Quem, afinal, controla e regula o estado?
Qual é a definição técnica de estado? O que uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um estado?
Essa instituição deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos entre os habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para que tome a decisão suprema e dê sua análise final.
Mais ainda: deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam decididos por ela ou por seus funcionários.
Ou seja, o estado é um agente que detém o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito dentro de um território. Esse agente, por definição, tem o poder de proibir todos os outros de agirem como juiz supremo.
Baseando-se nessa definição de estado, é fácil entender por que existe um desejo de se controlar um estado: quem quer que detenha o monopólio da arbitragem final dentro de um dado território tem o poder de fazer as leis. E aquele que pode legislar, inclusive em causa própria, está em uma posição invejável.
A partir do momento em que passa a existir uma instituição que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, essa instituição também irá definir quem está certo e quem está errado em casos de conflito em que os próprios membros desta instituição estejam envolvidos.
Ou seja, ela não apenas é a instituição que decide quem está certo ou errado em conflitos entre terceiros, como ela também é a instituição que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus próprios membros estejam envolvidos.
Uma vez que você percebe isso, então se torna imediatamente claro que tal instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está errado, como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que porventura tenham sido flagrados em delito.
Isso pode ser exemplificado particularmente por instituições como o Supremo Tribunal Federal. Se um indivíduo incorrer em algum conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que o núcleo da própria instituição que está em julgamento.
Assim, é claro, será fácil prever qual será o resultado da arbitração desse conflito: o estado sempre estará certo.
Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental presente na construção de uma instituição como o estado.
A insustentável defesa do estado
O mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser brevemente examinado. Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido incessantemente.
Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes. Todos alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis. Não há como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem iria fazer cumprir esses acordos? Sempre que a situação se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo.
Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução para o desideratum da paz: o estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade externa e independente, que assumiria a função de fiscal e juiz supremo.
Porém, se essa tese está correta, e os acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes, então um estado criado por consentimento nunca poderá existir. Pois, para fazer cumprir o próprio acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo acordo vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de existir. E para que esse estado tenha podido existir, um outro estado anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, em uma regressão infinita.
Por outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro que eles existem), então esse próprio fato contradiz a história hobbesiana. O estado em si surgiu sem a existência de qualquer fiscal externo. Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado anterior existia para arbitrar esse acordo.
Ademais, uma vez que um estado criado por consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo autoimposta. Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo só pode ser tornado vinculante por uma entidade externa. Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um fiscal externo.
Não existe absolutamente nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre os próprios agentes do estado ou entre as próprias agências do estado. Pior ainda: não há agente externo para punir os próprios integrantes do estado que incorreram em delito.
Sempre que houver conflitos judiciais entre o estado e seus cidadãos, entre uma agência do estado e outra agência do estado, ou entre membros do estado, tais acordos serão mediados apenas pelo próprio estado.
O estado não está vinculado a nada exceto às suas autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si mesmo. Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.
Mais ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a fiscalização de regras mutuamente consentidas requer um agente externo independente, isso por si só iria descartar a hipótese da criação de um estado. De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a instituição de um estado, isto é, de um monopolista da arbitração e da decisão suprema.
Pois teria de existir uma entidade independente para arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão privado), ou que envolvessem apenas agentes do estado.
Da mesma forma, teria de haver uma entidade independente para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma outra entidade independente para o caso de conflitos entre várias entidades independentes).
Porém, isso significa, é claro, que tal estado (ou qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido estrito do termo, mas simplesmente uma de várias agências arbitradoras de conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.
Conclusão
Quase todas as pessoas estão convencidas de que o estado é uma instituição necessária. Sendo assim, é bastante duvidoso que a batalha contra o estado possa ser vencida de maneira tão fácil quanto parece ser no nível teórico e intelectual.
No entanto, a própria existência do estado é, em si mesma, uma contradição jurídica. Contra esse fato ainda não foram apresentados argumentos lógicos.
Sendo assim, resta-nos apenas nos divertir um pouco à custa de nossos oponentes defensores do estado. Para isso, sugiro que você persistentemente os confronte com a seguinte charada: imagine um grupo de pessoas sempre alertas à possibilidade do surgimento de conflitos; e então eis que alguém propõe, como solução a este eterno problema humano, que ele próprio se torne o arbitrador supremo de todos os casos de conflito, inclusive daqueles em que ele mesmo esteja envolvido.
Estou certo de que ele será considerado um piadista ou alguém mentalmente perturbado. Entretanto, é exatamente isso que todos os estatistas propõem.
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Hans-Hermann Hoppe
Publicado anteriormente em: cutt.ly/hxGXDtU