Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) – A medida provisória sobre a privatização da Eletrobras pode empurrar para os consumidores de energia uma conta de mais de 2 bilhões de reais que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vinha tentando cobrar da distribuidora da estatal no Amazonas, alertou o presidente de uma associação que representa grandes indústrias.
A MP 814/17, aprovada em comissão mista do Congresso nesta quarta-feira, recebeu emendas e passou a autorizar que um encargo cobrado nas contas de luz assuma também os custos necessários ao pagamento das despesas do gasoduto Urucu-Coari-Manaus, da Petrobras, que não vinha tendo toda a capacidade utilizada.
A proposta pode favorecer eventualmente a privatização da distribuidora da Eletrobras no Amazonas, que contratou uma quantidade de gás e um uso do gasoduto maiores que a capacidade de geração de energia na região, mas vai contra iniciativas da Aneel.
A agência reguladora tem defendido que a subsidiária da estatal devolva recursos que recebeu de um fundo setorial entre 2009 e 2016 para custear a geração de energia com gás recebido do gasoduto.
Em um ofício enviado em meados de abril ao relator da MP, deputado Julio Lopes (PP-RJ), o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, argumentou que a emenda que autoriza o repasse do custo às tarifas não deveria ser aprovada.
“O consumidor não deve arcar com custos que não estejam relacionados com a prestação do serviço de energia elétrica… se um agente faz um contrato privado para aquisição de gás natural em quantidade que excede o potencial de geração de energia para atendimento aos consumidores, a perda deve ser do acionista”, defendeu.
O presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Edvaldo Santana, que já foi diretor da Aneel, disse que se a MP for aprovada no Congresso e pelo presidente Temer como está, será uma derrota para a agência reguladora e para os consumidores.
“O gasoduto só é utilizado pela metade, e a emenda aprovada autoriza transferir todo o custo, mesmo que não seja totalmente utilizado… a Aneel perdeu a batalha, isso vai repassar custos bilionários para o consumidor”, afirmou.
O assunto chegou a ser alvo de discussão administrativa na Aneel e na Justiça, onde Rufino destacou que uma decisão recente deu razão à agência e estabeleceu que os valores do contrato de gás natural sem geração de energia associada não poderiam ser repassados aos consumidores.
Procurada, a Eletrobras disse que não iria comentar o assunto porque a MP ainda não teve a votação concluída e nem foi submetida à sanção presidencial. O Ministério de Minas e Energia não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
PRIVATIZAÇÃO
A solução para os passivos da Eletrobras Amazonas por meio do repasse os consumidores do passivo em discussão com a Aneel poderia ajudar a aumentar o interesse de investidores pela privatização da companhia.
O governo federal e a Eletrobras têm prometido realizar até o final de julho um leilão para privatizar a Eletrobras Amazonas e outras cinco distribuidoras da companhia que operam no Norte e Nordeste e são fortemente deficitárias.
A venda das distribuidoras, por sua vez, é vista como essencial para permitir a posterior privatização da própria Eletrobras, que o governo do presidente Michel Temer quer concluir ainda neste ano.
Mas Santana, da Abrace, que tem defendido publicamente a privatização como solução para as dificuldades financeiras e o uso político da Eletrobras, afirma que não é correto viabilizar o negócio às custas dos consumidores.
“Eu já me manifestei até em artigo assinado como favorável à privatização. Mas para vir assim, de uma forma tumultuada, é melhor esperar um pouco mais… talvez seja mais prudente deixar mais para a frente. Acho que daria, sim, para privatizar sem fazer toda essa ‘ginástica'”, argumentou.
A emenda sobre os custos do gasoduto é do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ). Na justificativa para a proposta, ele disse que a medida irá garantir “um fluxo estável de recursos para os empreendedores do gasoduto” –no caso, a Petrobras, além de garantir a segurança energética no Amazonas.
A Petrobras anunciou no final de abril um acordo com a Eletrobras referente a 17 bilhões de reais, dos 20 bilhões de reais em dívidas cobradas junto à elétrica. Na ocasião, a petroleira disse que permanecia em discussão uma dívida de 3 bilhões de reais da Amazonas Energia “em virtude do fornecimento de gás natural no âmbito do Estado do Amazonas”.