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Exame: seis em cada dez brasileiros preferem serviços públicos digitais

Seis em cada dez brasileiros adultos acessam hoje a plataforma de serviços públicos digitais do governo federal, o gov.br. São 97 milhões de pessoas com cadastro no portal único que oferece desde a carteira de motorista digital – armazenada no smartphone do cidadão – até acesso ao seguro desemprego. Há anos dois anos, não era 5% desse volume.

É fato que a pandemia obrigou milhões de pessoas que antes procuravam os serviços públicos nas repartições Brasil afora a criarem um login de acesso para entrar em contato os governos nos níveis municipal, estadual e federal. É verdade também que a concessão do auxílio emergencial em 2020 – e agora a nova rodada do benefício, que passou a ser pago no dia 6 de abril – foi o primeiro contato de muita gente com o governo digital (a Caixa é uma das seis instituições financeiras que estão integradas na plataforma gov.br). Com a possibilidade de receber mais quatro parcelas este ano, as consultas dispararam: o acesso ao aplicativo Caixa Tem aumentou 1.800% nos últimos dias.

Sim, a velocidade de adesão é impressionante. Mais ainda é o quão adaptado está o brasileiro a interagir com o governo de forma remota e digital. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com 13.200 pessoas e realizado entre outubro e dezembro do ano passado, mostra que 60% dos brasileiros preferem o atendimento por site, aplicativo ou mensagem de texto de serviços públicos — ante 24% que escolhem o atendimento presencial.

A economia de tempo é a principal razão para 46% da população escolher a forma online. Outros 29% dizem que preferem o acesso digital para não ter que ir a uma repartição pública. Há também uma predominância maior entre os mais jovens pela acesso online – entre os que têm de 25 a 24 anos, 71% preferem o serviço público digitalizado, ante 19% pela via presencial. Já a população mais velha (60 anos ou mais) começa a se engajar também: 41% preferem os serviços online, em comparação com 34% dos que ainda dão preferência ao atendimento presencial.

“A sociedade brasileira está bem adaptada ao mundo digital. É natural que queira ter nas interações com os governos a mesma experiência do consumo online”, diz Morgan Doyle, representante do BID no Brasil.

O país tem uma das maiores populações conectadas do mundo: cerca de 87% das pessoas reportaram ter acesso à internet por wi-fi em casa e 95% reportaram ter acesso móvel por celular, de acordo com dados da pesquisa do BID, cujos dados foram coletados pelo IDEIA, instituto especializado em opinião pública. Mas a alta conectividade dos brasileiros veio a reboque da popularização dos smartphones na última década.

No amadurecimento dessa relação entre o cidadão e a telinha do celular, várias fases foram sendo cumpridas. Primeiro veio a explosão das redes sociais – que ainda hoje concentram boa parte dos minutos consumidos online. Depois surgiu o fenômeno do comércio eletrônicos, que avança a passos largos (em 2020, as vendas online aumentaram 68% em relação ao ano anterior, segundo a Associação de Comercio Eletronico).

Só mais recentemente é que o acesso ao governo digital entrou no radar do cidadão com o aumento da oferta de serviços disponíveis. Hoje 67% dos mais de 4,2 mil serviços do governo federal são digitais (68% receberam avaliações positivas na pesquisa do BID). Desde o início da pandemia foram digitalizados 704 serviços federais.

Estimativas do Ministério da Economia apontam que a digitalização no nível federal evita gastos da ordem de mais de R$ 2,2 bilhões por ano. Boa parte dessa economia vai para o bolso da população, com cerca de 1,7 bilhão de reais que não são gastos em transporte ou horas de trabalho que não mais são desperdiçadas em filas de repartições públicas.

Para o governo, que está na briga para fazer com que os gastos federais caibam dentro do Orçamento de 2021, uma economia anual de aproximadamente R$ 540 milhões faz diferença.

O debate sobre a digitalização dos governos invariavelmente recai sobre outro: qual é o impacto de mais tecnologia sobre os quase 12 milhões de funcionários públicos que existem no país?

Nos últimos 20 anos, o contingente de funcionários públicos no país dobrou — boa parte desse crescimento se concentrou no nível municipal – o que faz com que o país gaste o equivalente a 13,6% do PIB brasileiro com servidores — ficando atrás apenas da África do Sul, de acordo com dados da OCDE, o clube dos países ricos.

Com as contas no vermelho e o risco de não cumprirem as regras fiscais de controle de despesas, os governos têm evitado fazer concursos públicos, enquanto o fluxo de aposentadorias se mantém. O Instituto Nacional de Seguridade Social, por exemplo, prevê que 40% de seus atuais servidores estejam aposentados nos próximos dez anos.

“A tecnologia vai permitir uma melhor organização do Estado brasileiro, tirando pessoas de posições meramente burocráticas e deixando as apenas em funções mais nobres no serviço público”, diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman e ex-secretária de Fazenda de Goiás. “Hoje, os governos vivem de pagar a folha salarial e sobram poucos recursos para investir na expansão ou na melhoria de qualquer política pública.”

Guichê fechado

Antes da pandemia, a digitalização de serviços públicos — uma prioridade de governos no mundo todo — parecia uma agenda que vinha em segundo plano por aqui. Com as medidas de restrição adotadas na primeira onda da pandemia em março de 2020, órgãos públicos do país inteiro ficaram fechados por meses. Agora, com o agravamento da crise sanitária em 2021, novamente as repartições voltam a fechar ou a restringir o atendimento ao público.

“Muitos prefeitos descobriram na pandemia que estavam perdendo arrecadação porque o cidadão não conseguia, por exemplo, tirar online uma segunda via do IPTU. E, sem pagamento de impostos, as contas não fecham”, diz Gustavo Maia, fundador da startup Colab, plataforma de gestão e de zeladoria pública.

Isso tem provocado uma corrida para que cidades e estados criem suas estratégias digitais. “Os governos que já tinham começado sua transformação digital antes da crise tiveram uma resposta mais rápida ao longo dela”, diz Luiz Felipe Salin Monteiro, secretário de Governo Digital.

É verdade que a maioria dos municípios brasileiros ainda está muito atrasado na conversão digital. Na pesquisa do BID, 90% das pessoas ouvidas afirmam conhecer o aplicativo gov.br, enquanto que 44% das pessoas não conhecem ou nunca usaram serviços digitais da prefeitura da cidade onde residem.

Mas os bons exemplos que surgem no país têm inspirados muitos gestores públicos. O caso de Fortaleza é um deles. Em junho do ano passado, em plena pandemia, a cidade conseguiu completar a digitalização de 100% dos serviços vinculados à Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente.

Iniciado em 2013, o processo tinha um alvo principal: criar um novo sistema de alvarás e licenciamentos online. Naquela época, um alvará de construção de um uma casa ou de um edifício comercial poderia levar facilmente dois anos para ser emitido. Hoje, em média, são necessários dois meses.

“É um dos melhores sistemas de aprovação de licenciamento do país”, diz Otacílio Valente, dono da construtora Colmeia, que atua também em Manaus, Natal e Campinas, no interior de São Paulo. “Antes, mesmo se houvesse demanda do mercado imobiliário por novos projetos, a gente tinha que esperar as licenças todas.”

Hoje a Colmeia é quem toca a construção do prédio mais alto de Fortaleza, que quando concluído terá 165 metros de altura. Em frente à praia de Iracema, cada apartamento do empreendimento tem 600 metros quadrados de área e custa cerca de 9 milhões de reais. A empresa têm quatro projetos em construção na capital cearense neste momento e pretende lançar mais três ao longo de 2021.

Prova de que um governo digital pode ajudar muito a economia real.

Por Fabiane Stefano

Publicado originalmente em https://exame.com/brasil/seis-em-cada-dez-brasileiros-preferem-servicos-publicos-online/

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