Com a retomada das atividades presenciais, as empresas podem pedir ou não a comprovação de vacinação aos seus colaboradores? E seria possível demitir um funcionário que recuse a inoculação ou a apresentação da carteirinha, alegando privacidade ou discordância com a política de saúde pública brasileira? Quais as responsabilidades dos empregadores diante da possibilidade de uma terceira onda com a variante delta, considerada mais contagiosa? Essas questões ainda não estão claras no Brasil e, apesar dos cidadãos aceitarem as doses em índice elevado – mais de 60% do público vacinável. Nos Estados Unidos e alguns países da Europa Ocidental, onde não há obrigatoriedade nem para funcionários da saúde, a questão é dramática. Gigantes americanas, como Google e Walmart, decretaram a vacinação obrigatória para o retorno ao presencial com segurança. Quem discordar pode recorrer aos tribunais.
MONEY REPORT conversou com o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), com os professores de Direito do Trabalho Guilherme Guimarães Feliciano e Paulo Renato Fernandes, respectivamente da da USP e da FGV-Rio, e com o especialista em direito empresarial, Fernando Kede. As respostas divergem.
Quem pode ser demitido?
Ministro Agra Belmonte, do TST
“Pela Constituição, cabe ao empregador prevenir o ambiente dos riscos de segurança. Isso até justificaria a demissão por justa causa. Se os empregados adquirirem a doença por causa de um não vacinado, quem responderá é o empregador.”
Guilherme Guimarães Feliciano, da USP
“A matéria chegou ao STF por meio das ações diretas de inconstitucionalidade. O relator foi o ministro Ricardo Lewandowiski, que entendeu ser constitucional a obrigatoriedade da imunização, sem que se admita violência. O que se admite são medidas jurídicas, como ocorre na pólio e no salário-família. Se eu estou falando do empregador, a coerção indireta, conforme a decisão do próprio STF, o empregador poderia exigir. O Ministério Público do Trabalho emitiu uma nota técnica explicando que, como última alternativa, o empregador poderia demitir com justa causa.”
Paulo Renato Fernandes, da FGV
“Há duas correntes sobre o tema. A primeira sustenta que vacinar (ou não) é uma liberdade individual, um direito constitucional. Logo, um direito que não pode ser punido pela empresa. A segunda, cabe ao empregador gerar um meio ambiente de trabalho seguro aos seus colaboradores. A empresa tem o poder e o dever de implementar todas as medidas, inclusive sanitárias, para proteger seus empregados de mazelas derivadas do trabalho e dos locais de trabalho. A própria CLT prevê que nenhum interesse de classe ou individual pode se sobrepor ao interesse público. Diante do conflito entre bens jurídicos fundamentais de mesma estatura constitucional, cabe ao intérprete [o juiz] fazer um juízo em busca de solução.”
Fernando Kede, especialista em direito empresarial
“É possível que o empregador exija que o empregado demonstre, sob aplicação de penalidades no contrato de trabalho, o comprovante. O interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual. A empresa precisa garantir a segurança dos demais. Porém, antes de aplicar a penalidade máxima, a demissão, o ideal é tentar orientar sobre a importância da vacina e aplicar advertências e suspensão. Uma contaminação em massa pode fechar as portas da empresa.”
E se o funcionário alegar alguma condição que o impeça de ser vacinado?
Ministro Agra Belmonte, do TST
“Não podemos pensar na exceção como regra. Casos como alérgicos podem acontecer. O contrato pode ser rompido com motivo justificado, por incompatibilidade entre os problemas do trabalhador e as exigências do trabalho e, dentro dessas, há a necessidade da manutenção do ambiente íntegro. Um trabalhador infectado é um risco aos demais.”
Guilherme Guimarães Feliciano, da USP
“Se há o risco à integridade física do trabalhador por quadro alergênico que não o permita a vacinação ou outro motivo, é preciso comprovação por laudo médico. Assim, o empregador não poderá demiti-lo. O Código Civil diz que ninguém poderá ser submetido a tratamento médico com risco a vida. No caso religioso, a preservação do interesse coletivo fica acima do individual.”
Paulo Renato Fernandes, da FGV
“A empresa deve encontrar uma solução que compatibilize essas peculiaridades com a manutenção do trabalho. Por exemplo, colocar o empregado em teletrabalho ou em função readaptada.”
Fernando Kede, especialista em direito empresarial
“Se comprovadamente o empregado não puder tomar a vacina por questões médicas, ele tem esse direito e, se possível, deve ser mantido em home office. Já a questão religiosa fica abaixo do direito coletivo e a empresa pode exigir a vacinação.”
Como ficam as empresas negligentes se um funcionário contrair o vírus?
Ministro Agra Belmonte, do TST
“Empresas são responsáveis por todos os trabalhadores. Se não preparam o ambiente, a presunção é que o trabalhador se contaminou lá dentro. O empregador precisaria provar que o emprego pegou [a doença] em outro lugar. E mesmo se comprovado que o trabalhador não quis se vacinar, mas foi exposto a um ambiente propício para a contaminação, afinal de contas, nem todos são prioritários e muitos trabalharam até agora sem se vacinar, a causa primária é a empresa.”
Guilherme Guimarães Feliciano, da USP
“Se a empresa foi negligente com tudo aquilo que é recomendado, pode ser obrigada a pagar indenização. Não só ao contaminado que negou a vacina, mas aos demais contaminados por este. Eles podem pedir danos materiais devido às sequelas e danos morais por serem expostos a um indivíduo e por trabalharem sob eventual medo de serem intubados.”
Paulo Renato Fernandes, da FGV
“A responsabilidade por garantir um meio ambiente de trabalho seguro é da empresa. Logo, cabe a ela adotar todas as medidas previstas para concretizar esse direito fundamental dos trabalhadores.”
Fernando Kede, especialista em direito empresarial
“Se a empresa for negligente com as medidas de segurança, há a chance de o empregado processar o empregador.”