Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) – Os moinhos de trigo do Brasil avaliam compras do cereal de origens de fora do Mercosul, incluindo EUA e até Rússia, diante de uma escassez no mercado brasileiro e da crise na Argentina, que leva agricultores a segurar vendas do produto na expectativa de maiores ganhos, afirmou o presidente do grupo da indústria Abitrigo.
A Argentina, que normalmente supre a maior parte da necessidade de importação do Brasil, teve uma safra relativamente grande do cereal, de 18 milhões de toneladas em 2017/18, segundo dados do governo dos EUA (USDA).
Mas o país vendeu muito para outros destinos que não o Brasil, e desde que a crise se acentuou os argentinos passaram a adiar vendas na esperança de ganhar mais com a escalada do dólar frente ao peso.
Um maior interesse por compras de fora da Argentina por parte do Brasil, um dos maiores importadores globais de trigo, teria potencial de dar sustentação aos preços da commodity no mercado internacional, que atingiram um pico de quase três anos no início de maio na bolsa de Chicago.
“Tem uma escassez geral, a Abitrigo está preocupada com a situação do mercado… até o final do ano vai ter essa situação, a gente avalia que há ameaça de desabastecimento, e por isso estamos examinando algumas medidas aqui”, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o embaixador Rubens Barbosa, lembrando que os preços do cereal no mercado interno subiram 25 por cento nos últimos 60 dias, com alta ainda maior na Argentina.
O Brasil está na entressafra de trigo, plantando a nova safra, após ter sofrido perdas consideráveis no ano passado. A nova safra brasileira só estará pronta para uso, após ser colhida, no final de setembro, enquanto a Argentina, também na entressafra, só terá trigo novo em dezembro.
Questionado se os moinhos brasileiros não poderiam ter se precavido, comprando mais trigo da Argentina anteriormente, Barbosa comentou que a situação econômica lá está problemática desde o começo do ano, o que limitou os negócios.
“A Argentina está vivendo essa dificuldade cambial, com a desvalorização do peso, inflação, desde de janeiro, isso afetou os negócios, aqueles que produzem seguraram o trigo para obter mais recursos, quanto mais valorizar o dólar, mais eles ganham (em pesos), foi um problema conjuntural que complicou a situação aqui”, disse.
O peso argentino estava cotado nesta quinta-feira perto de uma mínima de 23,5 unidades por dólar, apesar das medidas de maior aperto fiscal e do aumento da taxa de juros para 40 por cento.
De acordo com Barbosa, a Argentina teria apenas 3,5 milhões de toneladas para ofertar ao Brasil neste ano, sendo que o país já importou de janeiro a março 1,5 milhão de toneladas do vizinho, segundo dados oficiais.
O volume disponível seria suficiente para atender apenas cerca de 50 por cento das necessidades de importação do Brasil, cujas compras externas foram estimadas nesta quinta-feira pelo governo em 6,5 milhões de toneladas.
O analista sênior da consultoria T&F Agroeconômica, Luiz Carlos Pacheco, confirmou que a Argentina não terá trigo suficiente para atender o Brasil e poderia até ter problema para suprir o próprio consumo.
“O Brasil só tomou cerca de 2 milhões de toneladas (no ano), o Brasil deveria ter tomado mais, eles venderam muito para outros países, houve frustração das safras no hemisfério norte, e a alternativa para quem precisa de trigo ‘hard’ (duro) foi a Argentina e a Austrália”, comentou Pacheco.
ALTERNATIVAS
Barbosa, da Abitrigo, comentou ainda que a produção em outros países da região, como Paraguai e Uruguai, também não será suficiente para atender o Brasil.
Dessa forma, não haverá outra alternativa a não ser buscar outras origens para o trigo, que pagam tarifa de 10 por cento, não cobrada dentro do bloco econômico do Mercosul.
“A alternativa é importar o trigo de outras partes… o trigo americano e o trigo russo. O americano é conhecido, adequado e tem disponibilidade”, comentou ele.
Essa poderia ser uma oportunidade, também, para o trigo russo ingressar finalmente no mercado brasileiro, após avanços na regulação fitossanitária para permitir a compra do produto da Rússia, maior exportador global do grão.
O presidente da Abitrigo comentou que a entidade recebeu uma carta da câmara de comércio da Rússia, que quer apresentar o produto ao setor. “O trigo russo tem um preço inferior ao argentino… os russos querem conversar… mas tem questões de armazenamento para serem cumpridas”, disse ele, comentando sobre um item das normas fitossanitárias.
Barbosa também disse que já entrou em contato com o Ministério da Agricultura para pedir esforços do governo para a implantação de uma cota permanente de importação sem tarifa, de origens de fora do Mercosul, para 750 mil toneladas ao ano.
As medidas avaliadas pelo setor visam limitar uma alta nos custos da farinha de trigo. “Subindo o preço do trigo, vai subir o preço da farinha, e isso vai ser repassado”, afirmou ele.
O dirigente, no entanto, admitiu que o setor pode ter alguma dificuldade de repasse de custos, considerando a economia brasileira, ainda em recuperação. “O consumo não está crescendo muito, tanto de massas, pães… mas normalmente esse preço é repassado, se não passar tudo, pode passar uma parte.”
(Por Roberto Samora)