Muitos amigos não percebem, mas eu sou um cara muito chato. Algumas pessoas descobrem isso aos cinco minutos de conversa, mas a minha chatice é algo que eu tento esconder da humanidade. Eu detesto coisas que a maioria adora, da música à política, dos costumes a inúmeras séries da Netflix.
Isso começou há muito tempo, provavelmente na adolescência. E se consolidou de vez na vida adulta. Lembro que, aos vinte e poucos anos de idade, radicalizei. Eu não gostava da Folha de S. Paulo (nos anos 1980, uma unanimidade entre os jovens), odiava as novelas da Globo e tinha um desprezo profundo pelo futebol (desde que meu filho, na infância, virou um fanático por esse esporte, confesso que esse desdém diminuiu bastante).
Tomei, então, uma decisão radical: cancelei a assinatura da Folha, não vi mais a novela das oito e desisti de acompanhar qualquer jogo de futebol. Para se ter uma ideia, eu trabalhava na revista Exame e, em uma determinada tarde, percebi que a redação estava vazia. Vi que todos estavam reunidos numa sala, assistindo TV. Na tela, passava uma partida. Eu perguntei: “Que time está jogando?”. A resposta de um colega, incrédulo: “A seleção brasileira, Aluizio”.
Depois de um mês, percebi que não tinha muito assunto com os amigos. Todos comentavam um artigo da Folha, uma cena da novela ou uma determinada partida do esporte bretão. Tomei, então, uma decisão difícil: voltei a ler o jornal do qual não gostava, passei a dar uma espiada na novela e comecei a seguir os campeonatos de futebol.
Naquele momento, notei que a minha chatice iria me afastar das pessoas. Por isso, resolvi relevar o meu gosto pessoal e ter uma convivência saudável com o restante da raça humana. Mas, internamente, continuava a ser o chato de sempre.
Aos poucos, fui entendendo melhor os meus rompantes de aborrecimento com as coisas que não gosto. Muitas delas têm a ver com a estética cultural. Abomino determinados gêneros musicais, não suporto certas narrativas no cinema e na TV e me entedio com alguns livros da moda. No fundo, sou uma pessoa crítica, elitista e intolerante.
Vamos tomar um exemplo: música sertaneja, que parece estar em todos os lugares do país. Não suporto. Não sei o que detesto mais – se as letras ou as melodias indigentes. Mas desenvolvi um certo talento nos últimos anos: uma espécie de tecla “mute” em meu cérebro. Começa a tocar uma sequência de sertanejos – eles nunca aparecem sozinhos – e eu me fixo em um determinado aspecto da canção: a bateria, a linha de baixo, uma sequência de notas do violão, qualquer detalhe. Isso me ajuda a não ouvir o todo e traz um certo alívio.
Mas essa chatice não se limita à cultura. Me irrito com a soberba e também com os exageros políticos, seja de qualquer espectro. Outra coisa que me tira do sério: a apologia da ignorância. Acredito piamente que as pessoas vieram ao mundo para evoluir do ponto de vista intelectual, seja através da cultura propriamente dita ou da evolução profissional. Alguém que não se interesse por aprender coisas novas terá sérias dificuldades em obter meu respeito.
Se eu deixasse essa visão de mundo me comandar totalmente, eu teria de viver como um esquimó ou um eremita. Por isso, aos poucos, consegui ter controle (pelo menos parcial) sobre a minha chatice e ter maior tolerância.
Quando as redes sociais começaram a aparecer, entrei em vários barracos digitais – mas estou falando do final dos anos 2000. Quando os grupos de WhatsApp surgiram, demorei um pouco para pegar o jeito da coisa. E hoje me orgulho das minhas tentativas diárias de buscar o equilíbrio, a ponderação e o autocontrole.
Mas não é fácil. O chato que habita a minha alma está sempre soprando algum comentário crítico, jocoso ou desrespeitoso em meu ouvido. E há um agravante: minha formação como jornalista me faz perceber primeiro aquilo que está errado em qualquer situação. A vida na redação nos faz desenvolver quase que um sexto sentido para perceber rapidamente os problemas que aparecem na narrativa alheia.
Meu desafio diário é dominar essa chatice e tentar ser alguém que tenta compreender as demais pessoas, mesmo que não concorde com elas. Não é um esforço reconhecido, eu sei, mas é absolutamente necessário. Sem ele, teria de optar pelo isolamento absoluto.
Onde está a força para que eu domine essa chatice latente? Na curiosidade intelectual. Na vontade de entender uma ideia que me parece amalucada de início. Ou de tentar compreender uma lógica totalmente diferente da minha – mesmo que o raciocínio em questão careça de congruência.
Cada um tem um método para lidar com esse tipo de problema. Mas, aparentemente, todos temos um chato dentro de nós. O problema é que alguns não conseguem dominá-lo e tornam a vida dos outros mais difícil e desafiadora.
P.S.: depois de escrever essas linhas, perguntei para minha filha de treze anos se ela me achava chato. “Claro que você é chato”, respondeu ela. “Mas você é o meu chato!”.