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A histórica negligência brasileira ao modal ferroviário — e a solução atual

Dependência do transporte rodoviário é fruto de erros políticos desde a década de 1920

Ameaças de greve de caminhoneiros são uma constante que expõem a dependência brasileira do modal rodoviário. A greve de 2018 deixou um prejuízo estimado em até 75 bilhões de reais

No entanto, as poucas cidades em que o transporte de combustíveis é feito com linhas férreas sofreram muito menos os efeitos do movimento. Nem chegou a faltar gasolina nos postos desta cidades.

O modal ferroviário foi completamente negligenciado no Brasil a partir da década de 1920. Não significa que, a despeito da priorização governamental, as rodovias – responsáveis por 60% do que é transportado no país e 75% da produção nacional que é escoada – sejam de boa qualidade: quase 60% delas estão em situação de má conservação.

O ponto é: uma sequência de decisões políticas equivocadas resultou em enorme dependência do modal rodoviário para escoamento de produção e transporte. 

Isso contrasta com os Estados Unidos, outro país de proporções continentais, que possui uma malha ferroviária quase 9 vezes maior – 226 mil km, ante 28 mil km no Brasil.

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Figura 1 – Comparativo entre as malhas ferroviárias do Brasil X EUA

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Figura 2 – Comparativo das extensões ferroviárias

Com efeito, o Brasil é dos que menos valoriza a malha ferroviária.

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Figura 3 – Parcela de modais de transporte

Triste histórico

A maior parte da malha brasileira foi construída ainda no século XIX e passou a ser sucateada a partir de 1920 e, principalmente, com a estatização entre a década de 1950-1990.

A maior expansão da linha férrea Brasileira ocorreu entre 1875 e 1920 – à época, o principal modal de transporte. No século XIX, quem conseguia autorização para construir linha férrea no Brasil ganhava uma série de privilégios governamentais, como a garantia oficial de juros baixos, privilégios de zonas e garantias de faixas.

A baixa qualidade das linhas férreas brasileiras se deu graças a um péssimo marco regulatório. Ao contrário de outros países, por aqui não houve padronização da bitola, o que inviabilizou a conexão entre diferentes linhas férreas, fazendo com que a composição ferroviária que explora determinado traçado seja incapaz de transcorrer em outro.

Ademais, além da topografia brasileira, um subsídio fiscal de 30 contos de Réis por quilômetro a partir de 1873 criou incentivos para a construção de trechos ainda mais sinuosos, elevando muito a distância entre cidades ligadas por linhas férreas. Uma herança de tempos do Império que sofremos até os dias atuais.

Após o Segundo Reinado, em 1890, criou-se uma comissão que elaborou diretrizes para dar continuidade ao programa de implantação da malha ferroviária brasileira e ordenar a existente. A proposição inverteu a situação anterior, quando cada empresa apresentava a proposta do local que se interessava em explorar. No novo modelo, o governo arrogou para si a protagonização da construção de ferrovias. 

Assim, várias linhas “estratégicas” foram implantadas, com objetivos de toda sorte, como construir ferrovia para “defesa das fronteiras”.

O apogeu do modal ferroviário foi interrompido no Governo de Getúlio Vargas, que passou a priorizar o modal rodoviário. Nos anos 1940, a malha ferroviária já enfrentava diversos problemas, que iam desde locomotivas de baixa potência até traçados completamente antieconômicos.

Na década de 1950, 90% do déficit público brasileiro advinha das ferrovias. Assim, foi criada a Rede Ferroviária Nacional (RFFSA) em 1957, que passou a administrar 18 estradas de ferro da União – quase toda a malha ferroviária nacional. 

Em busca de sanar esse rombo orçamentário, um percentual de tributo sobre combustíveis passou a ser destinado à RFFSA.

Várias linhas férreas deficitárias foram fechadas sob a promessa de investimento estatal em novos projetos, que acabaram por não acontecer, sendo as ações centralizadas no governo até a abertura do mercado em 1990. 

Naquele ano, foi instituído o Plano Nacional de Desestatização, com dezenas de concessões a partir daí. Atualmente, as linhas férreas se concentram, principalmente, em quatro grandes grupos empresariais: Rumo, Vale, MRS Logística e VLI.

A reforma dos anos 1990 gerou aumento de produtividade nas vias férreas.Na última década, as cargas transportadas aumentaram em 30%, mesmo com praticamente a mesma quantidade de ferrovias. 

O problema principal foi que a reforma não cedeu simplesmente a linha férrea, mas também a exclusividade geográfica. Ou seja: não se criaram incentivos concorrenciais para que houvesse ampliação e renovação da malha existente.

Este, aliás, é o principal problema dos regimes de concessão.

Três problemas com a concessão

A primeira deficiência do regime de concessões é a ausência do principal incentivo para a melhoria da qualidade dos produtos e serviços, bem como a redução de preços: o risco da entrada de novos concorrentes

A fatia de mercado sempre estará garantida em razão da entrada ser limitada por um agente regulador. 

A segunda falha consiste no modelo de concessões em si: como a participação no mercado concessionado é concedida por um processo político baseado em contratos e licitações, cada etapa do processo é uma oportunidade de corrupção. O concessionário pode corromper os políticos para ganhar concessões em diversas licitações, obter medidas

favoráveis dos órgãos reguladores e desfavoráveis para os concorrentes, consistindo no fenômeno conhecido como Captura Regulatória, no qual um ou mais agentes regulados (concessionários) capturam o agente regulador (órgão regulador do setor regulado em questão) e o fazem legislar de forma arbitrária, visando ao benefício de si próprios. 

Por fim, a terceira falha consiste no fato de que, como as empresas não são proprietárias dos ativos que operam (terão de devolvê-los ao Governo no término dos contratos), elas tendem a investir o mínimo possível nos negócios, visando apenas ao retorno dentro dos prazos contratuais.

Em razão de tais deficiências, todo regime de concessões requer um amplo e dispendioso aparato regulatório: é preciso regular os preços praticados e os investimentos porque, sem a ameaça da entrada de novos concorrentes e com prazos contratuais limitados, os concessionários, por uma questão totalmente racional, tendem a investir o mínimo possível nos bens e produtos visando à máxima lucratividade dentro dos prazos contratuais. 

Essa regulação é consequência das limitações do próprio modelo de concessões, e da ruptura quase completa dos incentivos à produtividade presentes no livre mercado.

A solução para o problema das concessões

Frente a esses problemas do regime de concessões, há duas alternativas:

1) optar por uma amenização destes problemas, com medidas como o alongamento dos prazos de concessão, redução das barreiras de entrada no setor, e a redução do conhecido “fardo regulatório”, que abrande a ampla burocracia que as empresas precisam cumprir; ou

2) a eliminação total deste regime de concessão, por meio da privatização integral das ferrovias brasileiras e da liberação de investimentos tanto por investidores nacionais como estrangeiros.

Infelizmente, a retirada da intervenção estatal no setor ferroviário ainda é vista com grande preconceito tanto por parte da população como por parte de diversos especialistas do setor. O pensamento mais comum é o de que, em um cenário de privatização integral das ferrovias, as empresas precarizariam ainda mais os serviços e aumentariam os preços, visto que estariam livres das regulações da ANTT. 

Mas, na prática, o resultado seria o inverso, já que, em um mercado aberto à livre entrada de concorrentes, a única forma de uma empresa permanecer seria por meio da melhoria contínua de produtos e serviços a baixo custo. 

Ademais, é necessário lembrar que, com uma verdadeira privatização, as presentes concessionárias passariam a ser proprietárias dos ativos que hoje operam por meio de concessões, destravando os impasses regulatórios e acabando com as incertezas quanto à renovação dos contratos, as quais dificultam a realização de diversos investimentos, tanto nas linhas férreas atuais como em linhas que venham a ser construídas. 

Adicionalmente, o mercado ferroviário iria se tornar bastante atraente para novos investidores, tendo em vista que uma situação de serviços ruins e altos preços é sempre um ímã para a entrada de novos players no setor.

Acima de tudo, é necessário superar a crença obsoleta de que concessionários monopolistas podem ser satisfatoriamente regulados por agências governamentais — que, na prática, mostram-se tão ineficientes quanto os monopólios que regula.

Para concluir

Dado que o assunto do momento são os caminhoneiros, o Congresso tem de aprovar com urgência o novo Marco Legal das Ferrovias. Outra prioridade, além das ferrovias, seria a cabotagem. Neste sentido, o Congresso também tem de aprovar com urgência a BR do Mar.

Em absoluto, o Brasil transporta muita carga na malha ferroviária, mas 80% é minério de ferro a partir da Vale do Rio Doce. Outros setores da economia poderiam ser beneficiados se houvesse uma estrutura da malha ferroviária adequada.

A viabilidade econômica de uma ferrovia geralmente está associada a quando a mercadoria possui mais de 40 toneladas ou quando a distância é superior a 400 km. Contudo, o ideal é haver boa estrutura em todos os modais (ferroviário, hidroviário e rodoviário), pois eles se complementam.

Uma lição que parece ter sido completamente perdida aqui no Brasil.

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Por Luan Sperandio e João Rodrigues

Publicaddo em: cutt.ly/fWCu1MT

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