Péssima para empreendedores, mas boa para rentistas
No Brasil, a alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica é de 15%. No entanto, há uma sobretaxa de 10% sobre o lucro que ultrapassa determinado valor.
Mas não pára por aí.
Há também a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota pode chegar a 32%; o PIS, cuja alíquota pode chegar a 1,65% e a COFINS, cuja alíquota chega a 7,6%. PIS e COFINS incidem sobre a receita bruta.
No final, a alíquota efetiva máxima sobre empresas chega a 34%. É simplesmente a 4ª maior do mundo, atrás apenas de Índia, Malta e Congo — sim, as empresas do Brasil pagam mais imposto que todos os ricos países europeus.
(Além de tudo isso, vale lembrar que há também o ICMS, que varia de estado para estado, mas cuja média é de 18%, e o ISS municipal. Embora estes sejam impostos indiretos — em tese arcados pelo consumidor —, eles afetam as receitas das empresas, pois estas seriam maiores sem eles. Não tente fazer a conta, pois você irá se apavorar.)
Certamente ciente deste descalabro, o Ministro da Economia Paulo Guedes apresentou um amplo projeto de reforma tributária. Há coisas boas e coisas péssimas.
O pior de tudo é que, no fim, se implantando do jeito que está, haverá aumento da carga tributária.
Nossa sina
Lamentavelmente, trata-se de apenas mais uma reforma com puro intuito arrecadatório, indistinguível das que o brasileiro amargou nos últimos 30 anos.
A reforma tributária de 2003, por exemplo, foi vendida como “mais justa”, “neutra”. A promessa era extinguir a incidência perversa em cascata do PIS e Cofins, compensando esta extinção com uma elevação da alíquota de 3,65% para 9,25%. A Receita Federal afirmou à época que suas contas demonstravam que não haveria aumento de carga tributária. Poucos se surpreenderam com o aumento brutal de arrecadação de PIS e Cofins já a partir do ano seguinte. A planilha da Receita aceita tudo, desde que beneficie a máquina estatal.
Os pretextos para se propagandear a atual reforma proposta por Guedes são os mesmos, com o populismo adicional de que taxará ainda mais “o rico”, que é sempre o eterno vilão.
Só que, ao contrário, a taxação aumentará dramaticamente sobre a atividade empresarial e atingirá em cheio o pequeno, com a criação de mais um imposto que se soma aos mais de 90 impostos e contribuições atuais: o imposto sobre dividendos.
Não tributar dividendos é questão de lógica
Ao contrário do que dizem os progressistas demagogos, o fato de o Brasil, até o momento, não tributar dividendos não configura nenhum “privilégio para rentistas”. E por um motivo simples: se os dividendos fossem tributados, isso equivaleria a uma dupla tributação.
A empresa já pagou 34% sobre seus ganhos. O que sobrou ela irá ou reinvestir ou distribuir como dividendos para seus acionistas (que são os proprietários da empresa, algo que qualquer pessoa física com conta em corretora pode se tornar).
Se esses dividendos também fossem tributados, isso nada mais seria do que uma bitributação.
Eis um exemplo simplório, mas que ajuda a entender: a empresa lucrou R$ 100, pagou R$ 34 de imposto e ficou com R$ 66. Se esses R$ 66 forem novamente tributados ao serem distribuídos para os proprietários da empresa, então é óbvio ululante que está ocorrendo uma bitributação.
Na prática, seria como se o Manoel, o proprietário da padaria, após pagar o IRPJ, também tivesse de pagar imposto sobre o dinheiro que sobrou e que ele sacou para pagar a conta de luz da sua casa.
Logo, não faria sentido nenhum o Brasil, que é o quarto país que mais tributa empresas no mundo, tributar também dividendos. A soma de um IRPJ efetivo de 34% mais a tributação de dividendos tornaria insana a nossa já tresloucada carga tributária.
Uma bagunça
A proposta tributária de Guedes quer reduzir a alíquota máxima dos 34% atuais para 31,5% em 2022 e para 29% a partir de 2023.
(O IRPJ regular cairia dos atuais 15% para 10%, mas tanto a CSLL quanto a sobretaxa permaneceriam as mesmas).
Até aí, ótimo. Isso aumentaria o lucro líquido das empresas.
Entretanto, para contrabalançar essa redução, ele pretende implantar a tributação de dividendos, que hoje são isentos, em 20%.
Isso aumentará a mordida tributária — a menos que a distribuição de dividendos seja reduzida ao mínimo permitido por lei.
O jornal Valor Econômico apresentou uma esclarecedora tabela ilustrando dois cenários. No primeiro cenário, 100% do lucro líquido da empresa é distribuído na forma de dividendos (exatamente como é hoje para todas as pessoas que trabalham como PJ). No segundo cenário, apenas 25% do lucro líquido é distribuído como dividendos, que é o mínimo determinado por lei.
A tabela mostra como ocorre hoje, e como será em 2022 e em 2023 caso a reforma passe.
Observe que, hoje, não interessa quanto seja distribuído de dividendos: a carga tributária total sobre o o lucro é de 34%.
Entretanto, caso a reforma passe, uma empresa que distribui 100% dos lucros como dividendos (que é o típico caso de uma pessoa física que trabalha como PJ), terá sua carga elevada de 34% para 43,2%. Aumento de 27%.
Por outro lado, uma empresa que distribua apenas 25% do seu lucro líquido como dividendos (que é o mínimo estabelecido por lei) terá sua carga reduzida de 34% para 32,6%. Redução (ínfima) de 4,12%.
Ou seja, para um extremo, a elevação é brutal. Para o outro extremo, a redução é ínfima. No geral, considerando-se que a distribuição de dividendos ficará na mediana, haverá aumento da carga.
É fácil constatar que o objetivo claro desta proposta é atacar a famosa “pejotização” da economia: aquele prestador de serviços que cria uma empresa ou o advogado que ganha sob a forma de dividendos.
Isso passou a ser visto como um “crime”, sendo que se tratava da única maneira de empreendedores, legalmente, poderem manter algum caixa em meio às crescentes e asfixiantes burocracia e carga tributária. Como Mises sempre ensinou, são essas brechas nas regulamentações que permitem à economia respirar. O estado, no entanto, odeia quem não lhe repassa toda a sua renda possível.
Vale também ressaltar que o escalonamento faz com que em 2022 haja um aumento da carga, em todos os cenários. A introdução imediata da alíquota de 20% sobre dividendos, retida na fonte, ao mesmo tempo em que a redução da alíquota de IRPJ ocorre de maneira gradativa e não proporcional faz com que ocorra aquele aumento em 2022, elevando a carga tributária de 34% para 45%, o que apenas gera ainda mais incertezas.
Há também um desencontro no que diz respeito ao setor imobiliário. Os fundos imobiliários, hoje isentos, passarão a ter seus rendimentos tributados. Só que as LCIs e LCAs continuarão isentas. Isso é esquisito, pois tanto as as LCIs quanto os fundos imobiliários representam investimentos diretos e são fonte de financiamento para a indústria. Manter um (corretamente) isento e passar a tributar o outro é uma medida que apenas introduz ainda mais distorção e insegurança.
Para completar, pessoas físicas com empresas offshore também passarão a ser tributadas pela tabela progressiva do Imposto de Renda (até 27,5%), o que representaria um ataque aos “evasores” — leia-se: qualquer pessoas que queira proteger um pouco do seu patrimônio no exterior, algo obrigatório para quem vive em países latino-americanos.
Até então, nenhum governo de esquerda havia proposto isso.
Pequenas bondades — e um paradoxo guediano
Há, também, algumas carícias voltadas para a pessoa física.
A tributação em Bolsa passa de mensal para trimestral, com alíquota geral de 15%. A faixa isenta do Imposto de Renda de Pessoa Física será elevada, o que traria um (pequeno) aumento da renda líquida de famílias de renda mais baixa. Mas, sejamos sinceros, é uma migalha.
Hoje, quem ganha dois salários-mínimos está obrigado a declarar e recolher IR. A proposta de correção da tabela é de isentar rendimentos de até R$ 2.500 mensais. Aplicado o critério do ano 2000, a isenção deveria ir para R$ 6.500, considerando-se a inflação do período. É importante notar que este mesquinho aumento da isenção é do interesse da própria Receita Federal, que não consegue tributar o brasileiro que ganha menos de dois salários-mínimos.
Por fim, há também a redução (essa, sim, muito significativa) do IR de 22,50% para 15% nas aplicações de renda fixa logo no primeiro mês de aplicação.
Hoje, para os primeiros seis meses, paga-se 22,50%, quando então começa a ocorrer uma redução gradual para 15%, a qual só é alcançada após 2 anos. Com a proposta, a alíquota seria de 15% já no dia seguinte. Para a esmagadora maioria dos brasileiros, tanto os que deixam sua reserva de emergência no CDI como aqueles que estão majoritariamente na renda fixa para investimentos de curto prazo, é uma redução significativa.
Caso seja implantada, é de se esperar um grande aumento na demanda por títulos públicos, o que poderia levar a uma redução dos juros.
De um lado, isso até está em linha com o pensamento de Guedes, que sempre criticou juros altos. Por outro, e ironicamente, essa maior procura por títulos públicos irá aumentar a classe dos “rentistas”, que ele também sempre vituperou.
Não deixa de ser curioso, portanto, que sua reforma privilegie a renda fixa e ataque pequenos, médios e grandes empreendedores.
No fim, é ruim e deve ser alterada
Como demonstrado, em vez de estimular a atividade produtiva, a proposta de Guedes acaba por punir ainda mais empreendedores e investidores.
Aumentar a carga final sobre o lucro significa reduzir salários e o nível de emprego da empresa e de sua cadeia. Os lucros são o que possibilitam as empresas a fazerem novos investimentos, a contratar novos empregados e a conceder aumentos salariais. Impostos sobre a receita e sobre o lucro das empresas afetam diretamente todo esse processo, fazendo com que a capacidade futura de investimento das empresas seja seriamente afetada, o que significa menor produção, menor oferta de bens e serviços no futuro, e menos contratação de mão-de-obra.
O resultado, que Guedes bem conhece, é a diminuição global do investimento, do emprego e da renda.
Não é propriamente uma surpresa: os recursos saem da sociedade para o buraco negro do governo. Quando o governo tributa receita e lucro, ele apenas faz com que o dinheiro que seria utilizado para ampliar e aprimorar os processos produtivos seja agora direcionado para o mero consumismo do governo, ficando sob os caprichos de seus burocratas, obstruindo a formação de capital.
Uma reforma decente pressupõe melhorar o país. Ninguém reforma para piorar a situação. Se não for para gerar crescimento econômico, para que fazê-la? Ruim sem a reforma, pior ainda com ela, que nem o mérito de simplificação possui. Não podemos esquecer o risco de o Congresso deteriorá-la ainda mais, como foi no caso do exorbitante preço cobrado para aprovar a necessária privatização da Eletrobras.
Guedes – que aparentemente não consultou os liberais no governo e muito menos sua base na sociedade – prometeu ao assumir que jamais aumentaria ou criaria impostos. Também prometeu redução de alíquotas, induzindo crescimento sem comprometer a arrecadação global. Nesta surpreendente reviravolta, ele pode acabar virando herói de adeptos de Aloizio Mercadante, Marilena Chauí e Maria da Conceição Tavares.
Guedes pode ter lá suas racionalizações para justificar a tomada do dinheiro pelo estado — não privatizou o tanto que gostaria, os gastos aumentaram com a pandemia, e precisa lidar com o déficit —, mas certamente sabe que, com essa reforma, cai o investimento, cai o nível de emprego e de renda.
Um dos pilares de sustentação do governo tem sido o minguante apoio dos liberais – a saída de Salim Mattar e Paulo Uebel marcou o início do distanciamento. Agora, Guedes parece querer trair o apoio que lhe sobrava em prol de satisfazer a Receita Federal.
Caso essa reforma passe como está, atacando empreendedores, a casa dificilmente se sustenta.
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Por Helio Beltrão e Anthony Geller
Publicado anteriormente em: cutt.ly/0msY4mF