O grupo de parlamentares moderados – também tachados de fisiológicos, tamanho o apetite por cargos e verbas – que forma o Centrão sempre foi visto com reservas por boa parte da sociedade. O próprio candidato Jair Bolsonaro, em 2018, falou cobras e lagartos sobre esse conjunto informal de congressistas. Neste contexto, se tornou um clássico um vídeo gravado durante a convenção nacional do PSL durante a campanha presidencial. Nele, o general Augusto Heleno cantou: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Na paródia musical criada pelo futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, a palavra “ladrão”, da letra original, foi substituída pelo nome do bloco político.
A fragilidade parlamentar do governo, porém, aproximou o governo e o Centrão. E o toma-lá-dá-cá, tão criticado por Bolsonaro, recomeçou. Os oposicionistas apontaram a contradição do presidente. Já os apoiadores preferiram ressaltar o pragmatismo do Planalto. Desde que houve esse casamento de interesses, o Centrão emplacou diversos cargos no governo e abocanhou o poder sobre bilhões de reais em verbas federais.
Sabe-se que o apetite do bloco é proporcional à vulnerabilidade do governo no cenário do poder. E, recentemente, houve alguns fatos que elevaram o preço do apoio centrista como a ineficiência no combate à pandemia e desdobramentos do episódio das rachadinhas. Com isso, o taxímetro do Centrão acionou a bandeira dois e o preço de seu apoio foi remarcado.
Até aí, nenhuma novidade. Era o Centrão sendo o Centrão.
Mas, em primeiro lugar, o apetite por cargos motivou o presidente da Câmara, Arthur Lira, a indicar uma candidata ao ministério da Saúde. A indicação não prosperou e Lira ficou magoado, esperando a vez de dar o troco.
Não demorou muito. Soltou um ultimato de cores fortes em direção a Bolsonaro e disse que o Congresso dispunha de remédios amargos para resolver a crise. Logo depois, disse que esse era um “alerta amigo”. O recado foi visto como um aviso. Mas o Centrão não parou por aí. Começou uma pressão desenfreada para retirar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do cargo.
Depois de receber vários tabefes, Araújo foi para o tudo-ou-nada: acusou a senadora Katia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, de fazer lobby para a China no processo de implementação da tecnologia 5G no país. E disse que essa era a verdadeira razão sobre a qual estaria sofrendo uma fritura em praça pública – não a má vontade que criou junto aos chineses em relação ao Brasil por conta das inúmeras críticas feitas pelo Chanceler à nação liderada por Xi Jinping.
A pressão exercida pelo Centrão chegou à carga máxima ainda no domingo. Até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um tradicional apaziguador de ânimos entrou na briga e disse que a fala de Araújo era um “grande desserviço” ao país.
O resultado foi a queda, hoje, de Ernesto Araújo.
Como seria bom se o Centrão usasse essa força para se concentrar em todos os temas que são importantes para o país.