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O que realmente faz com que os preços subam continuamente no Brasil

Sem meios termos: a atual discussão acadêmica sobre o que causa aumento de preços é espantosa

Nota do editor

O artigo abaixo foi originalmente publicado em março de 2017. À época, o país saía de dois anos seguidos de profunda recessão e alta inflação de preços: o IPCA fora de 10,67% em 2015 e de 6,29% em 2016.

Como consequência deste arranjo “atípico” (recessão com inflação), teorias bizarras começaram a surgir, como “dominância fiscal” e “Selic alta é a causa da inflação” (ambas discutidas abaixo).

Como no Brasil tudo gira em círculos, voltamos a viver a mesma situação. E, consequentemente, o artigo abaixo ficou ainda mais atual.

O artigo é republicado aqui sem a alteração de nenhuma frase, mas apenas com atualizações de dados e gráficos.

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O leitor mais bem dotado de memória há de se lembrar como eram os preços das coisas assim que o real surgiu, em julho de 1994. Os que não viveram a época podem facilmente recorrer à internet para pesquisar.

Pessoalmente, lembro-me de, ali por volta de 1995, almoçar em um restaurante self-service e pagar algo em torno de R$ 2,50. O preço do quilo era de R$ 6,50.

Também àquela época, você podia ir a um restaurante, comer picanha importada para duas pessoas, tomar cinco cervejas, pedir sobremesa, e pagar uma conta final de não mais que R$ 15,90.

Eis algumas informações encontradas sobre os preços daquela época:

a) O arroz custava R$ 0,64 o quilo. O pão francês, R$ 0,09 a unidade. O filé mignon, R$ 6,80 o quilo.

b) Uma ida a uma churrascaria rodízio variava de R$ 13 a não mais que R$ 24.

c) Um filé à parmegiana para duas pessoas saía por R$ 8,90, e a caipirinha para acompanhar, R$ 0,55.

d) Fartos pratos de coração de frango a R$ 1,90, costela de porco a R$ 2,60, e filé com fritas a R$ 8,90 eram a regra.

e) Para os não-carnívoros, o filé de peixe custava R$ 9,45, o camarão ao molho saía por R$ 16,90, e a mais refinada lagosta não passava de R$ 19,70.

f) Uma dose de uísque 12 anos custava R$ 3,25 e uma caipiroska com vodka, R$ 0,70.

g) Para completar, biscoito cream cracker custava R$ 0,75 e o açúcar, R$ 0,39.

Deixemos de lado o setor gastronômico e vamos para o resto da economia.

h) Um bom amaciante custava R$ 0,69.

i) Um ingresso de cinema, R$ 5.

j) As tarifas de ônibus variavam de R$ 0,29 a R$ 0,54. Já a gasolina custava R$ 0,55 o litro.

k) Um carro Gol 1.0 custava R$ 7.243.

l) Um apartamento de três dormitórios? R$ 94 mil.

Ano 2000

Avancemos agora para o ano 2000Naquele ano, uma cerveja Brahma, lata de 350 ml, custava R$ 0,57. A Kaiser Long Neck, 355 ml, R$ 0,45. Guaraná Antarctica, R$ 0,54.

Picanha bovina, R$ 8,90 o quilo. Alcatra, R$ 5,90 o quilo. Pneu da marca Pirelli 175/13, R$ 56,90 a unidade

Confira os anúncios:

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Investigando as causas

Desnecessário dizer que os preços de absolutamente todos esses produtos estão hoje muito maiores. Alguns produtos encareceram com mais intensidade (como os alimentos) e outros, com menos (como as roupas e os itens domésticos).

Mas, em comum, todos encareceram.

Hoje, você não mais encontra nenhum restaurante self-service cujo preço do quilo seja R$ 6,50, como era em 1995. Tampouco consegue comer com apenas R$ 2,50 (meu prato hoje não sai por menos de R$ 30). E muito menos encontrará um carro zero a menos de R$ 8.000.

Igualmente, você não mais encontra — como encontrava no ano 2000 — sabonete de marca a R$ 0,32, escova de dente a R$ 1,65, toalha de rosto a R$ 1,90, creme de barbear a R$ 2,20, xampu a R$ 2,25, desodorante, camisa regata e toalha de banho a R$ 3,90, calça jeans a R$ 8,90, tênis a R$ 12,90, calça social a R$ 14,90

Segundo o IBGE, a inflação de preços (IPCA) acumulada de julho de 1994 a outubro de 2021 foi de 602%. Isso significa que os preços de todos os bens e serviços, na média, septuplicaram.

Igualmente, de janeiro de 2000 a fevereiro de 2017, o IPCA acumulado foi de 278%, o que significa que os preços mais do que triplicaram nesse período.

Mas agora vêm algumas constatações lógicas e cruciais:

1) Os preços de todos os bens e serviços aumentaram 7 vezes desde 1994; no entanto, tamanho encarecimento não gerou redução da demanda. Ao contrário, aliás: a demanda por bens e serviços é crescente desde 1994;

2) Os preços aumentaram mesmo tendo havido um grande aumento da oferta de bens e serviços; hoje, há muito mais restaurantes a quilo, e há muito mais variedade e quantidade de roupas, carros e de itens domésticos à venda. Em tese, tamanho aumento da oferta deveria para ter gerado redução de preços. No entanto, os preços subiram;

3) Se houve tamanho aumento de preços mesmo com um grande aumento da oferta, e se tal aumento de preços não reduziu a demanda (ao contrário, a demanda aumentou), então a única conclusão lógica possível é que a demanda da população aumentou ainda mais que o aumento dos preços.

4) Agora, então, a questão passa a ser: o que permitiu esse aumento da demanda das pessoas?

5) Se o aumento de preços não foi o suficiente para diminuir a demanda, então, por definição, o aumento de preços foi acompanhado de um aumento da renda. Mais ainda: a renda aumentou mais que o aumento dos preços.

Temos, então, a primeira resposta: o aumento da renda da população — que levou a um aumento da demanda — foi maior que o aumento dos preços.

Afinal, dado que o aumento dos preços não foi suficiente para reduzir a demanda, e dado que os preços aumentaram mesmo tendo havido um aumento da oferta, então a conclusão lógica é que a renda aumentou muito mais que o aumento dos preços.

E os preços só aumentaram menos que a renda porque houve aumento da oferta, o que restringiu um pouco o aumento dos preços.

Feito esse básico exercício de lógica, façamos então a pergunta suprema, cuja resposta a tudo irá solucionar: o que realmente gerou esse aumento da demanda/renda da população, que fez também aumentar os preços?

Aquela variável presente em todas as transações

Para responder a essa pergunta, é necessário analisar o que houve com aquela variável que está presente em toda e qualquer transação econômica: o dinheiro.

Para isso, façamos um silogismo.

Primeira premissa: o dinheiro está presente em todas as transações econômicas (inclusive nas compras a crédito, que também envolvem a promessa de pagar dinheiro em uma data futura).

Segunda premissa: quanto mais dinheiro há na economia, mais as pessoas podem demandar bens e serviços com este dinheiro.

Terceira premissa: dado que o dinheiro está presente em todas as transações econômicas, e dado que quanto mais dinheiro há na economia mais as pessoas podem demandar, então, por definição, qualquer aumento na quantidade de dinheiro irá inevitavelmente provocar alterações naquele número mágico que baliza todas as transações e que tende a equilibrar oferta e demanda: os preços.

Logo, a conclusão é que qualquer investigação que aborde a questão da variação dos preços tem obrigatoriamente de levar em conta a variável dinheiro.

E tal conclusão é perfeitamente lógica: os preços de todos os bens e serviços de uma economia só podem aumentar de maneira continuada, sem que isso afete o consumo, se a quantidade de dinheiro em posse das pessoas também aumentar de maneira continuada.

Se o preço de um prato de comida em um restaurante a quilo saltou de R$ 6,50 para R$ 30 ao longo de duas décadas, ou se o preço de uma ida ao supermercado saltou de R$ 80 para R$ 400 e ainda assim o consumo não declinou (ao contrário, aumentou), então tal fenômeno só foi possível porque a quantidade de dinheiro em posse das pessoas (consumidores) aumentou.

Apenas imagine se todas as pessoas do país tivessem hoje a mesma quantidade de dinheiro que tinham em julho de 1994. (Lembra-se de quão raras eram as cédulas de 50 reais? As de 100 reais, então, eram praticamente peças de ficção). Apenas imagine que a quantidade de dinheiro que existia em julho de 1994 houvesse sido congelada e mantida imutável até hoje (março de 2017). Pergunta: haveria como ter essa cavalgada de preços? Haveria como os preços subirem mais de 5 vezes?

Se os preços quintuplicassem, mas a quantidade de dinheiro em posse das pessoas não se alterasse, então, por definição lógica, não haveria como ter consumo em massa. As pessoas gastariam tudo comprando alimentos para sobreviver e só. Não sobraria dinheiro para mais nada. Ninguém venderia roupas, carros, toalhas, sabonetes, televisores, computadores, notebooks, smartphones etc.

Logo, não haveria como os preços de todos estes itens também subirem. Ao contrário, aliás: estes preços teriam de cair para ao menos conseguir atrair algum consumidor. Para cada aumento nos preços dos alimentos teria de haver uma redução nos preços de todos os outros itens de consumo.

Vale enfatizar: se a quantidade de dinheiro na economia fosse fixa e imutável, seria impossível haver aumentos de preços generalizados. Se um setor aumentasse os preços, os outros teriam de diminuir. Caso contrário, ficariam sem consumidores.

Ou seja, com a quantidade de dinheiro fixa, não há como haver aumentos contínuos e generalizados de preços.

Consequentemente, o fato de que todos os preços subiram por um fator de 7, e ainda assim o consumo se manteve crescente, permite apenas uma conclusão: a quantidade de dinheiro em posse das pessoas aumentou. E muito.

E os preços só subiram tanto porque essa quantidade de dinheiro em posse das pessoas (demanda) aumentou.

O aumento da oferta monetária

Tendo entendido a lógica por trás da teoria, passemos à empiria.

Comecemos pela forma mais simples de dinheiro. O gráfico a seguir mostra a evolução da quantidade de cédulas de papel e de moedinhas metálicas na economia brasileira desde julho de 1994, com a criação do real. Todos os dados são do Banco Central.

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Gráfico 1: evolução da quantidade de papel-moeda em poder de pessoas e empresas (Fonte: Banco Central)

Observe que, em julho de 1994, havia R$ 5 bilhões em papel-moeda na economia. Em setembro de 2021, havia R$ 280 bilhões. Isso representa um aumento de 56 vezes, o que dá, em termos percentuais, um aumento médio de mais de 26% ao ano.

Passemos agora à segunda forma mais simples de dinheiro: os depósitos em conta-corrente, os quais podem ser sacados em dinheiro em caixas automáticos ou podem ser utilizados como meio de pagamento por meio de cheques e cartão de débito.

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Gráfico 2: evolução dos depósitos em conta-corrente (Fonte: Banco Central)

Observe que, em julho de 1994, havia aproximadamente R$ 10 bilhões em dinheiro depositado nas contas-correntes. Em setembro de 2021, havia aproximadamente R$ 335 bilhões. Isso representa um aumento de 33,5 vezes, o que dá, em termos percentuais, um aumento médio de 23% ao ano. (Mais abaixo comentarei sobre aquela brutal queda ocorrida a partir de 2015).

Podemos também analisar a evolução dos depósitos em caderneta da poupança.

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Gráfico 3: evolução dos depósitos em caderneta de poupança (Fonte: Banco Central)

Observe que, em julho de 1994, havia aproximadamente R$ 40 bilhões em dinheiro depositado nas cadernetas de poupança. Em setembro de 2021, havia aproximadamente R$ 1,04 trilhão. Isso representa um aumento de 26 vezes, o que dá, em termos percentuais, um aumento médio de 21% ao ano.

Para não aborrecer o leitor, irei poupá-lo da repetição deste mesmo processo para os depósitos a prazo e para todos os depósitos em fundos DI, fundos de renda fixa, fundos multimercado, fundos cambiais, fundos de ações etc. O raciocínio é idêntico. A taxa de crescimento é semelhante.

O que é realmente importante aqui é notar como a quantidade de dinheiro na economia aumentou vigorosamente nestes quase 23 anos de real. Ao passo que os preços (IPCA) praticamente se multiplicaram por 7, a quantidade de dinheiro na economia foi multiplicada por 33 (depósitos em conta-corrente), 26 (depósitos em caderneta da poupança) e 56 (papel-moeda em poder das pessoas e das empresas).

Este vigoroso aumento da quantidade de dinheiro na economia explica não só todo o contínuo aumento de preços ocorrido, como também o fato de que o consumo seguiu crescente mesmo com todo este aumento de preços. Com as pessoas tendo cada vez mais dinheiro em sua posse, e com essa quantidade de dinheiro aumentando mais rapidamente do que os preços, a demanda não se retraiu em decorrência do aumento de preços.

E por que os preços aumentaram menos que o aumento da quantidade de dinheiro? Por causa da oferta crescente de bens e serviços. Felizmente houve crescimento econômico durante este período, o que significa que empreendedores investiram e produziram cada vez mais, e assim aumentaram a oferta de bens e serviços disponíveis.

Fazendo uma matemática meio grosseira, mas ainda assim válida, podemos dizer que, se não tivesse havido nenhum crescimento econômico — ou seja, se a economia de hoje fosse exatamente a mesma de 1994 —, mas a quantidade de dinheiro houvesse crescido exatamente como visto acima, então os preços hoje seriam muito maiores. Provavelmente, o IPCA teria aumentado entre 26 e 56 vezes.

Quem aumenta a quantidade de dinheiro na economia?

Está completamente fora do escopo deste artigo explicar em detalhes como o dinheiro é criado e jogado na economia. Este Instituto possui vários artigos específicos sobre isso (recomendo esteeste e este).

Em nome da brevidade, podemos apenas dizer que todo o processo está sob o direto controle do Banco Central. É o Banco Central quem tem o monopólio de criar dinheiro, de repassar esse dinheiro ao sistema bancário, e de estimular os bancos a fazerem empréstimos para pessoas, empresas e governo.

Os bancos, por sua vez, literalmente multiplicam esse dinheiro recebido do Banco Central e o jogam na economia na forma de empréstimos para pessoas, empresas e governo. Mais especificamente, por meio de um processo complexo chamado de “reservas fracionadas“, o Banco Central possibilita que os bancos criem dinheiro eletrônico em cima do dinheiro (físico e eletrônico) que receberam do Banco Central e o emprestem para pessoas, empresas e governo. Os bancos, portanto, multiplicam o dinheiro recebido do Banco Central e jogam esse dinheiro na economia na forma de empréstimos.

Esse novo dinheiro criado pelo Banco Central e pelo sistema bancário será repassado a pessoas, empresas e governo na forma de empréstimos e, em seguida, será gasto por estas entidades, entrando permanentemente na corrente de gastos da economia, aumentando preços.

Assim, o Banco Central e o sistema bancário que ele controla acabam, na prática, “imprimindo” dinheiro e jogando esse dinheiro na economia na forma de empréstimos. É assim que o dinheiro entra na economia, e majoritariamente na forma de dígitos eletrônicos. São esses dígitos que estão nas nossas contas bancárias, seja na conta-corrente, seja na conta-poupança, seja nos depósitos a prazo ou nos fundos de investimento.

Todo o processo de expansão de crédito, portanto, nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia. Quando os bancos emprestam para pessoas, empresas ou governo, a quantidade de dinheiro na economia aumenta. Se a concessão de empréstimos ocorrer a um ritmo maior que a quitação destes empréstimos, a quantidade de dinheiro na economia aumentará continuamente. Caso as quitações sejam maiores que as concessões, a quantidade de dinheiro na economia irá diminuir.

Portanto, respondendo à pergunta do título desta seção, quem aumenta a quantidade de dinheiro na economia é o sistema bancário em conjunto com o Banco Central. Porém, e essa é a conclusão mais importante, quem dá toda a sustentação ao processo — quem literalmente cria dinheiro do nada e repassa esse dinheiro aos bancos, permitindo que eles então expandam o crédito continuamente — é o Banco Central.

Não houvesse um Banco Central com o poder de imprimir dinheiro infinitamente — e o Banco Central realmente pode imprimir dinheiro o quanto quiser —, os bancos não poderiam emprestar continuamente a pessoas, empresas e governo. Consequentemente, a quantidade de dinheiro na economia teria um crescimento extremamente limitado.

Para finalizar esta seção, eis o gráfico da evolução da base monetária, que representa todo o dinheiro criado pelo Banco Central e entregue ao sistema bancário. Trata-se de uma variável que está totalmente sob o controle do Banco Central. É sobre a base monetária que todo o sistema bancário, coordenado e protegido pelo Banco Central, irá criar mais dinheiro eletrônico (via expansão do crédito), expandindo a quantidade total de dinheiro na economia. É a criação da base monetária o que dá sustento a todo o aumento da quantidade de dinheiro na economia.

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Gráfico 4: evolução da base monetária (Fonte: Banco Central)

Observe que, em julho de 1994, a base monetária era de aproximadamente R$ 10 bilhões. Em setembro de 2021, a base monetária já estava em R$ 410 bilhões. Isso representa um aumento de 41 vezes, o que dá, em termos percentuais, um aumento médio de 24% ao ano.

Eis aí, portanto, a verdadeira raiz de toda a inflação de preços.

A definição correta de inflação

A definição correta de inflação é “aumento da oferta monetária” ou “aumento da quantidade de dinheiro na economia”.

O próprio termo ‘inflação’ denota que a quantidade de dinheiro na economia foi ‘inflada’. Quando a quantidade de dinheiro na economia aumenta, isso, por si só, já é uma ‘inflação’.

É essa inflação da oferta monetária o que pressiona os preços para cima. Quando a quantidade de dinheiro na economia aumenta, o valor de cada unidade monetária diminui. A moeda perde poder de compra. Se a moeda perde poder de compra, então, por definição, você precisará de mais moeda para comprar o mesmo tanto de antes.

Portanto, eis a conclusão crucial: o aumento de preços é uma consequência da inflação monetária. Inflação não é sinônimo de aumento de preços. O aumento de preços é uma consequência da inflação.

E isso não é uma mera pendenga semântica. É algo muito sério. Se você não define exatamente qual é o problema, você não tem a menor chance de resolvê-lo corretamente. Se inflação é “aumento de preços”, então a solução para este problema não tem nada a ver com a quantidade de dinheiro na economia, mas sim com coibir o comportamento “maldoso” de empresários, que insistem em elevar seus preços sem nenhum motivo, levados apenas pela ganância. Se inflação é “aumento de preços”, então a solução para este problema pode perfeitamente ser o congelamento de preços ou a imposição de um teto para os preços de qualquer bem.

Saber a diferença entre inflação e aumento de preços é tão importante quanto compreender corretamente as causas de uma doença. É a diferença entre saber o que causa todos os sintomas desta doença (e o que deve ser feito para eliminar a fonte dos sintomas) versus tentar atacar apenas os sintomas.

Definir inflação como aumento de preços é o mesmo que pensar que ‘doença’ significa um aumento da temperatura do corpo apontada pelo termômetro, o que implicaria que a solução seria simplesmente colocar o termômetro na geladeira.

O vácuo do debate

É apenas quando se entende tudo isso, que você finalmente percebe como são vazios e desnecessários alguns debates que, com frequência, invadem a mídia e o mundo acadêmico. Na ânsia de querer explicar um fenômeno pontual e passageiro, teses esquisitas — algumas bizarras — são criadas e propagadas aos montes.

No início de 2016, com a economia em recessão, juros altos e o IPCA em 10%, ganhou força uma tese de que o Brasil estaria vivenciando uma “dominância fiscal“. Segundo essa teoria, a carestia continuaria alta enquanto o governo continuasse apresentando déficits orçamentários e endividamento crescente. Enquanto os déficits não fossem zerados e a dívida não começasse a cair, o IPCA não só jamais cairia como subiria cada vez mais aceleradamente.

Pois bem. O tempo passou, os déficits e o endividamento do governo só pioraram e, no entanto, o IPCA caiu de 10,71% para 2,7% ao fim de 2017, o menor nível desde a adoção do câmbio flutuante, em 1999. Pela tese da “dominância fiscal”, isso jamais poderia ocorrer.

Atualmente (novembro de 2021), com a nova disparada do IPCA, esta tese ressurgiu das cinzas. Mas, ora, basta visualizar os gráficos 1, 2 e 3 para entender que a causa da disparada atual do IPCA é simplesmente o fato de a oferta monetária ter aumentado impressionantes 50% em um período de 12 meses — consequência do Orçamento de Guerra adotado em resposta à Covid-19). 

Essa explosão na oferta monetária pressionou os preços de todos os bens e serviços, inclusive e principalmente o câmbio (o dólar é um bem como qualquer outro).

Realmente, não há nada de atípico na atual carestia. É apenas a consequência da expansão monetária, como a teoria sempre explicitou.

Logo, como diria Paulo Francis, a tese da dominância fiscal é mais uma que “despontou para o anonimato”.

Outra tese esdrúxula também surgiu recentemente [2017] e foi aventada por André Lara Resende, um dos criadores do real. Segundo ele, a inflação estaria alta porque a SELIC está muito alta. Apenas se a SELIC fosse diminuída para algo próximo de zero — sim, ele falou isso — é que o IPCA começaria a cair. 

Esta, sinceramente, dispensa comentários. Desde a publicação do artigo de Lara Resende (em janeiro de 2017), o IPCA alcançou sua menor taxa (2,7%) quando a  SELIC estava em 9,25%. Desde então, a SELIC caiu para 2% e o IPCA voltou a subir (na verdade, disparar).

O gráfico abaixo desenha a relação direta entre SELIC e IPCA. A linha azul é a SELIC e linha vermelha é o IPCA. O gráfico está em média móvel de 12 meses.

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Gráfico 5: evolução mensal da SELIC (linha azul) versus evolução mensal do IPCA (linha vermelha). Fonte: Banco Central

Sempre que a SELIC (linha azul) está subindo e alcança um ápice, a linha azul (IPCA) passa a cair. E vice-versa.

Dado que a SELIC afeta a quantidade de dinheiro na economia, então é óbvio que alterações na SELIC irão alterar o comportamento do IPCA.

Por fim, quem também surpreendentemente entrou no clima foi a competente dupla Marcos Lisboa e Samuel Pessoa. Em artigo para o Valor, a dupla comprou a tese de que empresários podem gerar aumentos contínuos de preços: basta que suas expectativas sejam a de que a inflação de preços irá se acelerar no futuro. Ato contínuo, os empresários saem remarcando preços e, voilà!, a economia entra em uma espiral de aumento acelerado de preços e nada mais segura.

Qual o erro em comum destas três teorias? Elas aparentemente foram criadas ad hoc para tentar explicar um fenômeno — preços em forte ascensão em um cenário de juros altos e de forte recessão — que era pontual, passageiro e de causas bem definidas.

Para entender por que todos esses economistas estão errados e onde erraram, basta voltar ao gráfico 2:

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Gráfico 2: evolução dos depósitos em conta-corrente (Fonte: Banco Central)

O gráfico mostra a evolução da quantidade de dinheiro nas contas-correntes dos bancos. Essa modalidade é importante porque mostra a quantidade de dinheiro prontamente disponível para empresas e pessoas consumirem e investirem. Como se trata de uma aplicação que não paga juros, o dinheiro em conta-corrente representa aquele dinheiro que está sendo continuamente transacionado na economia. 

Quando essa quantidade de dinheiro está crescendo, isso significa que as empresas estão com mais capital de giro e com mais dinheiro disponível para investir e ampliar sua capacidade produtiva, e as pessoas estão com mais dinheiro pronto para ser gasto em consumo. Já quando a quantidade de dinheiro está diminuindo, isso significa que as pessoas e empresas estão retirando dinheiro da conta-corrente e aplicando em outras modalidades, como CDB, LCI, LCA, fundos de investimento e títulos do Tesouro, para se aproveitar dos juros. Ou seja, as empresas não estão dispostas a investir na economia e as pessoas não estão dispostas a gastar.

Repare que, quando a SELIC aumenta (2003, 2005, 2008, 2011, 2014 e 2015), a quantidade de dinheiro em conta-corrente pára de crescer. Isso porque as pessoas e empresas retiram o dinheiro dali e aplicam em papéis que rendem juros. E também porque empréstimos passam a ser quitados a um volume maior do que concedidos. E quando a SELIC cai (2004, 2006, 2007, 2009, 2012 e de 2017 a 2020) as empresas e pessoas voltam a pedir empréstimos e a consumir.

Repare também que, em 2014, a quantidade de dinheiro em conta-corrente pára de crescer e, em 2015, entra em queda livre. Em 2016, a queda continuou. Como a SELIC estava subindo desde abril de 2013, deixar dinheiro na conta-corrente representava um crescente custo de oportunidade. Igualmente, pedir empréstimos a juros crescentes também não era sensato. Essa combinação gerou uma forte contração monetária. A magnitude desta contração foi inédita na história do real. 

E é ela quem explica a forte desaceleração do IPCA em 2017 e em 2018

Ou seja, no fim, é a oferta monetária quem comanda. Coisas como “dominância fiscal” (Monica de Bolle), “SELIC a 1%” (André Lara Resende), “expectativas inflacionárias que aumentam preços continuamente” (Marcos Lisboa e Samuel Pessoa) simplesmente perdem qualquer relevância quando a economia vivencia uma contração monetária

Havendo contração monetária, não há como preços subirem aceleradamente e indefinidamente. Se empresários continuamente aumentarem preços em um cenário de contração monetária — como o atual — simplesmente não haverá ninguém com dinheiro para consumir seus produtos (daí as seguidas quedas nas vendas no varejo).

Sim, é verdade que pode haver remarcações de preços durante uma contração monetária (e foi isso o que ocorreu no Brasil em 2015 e 2016). Mas o ponto é que tal prática simplesmente não tem como perdurar caso a contração monetária se mantenha. E foi por ignorar isso que os economistas supracitados cometeram os erros, criando teorias ad hoc.

Meu colega de trabalho Fernando Ulrich foi quem resumiu perfeitamente a sequência: as expectativas de inflação sobem por causa da dominância fiscal; empresários aumentam seus preços; mas está havendo contração monetária. Consequentemente, empresários não conseguem vender; os estoques se avolumam; eles são obrigados a baixar os preços (ou a parar de aumentá-los). Os índices de preços entram em queda (ou ficam estáveis). Fim do processo de aumento acelerado de preços.

De novo: não há expectativa de inflação e não há dominância fiscal que perdurem caso a oferta monetária não esteja crescendo (e menos ainda se ela estiver se contraindo).

Conclusão (e uma previsão)

Preços aumentam continuamente porque a oferta monetária aumenta. Ponto.

A intensidade do aumento dos preços varia de ano para ano. Há anos em que eles sobem com mais intensidade e há anos que eles sobem pouco. Isso vai depender de condições pontuais, como câmbio e gastos do governo. No longo prazo, porém, preços (inclusive salários) são determinados pela evolução da quantidade de dinheiro na economia.

Uma das causas do prolongamento da atual recessão [2015-2016] é que está havendo uma combinação entre menos dinheiro na economia e um forte aumento de preços (inclusive do salário mínimo) ocorrido entre 2014 e 2016, majoritariamente causado pela liberação dos preços que estavam represados pelo governo e pela desvalorização cambial daquele período. Isso gerou, além da explosão do desemprego, toda essa queda na renda real que a população está sentindo. 

Em termos práticos, há hoje [março de 2017] nas contas-correntes a mesma quantidade de dinheiro que havia no início de 2010. Só que todos os preços estão muito maiores. Daí a sensação (real) de queda na qualidade de vida das pessoas, principalmente dos mais pobres (que são os que mais guardam dinheiro em espécie em casa ou deixam parado na conta-corrente). Há menos dinheiro tendo de lidar com preços mais altos.

Mas a atual [2017] contração monetária garante que, no curto prazo [2017 e 2018], não há espaço para surtos de carestia — a menos, é claro, que mais dinheiro volte a ser bombeado para a economia.

[Acréscimo em 2021com a queda da Selic a partir de 2017, a quantidade de dinheiro voltou a subir. A com a intensificação da queda da Selic a partir de 2020, a quantidade de dinheiro disparou, levando à atual carestia.

De novo: não se trata de “dominância fiscal” ou demais heterodoxias. É simplesmente a oferta monetária.

Se houver uma contração da quantidade de dinheiro em 2022, que é o que o gráfico aponta, a tendência seria de arrefecimento do IPCA. Entretanto, considerando que a quantidade de dinheiro subiu muito e em pouco tempo, ainda há espaço para o IPCA seguir crescendo.] Para finalizar: volte àqueles preços de 1994 e compare com os de hoje. O que causou todo este aumento: dominância fiscal? SELIC alta? Expectativas? Ou um aumento de 6.000% na oferta monetária?
Sim, é a inflação monetária o que gera um aumento prolongado de preços. Sempre.

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Por Leandro Roque

Publicado em: cutt.ly/dTUuuR8

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