Discutir ICMS e Pis/Cofins é totalmente positivo, mas é desvio de foco
Não há nenhuma escassez de petróleo no mundo. E isso é fácil de provar. Se houvesse escassez de petróleo, o preço do barril em dólares ou mesmo em franco suíço (a moeda mais estável do mundo) estaria na máxima histórica.
No entanto, eis a evolução do preço do barril do tipo Brent em dólares:
Gráfico 1: evolução do preço, em dólares, do barril de petróleo do tipo Brent
Para a comparação ficar completa, eis a evolução do preço do barril do tipo Brent em francos suíços:
Gráfico 2: evolução do preço, em francos suíços, do barril de petróleo do tipo Brent
Repare que, tanto em dólar quanto em franco suíços, o preço do barril de petróleo está muito longe das máximas. Com efeito, em dólar, o barril custa o mesmo que custava em 2005. Já em francos suíços, moeda mais estável que o dólar, o barril custa hoje o mesmo que custava em 2000.
Ou seja, não há o mais mínimo sinal de escassez de petróleo. Portanto, qualquer eventual carestia desta commodity em uma determinada moeda denota um problema da moeda, e não da commodity.
Com efeito, vejamos agora a evolução do preço do barril de petróleo do tipo Brent em reais. O gráfico abaixo simplesmente pega a cotação em dólares (gráfico 1) e converte pela taxa de câmbio vigente em cada data:
Gráfico 3: evolução do preço, em reais, do barril de petróleo do tipo Brent
E aí agora você começa a entender por que os combustíveis no Brasil estão batendo recordes de preço.
O problema não está no preço internacional do petróleo. O problema está inteiramente em nossa moeda. Afinal, se o preço do barril de petróleo em dólar e franco suíço está no mesmo valor de mais de 15 anos atrás, porém, em reais, está na máxima histórica, então o problema não está com o petróleo, mas sim com o real.
O encarecimento dos combustíveis no Brasil, portanto, não se deve nem a alguma escassez de petróleo no mercado, ou a algum conluio entre russos e árabes, ou a alguma restrição da OPEP. Tampouco se deve a ICMS ou mesmo a impostos federais. É tudo uma questão de moeda.
O real está fraco. Ponto. Todo o resto é tergiversação.
Como a Petrobras é exportadora e importadora de petróleo, ela obviamente tem de seguir a cotação determinada pelo mercado internacional. Pelos seguintes motivos:
a) ela importa petróleo pelo valor da cotação internacional; logo, ela não pode revender gasolina abaixo da cotação internacional (senão teria prejuízo);
b) dado que ela exporta petróleo, ela não pode vender aqui dentro a preços menores que o da cotação internacional, pois, além de ser uma medida economicamente insensata, há o risco de gerar desabastecimento: dado que a Petrobras não abastece inteiramente o mercado interno, o qual também é suprido por importadores privados, se a Petrobras passar a vender abaixo dos preços de mercado, os importadores privados irão à falência e, consequentemente, faltará gasolina no mercado interno.
Ademais, há a crucial questão das refinarias. A Petrobrás é dona de 13 das 17 refinarias do Brasil, respondendo por 98% do petróleo refinado (isto é, transformado em gasolina, diesel etc.) no país. Vender estas refinarias é crucial para aumentar a concorrência no mercado. Sendo assim, qualquer medida de controle de preços teria consequências desastrosas para o mercado de refinarias.
Se o governo controlar os preços da Petrobras, quem irá se arriscar a comprar uma refinaria para concorrer com a estatal? Quem irá comprar refinarias sabendo que o governo pode, a seu bel-prazer, simplesmente sair praticando controle de preços (reduzir artificialmente os preços cobrados pela Petrobras)? Isso inviabilizaria todo o empreendimento privado, trazendo enormes prejuízos e deixando este mercado ainda mais ineficiente.
Essas são as consequências de se ter todo um setor controlado diretamente pelo estado: total insegurança jurídica.
Contratos de gasolina, ICMS, Pis/Cofins
Para a análise ficar mais completa, peguemos agora a evolução do preços dos contratos de um galão de gasolina negociados no mercado internacional de commodities.
Este é o valor que a Petrobras utiliza para precificar a gasolina que vende em suas refinarias.
Eis a evolução em dólares:
Gráfico 4: evolução do preço, em dólares, de um galão de gasolina no mercado internacional de commodities
Surpresa nenhuma.
Agora, em francos suíços.
Gráfico 5: evolução do preço, em fracos suíços, de um galão de gasolina no mercado internacional de commodities
Mesma coisa. Os preços do galão de gasolina no mercado internacional de commodities estão no mesmo valor de 2005 (em dólares) e de 2000 (em franco suíço). E muito longe da máxima histórica.
Ou seja, não há qualquer sinal de escassez.
Agora, vejamos a evolução deste mesmo galão de gasolina no mercado internacional de commodities cotado em reais.
Gráfico 6: evolução do preço, em reais, de um galão de gasolina no mercado internacional de commodities
Máxima histórica absoluta e irrefragável.
Não se trata, portanto, de ICMS ou PIS/Cofins. Mesmo que estes impostos nunca houvessem existido, ainda assim petróleo e gasolina, em reais, estariam na máxima histórica. Sim, o valor nominal nas bombas seria muito menor, mas o preço estaria na máxima histórica.
O motivo? A moeda.
Um Banco Central ultra-keynesiano
Quem acompanha este Instituto não está surpreso com o comportamento dos preços dos combustíveis. O mesmo já ocorreu com os alimentos. A causa é idêntica.
Em resposta à pandemia de Covid-19 e às medidas de fechamento da economia efetuadas pelos governadores, o Banco Central, por meio do Orçamento de Guerra, adotou uma política monetária extremamente expansionista.
Na prática, o BC adotou os preceitos da ultra-keynesiana Teoria Monetária Moderna: taxa básica de juros (Selic) ínfima (o que gerou juros reais negativos e menores que os da Suíça) e forte expansão monetária para financiar o aumento de gastos, na crença de que isso não geraria aumento de preços (pois, afinal, estamos em uma forte recessão e com alto desemprego).
O resultado foi uma profunda desvalorização cambial.
Para deixar bem claro: a carestia atual dos alimentos e dos combustíveis é resultado direto do aumento da moeda injetada na economia pelo Banco Central. A política monetária frouxa do Banco Central é a responsável direta pelo fenômeno.
O gráfico a seguir mostra a evolução da taxa Selic e da oferta monetária (M1):
Gráfico7: linha azul, eixo da direita: M1; linha vermelha, eixo da esquerda: taxa Selic
Observe que a relação é quase sempre inversa. Quando a Selic sobe, a expansão da oferta monetária sofre uma desaceleração. Quando a Selic cai, a expansão da oferta monetária acelera.
Essa forte expansão monetária em conjunto com juros reais negativos (a Selic a 2% é muito menor que o IPCA, que fechou 2020 em 4,52%) depreciaram fortemente o real. O dólar encareceu.
O gráfico a seguir mostra a evolução da taxa Selic e da taxa de câmbio:
Gráfico 8: linha azul, eixo da direita: taxa de câmbio (reais por dólar); linha vermelha, eixo da esquerda: taxa Selic
Observe que a relação é também quase sempre inversa. Quando a Selic sobe, a taxa de câmbio cai (ou pára de subir). Quando a Selic cai, a taxa de câmbio sobe.
A consequência é que o real foi a sexta moeda que mais se desvalorizou no mundo em 2020, tendo sido melhor apenas que potências como Zâmbia, Angola, Venezuela, Seychelles e Argentina.
É exatamente essa desvalorização cambial (linha azul do gráfico 8) que explica a disparada, em reais, dos preços do petróleo, da gasolina e do diesel.
O que fazer
O presidente Jair Bolsonaro, visando a reduzir o preço histórico dos combustíveis, anunciou que irá zerar os impostos federais sobre o diesel e sobre o gás de cozinha. Excelente medida, pois reduz o peso do estado sobre a economia. Ele também está pressionando os governadores a reduzir o ICMS dos combustíveis. Ótimo. Toda e qualquer redução de impostos é ótima, bem-vinda e deve ser apoiada. Quanto menos o estado confiscar do setor produtivo, melhor para os produtivos. Ponto.
Dito isso, é crucial o presidente entender que ele está apenas fazendo um paliativo. Ele não está atacando a causa do problema. O problema da disparada dos preços não está nos impostos federais ou estaduais (que sempre existiram). E suas críticas ao Confaz, embora válidas e corretas, passam longe de explicar os reajustes de preços nas refinarias.
Apenas para deixar bem claro: toda essa discussão sobre redução de impostos sobre os combustíveis é excelente e bem-vinda. Tomara que todos os impostos sejam zerados. Todo apoio a essa medida. Mas ela passa longe de ser a causa dos preços altos.
Toda a causa está na temerária gestão monetária feita pelo Banco Central. Sem que esta causa seja atacada, não há como os preços dos combustíveis voltarem a níveis civilizados.
Reduzir a expansão do M1 e elevar a Selic (para pelos menos 5%, pois só a partir deste valor voltaremos a ter juros reais positivos) seriam as medidas mais diretas e com mais garantia de resultados. É uma completa bizarrice um país como o Brasil, que não tem grau de investimento e cujas contas públicas estão em total descalabro, ter juros reais amplamente negativos e muito menores que os da Suíça. Na prática, o investidor paga muito mais caro pelo “privilégio” de emprestar seu dinheiro para o governo brasileiro do que para o governo suíço.
Qualquer outra medida que não passe pela gestão da moeda será inócua no longo prazo.
“Ah, mas é politicamente inviável defender aumento de juros e redução da expansão monetária!”, grita o leitor.
Pode ser. Mas este é o momento de o presidente mostrar que é durão e que realmente, como ele próprio diz, não está preocupado com popularidade.
Com efeito, pode algo ser mais impopular para um político do que alimentos e combustíveis em preços recordes?
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Anthony P. Geller
Publicado anteriormente em: cutt.ly/PlrY7lt