Estamos em pleno século 21 e questões de saúde envolvendo a anatomia humana deveriam ser encaradas com naturalidade. Nesta semana, no entanto, ocorreu algo que mostra justamente o contrário. Uma campanha do governo sobre a importância da higienização do pênis foi cancelada em São Paulo depois de protestos do deputado estadual Tenente Nascimento na Assembleia Legislativa. O deputado, que é evangélico, disse que o material era uma “afronta à família cristã”. Ele ainda publicou no Twitter que “é fundamental que o governo informe a população sobre prevenção em saúde, porém é necessário que haja pudor na forma como isso é comunicado”.
A campanha, intitulada “lave o dito cujo”, não é nova. Está no ar desde 2019 e tem como objetivo evitar que a falta de higiene na região genital masculina crie um ambiente propício para outras doenças mais graves. Foi a primeira vez, no entanto, que protestos em nome do puritanismo levaram essa iniciativa ao cancelamento.
É interessante a trajetória do conservadorismo no país. Durante muito tempo, os conservadores submergiram e ficaram em silêncio. Neste ínterim, filmes com pornochanchadas nacionais eram exibidos no sábado à noite na programação dos anos 1980 da TV Record (antes que a Igreja Universal comprasse a emissora). A nudez era algo que se via com facilidade nos domingos à tarde, em programas como “Banheira do Gugu”. Vinhetas de Carnaval na TV Globo apresentavam uma moça nua sambando e mesmo aberturas de novela tinham como ponto alto mulheres com seios de fora (“Tieta” e “Pantanal”). Em tese, um prato cheio para reclamações de puritanos. Mas, naquela época, poucas vozes críticas foram ouvidas.
Nos últimos anos, porém, viu-se uma onda de comportamento conservador que ganhou força no país. Se uma peça publicitária voltada para a saúde cria um fuzuê desses, imagine-se o que poderia ocorrer se, em pleno horário nobre, uma moça aparecesse nua diariamente. Seria um Deus nos acuda.
Conservadorismo, no entanto, não é necessariamente puritanismo. E muitos dos que defendem a moral e os bons costumes em público se comportam de forma diferente em ambientes privados, em uma demonstração explícita de hipocrisia.
De qualquer modo, o conservadorismo, como o próprio nome sugere, não evolui. Hoje, os conservadores de plantão defendem as mesmas bandeiras da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em 19 de março de 1964, que reuniu entre 300 000 e 500 000 manifestantes (um número enorme para a época). Seus participantes estavam preocupados em combater o comunismo e a imoralidade – exatamente como os conservadores de hoje.
Do ponto de vista político, temer o comunismo é algo quase que risível. Desde a queda do Muro de Berlim, a ideologia de Karl Marx se desmilinguiu e os países comunistas foram se convertendo, um a um, ao capitalismo (a China, contudo, ficou no meio do caminho e hoje ostenta um sistema econômico que mescla empresas privadas e o controle férreo do Estado sobre sua sociedade). Cuba ainda é uma exceção à regra, fadada a uma pobreza indigente e uma economia estagnada há décadas.
Quase todos os cidadãos que passam da marca dos cinquenta anos de idade, como é meu caso, se tornam mais conservadores. Mas isso não torna todos a população mais velha inflexível e refratária às mudanças da sociedade. O problema de alguns conservadores é que eles ouvem suas lideranças sem nenhum pingo de contestação ou questionamento. Pensar sobre valores e conceitos que parecem ter sido escritos na pedra, porém, não é uma manifestação de esquerdismo ou de libertinagem. É apenas o exercício da liberdade de pensamento e de expressão. E, antes de mais nada, reconhecer que o mundo mudou e que os costumes evoluíram.
Lutar contra o mundo moderno não é ser conservador e sim ser reacionário. Todos reacionários são conservadores; mas nem todos conservadores são reacionários.