O presidente Jair Bolsonaro tem até a próxima quinta-feira, 22, para sancionar o Orçamento de 2021. A situação ainda indefinida, no entanto, tem gerado inquietação no mercado não só pela possibilidade de que o teto de gastos não seja respeitado neste ano, mas pela sinalização de que o governo patina na capacidade de negociação com o Congresso, avaliam economistas consultados pela EXAME.
A briga em torno das contas públicas deste ano já tem refletido nos índices econômicos. Com a incerteza sobre como ficará a situação fiscal do Brasil, investidores têm sido cautelosos nas últimas semanas, o que já ecoa nas altas cambiais, previsões da Selic e do Produto Interno Bruto (PIB), apontam os analistas.
O temor dos investidores é que a sanção da forma como está ou com qualquer manobra que permita gastos além do teto – seja pela subestimação de custos ou pela retirada de despesas obrigatórias do limite constitucional – abra um precedente de desrespeito à norma que ocasione um descontrole maior das contas públicas no futuro.
Para a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, apenas a indicação de desrespeito ao teto é suficiente para gerar uma reação negativa do mercado, independente do tamanho.
Segundo ela, a perspectiva do descontrole de contas aumentou em face das discussões em torno do Orçamento e o mercado já precifica o risco. “Temos uma taxa de juros que está avançando. Num cenário de atividade econômica aquecida elevar os juros não significaria algo ruim, apenas a recuperação da atividade econômica. Mas não, estamos tendo que elevar a taxa por uma pendência em relação à política fiscal”, reitera.
Caso não seja encontrada uma solução dentro do teto, a tendência é que os efeitos se intensifiquem, avaliam analistas. O roteiro segue a ordem: a moeda desvaloriza, a perspectiva de inflação ultrapassa a meta do Banco Central, que por sua vez passa a subir os juros acima do esperado. Como consequência, a retomada da atividade econômica e o crescimento do PIB são afetados.
Saídas que retirem despesas do limite do teto para que o Orçamento não ultrapasse formalmente a legislação também podem ser interpretadas negativamente para o economista-chefe do Grupo Integral, Daniel Miraglia. “Não encontrando solução dentro do teto deve haver reação. Isso para que a dinâmica da dívida pública não se torne explosiva. Seja o teto rompido mesmo ou qualquer proposta que tire despesa da conta do teto”, reforça.
Na última semana, em busca de uma solução que livrasse o chefe do Executivo de vetar emendas parlamentares para não ultrapassar o teto de gastos, o Planalto considerou opções que retiram gastos obrigatórios da conta do Orçamento. Uma delas, apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma PEC para retirar um montante limitado de despesas obrigatórias relacionadas à pandemia, foi repelida pelo Planalto.
A possibilidade, no entanto, da sanção do texto sem os vetos às emendas parlamentares com a promessa de abrir espaço para os gastos obrigatórios com previsão subestimada de outras maneiras não foi abandonada.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é um dos defensores da permanência dos R$ 29 bilhões em emendas carimbadas por parlamentares. Bolsonaro tem tentado encontrar saídas que evitem seu desgaste com a base parlamentar, já que o veto aos recursos pode levar o presidente a uma situação de perda de apoio nas Casas Legislativas e difícil governabilidade no futuro.
A falta de alinhamento do governo com o Congresso que o episódio tem mostrado é outro fator que afasta a confiança de investidores, afirma Camila.
Ao aprovar o texto atual do Orçamento no dia 25 de março, o Congresso cortou previsões de gastos obrigatórios, como aposentadorias, pensões e auxílios para incluir emendas que levam o carimbo de deputados e senadores com aval da equipe econômica do governo. Apenas depois que o texto foi enviado à sanção presidencial o Ministério da Economia passou a alertar que a aprovação do texto poderia trazer risco de crime de responsabilidade ao presidente.
O texto teve gastos maquiados com previsões abaixo da realidade para despesas essenciais à máquina pública. Cálculos da Instituição Fiscal Independente do Senado apontam que as estimativas suprimiram cerca de R$ 26,4 bilhões de despesas obrigatórias para a adição das emendas.
“O que ficou escancarado com esse Orçamento é o quanto o governo precisa ceder para conseguir governar. É um desalinhamento tão grande nas tratativas entre equipe econômica e Congresso, um ambiente tão complicado, que acaba assustando o investidor”, afirma a economista.
Por Roberta Vassallo
Publicado originalmente em https://exame.com/economia/quais-os-efeitos-da-briga-sobre-o-orcamento-nos-indices-economicos/