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“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”

A vida atual nos coloca diante de situações que vão endurecendo nossas almas

“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”. Esta frase, escrita pelo filósofo existencialista Jean-Paul Sartre (imagem, com Simone de Beauvoir no Rio de Janeiro em 1960) no livro “O Ser e o Nada”, poderia ter sido cunhada nestes primeiros dias de 2022 (o texto é de 1943). Esta obra, que versa sobre a existência, a angústia e a liberdade, foi produzida em tempos turbulentos. Embora não estejamos em meio a uma guerra, como em 1943, convivemos com grandes doses de turbulência nos dias de hoje – e, além do mais, estamos ficando emocional e racionalmente calejados diante de um mundo que produz situações vexatórias diariamente.

Há uma insatisfação perene nas pessoas. Alguns se incomodam com a decadência de certos valores morais. Outros se revoltam com a intransigência de quem não consegue enxergar os novos tempos e suas mudanças. Uns protestam contra a injustiça social do capitalismo. Do outro lado, com igual força, há quem brade contra a falta de liberdade do comunismo.

A vida em constante conflito

Dos costumes à política, passando pela economia e pelas questões sanitárias, vivemos em constante conflito. E, como estamos vivendo um momento de transição, a impressão que se tem é que a humanidade está dividida em dois grandes grupos, que se desentendem bastante (mesmo assim, temos pessoas que pensam diferente: haveria uma minoria contra uma maioria – só que a minoria seria bastante barulhenta, ao contrário da maioria. Entretanto, dependendo do interlocutor, a minoria de um é a maioria de outro).

Nesta sociedade dividida, estamos acostumados a partir para o confronto. Discordar e lacrar virou o grande esporte nacional. Mas ficamos na maioria das vezes na superfície das discussões, sem mergulhar fundo dos temas que podem mudar nossa sociedade. E talvez fiquemos na superficialidade porque não acreditamos mais que seja possível conversar de forma civilizada com aqueles com os quais discordamos.

Para piorar, a alma calejada vai retirando a indignação de nossos corações. Faz com que nos acostumemos com a escrotidão alheia – e, novamente, o conceito de “escrotidão” varia muito de pessoa para pessoa. Estamos vivendo uma época que provavelmente foi prevista pelo compositor Renato Russo na música “Há Tempos”, de 1989: “E há tempos o encanto está ausente/ E há ferrugem nos sorrisos/ E só o acaso estende os braços/A quem procura abrigo e proteção”.

Há solução?

Há solução para esse endurecimento? Talvez o tempo. Mas há o risco de permanecermos anestesiados para sempre.

Uma boa parte de nossa sociedade não se espanta mais com acontecimentos que seriam duramente criticados 60 anos atrás – especialmente no que diz respeito na seara dos costumes. Mas, se isso vale para um lado, pode valer para o outro também, o de situações que deveriam provocar indignação.

Esse fenômeno se une a outro – o orgulho da própria ignorância.

A soma desses dois fatores pode provocar uma sociedade insensível e sem cultura, um verdadeiro celeiro para a intolerância e a agressividade. Ainda há tempo de reverter essa equação deplorável. Não podemos deixar um mundo desumano e colérico para nossos filhos e netos. E, parafraseando um amigo, o publicitário Ricardo Lordes, não podemos deixar filhos e netos indiferentes e ofensivos para o mundo.

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