Um sinal de dedos feito pelo assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, durante a sabatina no Senado com o agora ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, na quarta-feira (24), segue provocando alvoroço político. Inicialmente criticado como um ato “obsceno” ou “debochado” pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), logo foi denunciado em redes sociais como um gesto discreto usado por grupos supremacistas brancos. O Senado se movimenta para pressionar o governo federal a exonerar o assessor. Martins afirmou que só estava ajeitando a lapela, mas não convenceu.
O movimento é o mesmo do okay americano, adotado desde o século 19, porém foi reinterpretado por grupos racistas, como a Ku Klux Klan, para sinalizar a presença velada de seus integrantes em público. A posição dos dedos é uma referência às letras “W” e “P”, de “white power” (poder branco). Esse gestual de significado dúbio é conhecido como parte da dog-whistle politics, uma analogia com os apitos que só podem ser ouvidos por cachorros.
A possiblidade de um mal-entendido foi reduzida pelas declarações do agora ex-ministro Araújo, que na mesma sabatina homenageou o Senado. Para tanto, citou a sigla SPQR (sigla para “Senatus populus que romanus”, quem em latim significa “O Senado e o Povo de Roma”). Foi uma referência ao senado do Império Romano que no século XX foi resgatada pelo fascismo italiano, do ditador Benito Mussolini. Os senadores entenderam como uma provocação.
Para entender melhor esse comportamento obscuro, MONEY REPORT conversou com a antropóloga da Universidade de Campinas (Unicamp) Adriana Dias, que pesquisa grupos neonazistas no Brasil e a disseminação de discursos de ódio. Ela costuma ser consultada pela Polícia Federal.
Dias explicou que o gesto não é tipificado no Código Penal brasileiro, mas deve ser observado com atenção, principalmente por ter partido de um ocupante de alto cargo no governo federal. O país classifica como crime apenas a suástica. “Estamos tentando incluir no Código Penal, através de uma ação em parceria com a OAB os outros símbolos ligados a esses grupos radicais”, explicou. Há mais de 500 imagens, termos e gestuais catalogados. MR questionou para que serveriam. “Esta linguagem é utilizada em público como reconhecimento e saudação veladas. Eles esperam que outros simpatizantes os reconheçam”, explicou a pesquisadora.
Não é a primeira vez que apologias à extrema direita violenta aparecem no governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Em 20 de fevereiro de 2020, um apoiador pediu para tirar uma foto com o presidente. Na hora, fez o gesto repetido por Martins. Bolsonaro percebeu: “Esse gesto aí, gesto bacana, mas pega mal para mim”. Um segurança pediu para que a foto fosse apagada, porém o momento foi captado em vídeo e caiu nas redes.
Propositais ou não, episódios se repetem no governo. Em janeiro de 2020, o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, publicou um vídeo que fez referência ao ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, para divulgar o Prêmio Nacional das Artes. Alvim acabou demitido. Ainda na Cultura, em 12 março deste ano o secretário Mário Frias comparou as medidas de combate à pandemia ao Holocausto. Para justificar seu argumento, Frias postou um trecho do filme “A Lista de Schindler”. Há situações até mais bizarras. Em maio de 2020, um grupo de ex-paraquedistas do Exército saudou o presidente no Palácio da Alvorada erguendo o braço direito, repetindo o gesto nazifascista criado para Mussolini e adotado por Hitler.
Adriana Dias afirma que a Presidência da República está envolvida com grupos extremistas, porém é difícil discutir amplamente este perigo, já que sociedade, imprensa, Judiciário e classe política desconhecem quase completamente o assunto. Para ela, a única solução é mostrar e explicar didaticamente as implicações do autoritarismo violento que esse pessoal defende.