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O Day After do Brexit: gôndolas vazias e postos sem gasolina na Inglaterra

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro deu mais uma demonstração de sincericídio ao dizer que “nada está tão ruim que não possa piorar”. Essa frase me veio à cabeça quando li ontem um artigo do jornal “The Independent” sobre a falta de gasolina nos postos ingleses. Na verdade, há um desabastecimento generalizado no Reino Unido – e o Brexit é uma das razões para o fenômeno.

Uma boa parte dos empregos sem qualificação em solo britânico era ocupada por trabalhadores de outras nações europeias. Mas, desde 30 de junho, esses indivíduos tiveram de voltar para seus países de origem ou preencher formulários para permanecer na Grã-Bretanha – um processo que é burocrático e vagaroso. O resultado disso foi alertado frequentemente por economistas: haveria desabastecimento tanto por causa de falta de mão de obra na produção como na distribuição de produtos.

Na semana retrasada, as gôndolas de supermercados começara a se esvaziar. Cadeias de restaurantes, como a KFC, ficaram sem matéria-prima (neste caso, cortes de frango – a base de todos os pratos oferecidos pela rede de fast-food). Construtoras viram o ritmo de suas obras diminuir, pois perderam cerca de quinze por cento de seus operários. Por fim, a crise de desabastecimento chegou aos postos de gasolina.

Um dos epicentros da crise está nos caminhoneiros. Um número enorme de motoristas de caminhão deixou a Inglaterra e outro naco substancial passou a trabalhar para empresas de logística que fazem entrega de mercadorias compradas no ambiente online. Especialistas dizem, no entanto, que o estrago maior foi feito pelos cidadãos europeus que voltaram ao continente.

Mas, como diria o presidente Bolsonaro, o quadro ainda pode piorar. Analistas ouvidos pela imprensa inglesa afirmam que esse desabastecimento vai durar muito tempo. O próprio primeiro-ministro Boris Johnson (foto) também acredita que o problema deve durar alguns meses antes de ser normalizado. Com uma rede de distribuição menor que a anterior, os comerciantes estão priorizando o transporte de produtos com maior margem de venda. Ou seja, a fartura de opções nas gôndolas pode virar uma fotografia do passado.

Para tentar combater esse problemas e mirando no caos absoluto que pode reinar durante as festas de final do ano, as autoridades emitiram 5 000 vistos de três meses para motoristas europeus que desejem trabalhar na Grã-Bretanha. Outros 5 500 vistos temporários também foram autorizados para quem quiser trabalhar em indústrias alimentícias – em especial aquelas que trabalham com aves.

Além disso, 4 000 pessoas estão sendo treinadas para ocupar as boleias de caminhão nas estradas inglesas.

Isso resolverá a questão? Talvez uma parte pequena, pois estima-se que existe a necessidade de preencher mais de 100 000 vagas neste setor. Portanto, percebe-se que a crise não será curta como esperavam os cidadãos ingleses.

O Brexit foi um processo que pegou muitos europeus de surpresa. Mas, para quem mora na Inglaterra, o resultado final do plebiscito não foi exatamente um choque. Já havia um clima de rejeição entre os britânicos em relação aos imigrantes e este sentimento foi fundamental para criar a maioria que votou pela retirada do Reino Unido da União Europeia.

Desinformação e ressentimento é um coquetel perigoso e geralmente leva as nações para o buraco. Trata-se de uma combinação nefasta, que reduz a importância da troca de ideias e empurra os eleitores a decisões tomadas com o fígado e não com o cérebro.

Foi exatamente o que ocorreu na Inglaterra em 2016. Saudado como o início de uma onda conservadora que elegeria Donald Trump e Jair Bolsonaro, o Brexit, na prática, tinha mais a ver com um movimento xenófobo do que necessariamente com a difusão de ideias tradicionalistas (embora, reconheça-se, a xenofobia em si seja um estandarte conservador em certos países).

Sem grandes debates, o Brexit foi cercado de discussões passionais. Projeções racionais, que mostravam os riscos de desabastecimento e queda de produção, foram diminuídas diante de um discurso nacionalista e protecionista. “Eu tenho medo quando vejo pessoas substituindo a razão pelo medo”, diz o personagem Klaatu no filme “O Dia em que a Terra Parou”, uma produção de ficção científica realizada em 1951 e dirigida por Robert Wise (“Amor, Sublime Amor” e “Noviça Rebelde”).

Neste roteiro escrito na década de 1950, Klaatu é um alienígena que visita nosso planeta e consegue ficar incógnito entre os humanos, apesar de perseguido pelas autoridades. Sua missão é mostrar que os outros planetas não vão tolerar o comportamento violento dos terráqueos, caso eles dominem os voos siderais. Após interagir com os habitantes de Washington, D.C., ele não consegue entender por que nós não tomamos decisões baseados na razão e frequentemente suspeitamos daqueles vêm de outros países.

Se Klaatu aterrissasse em Londres nos tempos atuais, demoraria muito para entender o cenário que levou ao Brexit. E talvez embarcasse em sua nave sem nenhuma vontade de regressar à Terra.

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