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Por que funcionários públicos não deveriam receber aumentos reais

Nem é o lado econômico. Acima de tudo, são questões de moral, de ética e de lógica

De 2003 a 2018, os funcionários públicos tiveram aumentos salariais reais de 53%. Ou seja, os salários nominais subiram 53% acima da inflação de preços acumulada no período. O rendimento médio mensal na iniciativa privada é de R$ 1,96 mil. Já o do funcionalismo federal chega a R$ 11,84 mil. (Fonte).

Ainda segundo este estudo do Ministério da Economia:

Houve um crescimento de 34% no número de funcionários ativos do Poder Executivo de 2003 a 2018, de 532 mil para 712 mil. Ao mesmo tempo, os servidores tiveram um ganho real (acima da inflação) de 53%, em média, nos salários no mesmo período, com impacto perverso nas contas públicas.

A média, porém, mascara os benefícios polpudos recebidos em certas carreiras e cargos. Segundo o estudo, o aumento real superou os 200% em várias funções e houve um caso em que o salto alcançou 311% em termos reais. 

Mesmo assim, é recorrente lermos notícias do tipo “sindicatos de servidores exigem reposições (aumentos) reais nos vencimentos”. Recentemente, li uma notícia que me chamou muito a atenção: um sindicato de servidores do executivo pedia um aumento de cerca de 40% de salário e uma redução da jornada de trabalho de 8 horas diárias para 6 horas diárias. Embora um tanto quanto exigente demais, pedidos como esses vindos de sindicatos de funcionários públicos não são nada incomuns. E, em muitas das vezes, o governo cede às pressões.

Estabilidade permite pressão

Em tese, a estabilidade no serviço público existe para proteger os funcionários de pressões externas no exercício de suas funções. Sendo assim, o funcionário pode desempenhar seu papel com a garantia de que, caso seus atos desagradem alguém, esse alguém não conseguirá tirá-lo do serviço ou sofrer ameaças. Seria uma espécie de separação entre estado e governo; uma garantia de que, com uma mudança de governo, não haverá mudança de servidores, de modo que o serviço poderá ser exercido de forma contínua, o que traria benefícios à administração pública.

Muito embora nem todos os funcionários públicos desempenhem funções que necessitam dessa proteção, vamos deixar este assunto para outra oportunidade.

Quanto à forma de entrada, ela acontece por meio de concursos públicos.

Hely Lopes Meirelles pontua o seguinte sobre o assunto:

O concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.

Mas o que vem acontecendo nos últimos anos, como comprova a notícia do início deste artigo, é que os funcionários públicos utilizam dessa própria estabilidade para pressionar o governo por aumentos em suas remunerações, bem como por maiores benefícios.

No mercado de trabalho normal, para um empregado ter um aumento real em sua remuneração ele tem de produzir mais valor para seu empregador para justificar esse aumento. É de se imaginar que a mesma lógica deveria ser aplicada ao serviço público, mas isso é impossível de ocorrer, pois é impossível mensurar a produtividade e a criação de valor de um funcionário público.

No entanto, isso ainda é o de menos. O problema é outro. E bem maior.

Por que pedir aumentos reais atenta contra a lógica

Em um arranjo econômico minimamente ético e moral, os servidores não poderiam ter um aumento real, pois, para começar, entraram voluntariamente via concurso público — ou seja, aceitaram voluntariamente o valor inicial acordado — e possuem um privilégio unilateral, que é o da estabilidade no emprego.

Mas, com as pressões por aumentos salariais reais, na prática o que ocorre é que o estado se compromete a nunca demitir esse funcionário, mas o funcionário não se compromete a fornecer seu trabalho pelo valor previamente acordado.

Vamos imaginar o seguinte cenário: uma empresa oferece dez mil reais de salário para contratar um bom advogado. Vários profissionais interessados na vaga irão enviar seus currículos, e a empresa contratará, a princípio, o melhor funcionário com base em todos os currículos enviados.

Mas vários profissionais não terão interesse nesta vaga, pois acreditam que a remuneração oferecida não é interessante, dentre outros fatores.

Assim, após a contratação do novo advogado, ele deverá desempenhar um que justifique essa remuneração; caso contrário, será demitido e a empresa procurará outro profissional.

Se acontecer de muitos advogados, com produtividade parecida a este que foi contratado, continuarem interessados em trabalhar, mas por um salário menor — de, por exemplo, oito mil reais —, eles farão pressão para ocuparem o lugar do novo advogado.

O advogado, tendo ciência disso, sequer tentará pedir por um aumento real.

Já no serviço público, por outro lado, as coisas funcionam de uma forma um tanto quanto diferente.

Suponha que a administração pública queira contratar um novo advogado e abra um concurso público para o preenchimento de uma vaga. É divulgado o concurso e, em vez de análises curriculares e processos seletivos, é realizado um concurso com base em provas e títulos, no qual a intenção é encontrar o melhor candidato ou o que melhor se saiu na prova.

Vamos presumir que quem foi aprovado seja de fato o melhor advogado. Ato contínuo, após a realização do concurso, é feita uma espécie de contrato no qual a administração compromete-se a pagar a remuneração oferecida no edital de abertura do concurso e a nunca demiti-lo, a não ser que cometa infração grave prevista em lei.

Da mesma forma que no mercado privado, vários outros advogados não tiveram interesse por esta vaga por acreditarem que, devido à remuneração ofertada, o concurso público, a preparação e o cargo não compensavam o esforço.

A administração pública, portanto, fica obrigada a manter esse advogado para sempre em seu quadro de servidores e, para isso, ela espera ter feito a melhor contratação possível com base no salário ofertado e nos interessados (vamos presumir que as provas de fato escolham o melhor advogado dentre todos os concorrentes e que o advogado mantenha a sua produtividade).

Tendo este cenário, o que acontecerá quando esse funcionário público, já estável no serviço público, obtém um aumento real de seu salário, o qual veio por meio de uma pressão por parte dos sindicatos?

Acontece o óbvio: os pagadores de impostos foram prejudicados. Se a remuneração do cargo subiu de 10 mil reais para 14 mil reais, então, na época do concurso público, a administração pública saiu no prejuízo, pois contratou um advogado de 10 mil reais pelo preço de 14 mil reais. Outros advogados melhores, que poderiam ficar interessados pelo subsídio de 14 mil reais, não prestaram o concurso ou não assumiram, e, por consequência, não compõem o quadro de servidores.

Poderíamos pensar também que um mesmo advogado possa ter prestado dois concursos diferentes, um com uma remuneração de 10 mil reais e outro com a remuneração de 12 mil reais, logrando êxito nos dois certames, tendo então preferido assumir o cargo que pagaria os doze mil reais. Os pagadores de impostos, neste caso, também saíram no prejuízo, pois está tendo de bancar um funcionário público que está hoje recebendo mais do que realmente provou ser capaz de produzir frente aos outros candidatos na época do concurso público.

Ou seja, os pagadores de impostos foram prejudicados em qualquer cenário, pois não têm o mercado de trabalho e a concorrência para lhe protegerem.

A conclusão é que os funcionários públicos, ao passarem pelo processo de seleção, adquirem um benefício que não existe de nenhuma outra maneira em nenhum outro tipo de relação, seja ela trabalhista ou comercial, que é o de ter a garantia da estabilidade de seu cargo e a remuneração desconectada de sua real produção.

Isso, obviamente, deixa seu empregador — os pagadores de impostos — em uma posição desfavorável, refém financeiramente dos próprios funcionários que fazem pressões contínuas por aumentos reais sem contrapartida produtiva. O governo cede a essas pressões aumentando benefícios e remunerações que hoje equivalem a 13% do PIB (em todas as esferas de governo), o que, obviamente, se reflete na carga tributária.

Conclusão

Mesmo na mais benéfica e otimista das hipóteses – a saber, que os funcionários públicos são realmente pessoas trabalhadoras, dedicadas e que se importam com o bem do povo —, a ideia de exigir aumentos reais não apenas não se sustenta sob nenhuma lógica, como ainda é antiética e imoral.

Já no mundo real tudo é ainda pior, e temos o seguinte cenário: pouca eficiência por parte da máquina pública no oferecimento dos serviços públicos, salários muito acima do real valor de mercado, constantes aumentos, privilégios nababescos e emprego garantido até o fim da vida para essas pessoas.

E tudo isso bancado por nós, os pagadores de impostos, que compulsoriamente temos de arcar com todo esse atual arranjo de receber serviços públicos ruins pagando cada vez mais caro.

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Por Saulo H. E. Fernandes

Publicado anteriormente em: https://cutt.ly/dU15Rp2

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