Organização Mundial da Saúde [OMS] há anos. Este discurso de desqualificação dos profissionais e instituições de saúde é um grave problema. Essa semana uma paciente chegou para mim acompanhada do marido ou filho – não sei dizer – perguntando sobre as vacinas. Quando eu respondi, ela perguntou ao acompanhante se a resposta era satisfatória. Eu sou infectologista, trabalho com isso há 28 anos e argumentei com ela sobre minha experiência e dedicação de uma vida inteira. Essa desconfiança é gerada também por parte da mídia. Não há que se perguntar à população se ela pretende se vacinar. Não se pode acender uma dúvida na cabeça das pessoas. Vacinas são essenciais. Há pessoas que hora são pró e depois são contra. As pessoas precisam entender que se elas estão vivas é por serem vacinadas. E os pais delas também.
Ficaremos livres da covid-19?
Não mesmo. Vacina é uma forma de prevenção, evitando que o vírus evolua para variantes mais agressivas e cause lotação nos hospitais. As pessoas ainda terão alguma forma mais leve da covid, assim como há pessoas que contraem hepatite e gripe. Para funcionar, é preciso centralizar a campanha, caso contrário o que ocorreu em Manaus se repetirá em todos os estados e cidades do Brasil. Talvez no Hospital das Clínicas de São Paulo não falte oxigênio, mas na periferia faltará. Lá já falta muita coisa. Eu sei que os governadores e prefeitos estão tentando fazer o que podem e até conseguem mitigar os efeitos da pandemia, mas a longo prazo suas ações podem não ser eficazes.
Confira a pesquisa sobre a continuidade do estado de calamidade brasileiro
“A propaganda contra a saúde pública definida como o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular às recomendações de saúde.”
Ventura, Deisy. Boletim Conectas Direito na pandemia, edição 10. Página 6.