O Brasil conta com cerca de 100 milhões de processos em tramitação. Um número tão expressivo que, se a Justiça parasse de receber novos casos, levaria pelo menos dois anos para concluir todos. A judicialização excessiva e a morosidade da Justiça produzem reflexos na economia do país. Tanto nos custos para manter a máquina do Judiciário funcionando como nos investimentos que deixam de ser feitos pelas empresas. Em entrevista a MONEY REPORT, o economista Armando Castelar, pesquisador do IBRE/FGV, analisa a questão. Confira a seguir:
O Brasil é um país muito judicializado?
O país ficou muito judicializado com certeza. As estatísticas mostram que a proporção de conflitos que vai para a Justiça vem aumentando de maneira significativa ao longo dos anos. Dados dos anos 1980 mostram que a taxa de judicialização de conflitos girava pouco abaixo de 50%. No final da década passada já estava na faixa dos 70%. Por exemplo, na área trabalhista, antes da reforma, nove em dez casos iam parar na Justiça. Os conflitos na área do setor de relações de consumo, como banco e telefonia, também tiveram uma taxa de crescimento muito grande.
Que fatores podem explicar isso?
A Lei do Consumidor acabou estimulando a judicialização de conflitos ao dar parâmetros legais para o consumidor tentar resolver os casos. Existe uma receptividade do Judiciário a causas na área de consumo que estimulam as pessoas a buscar indenizações e um tratamento mais favorável. Essa percepção cresceu. Tribunais de pequenas causas facilitaram muito o acesso e ajudaram e elevar o número de casos à medida em que o custo de acessar a Justiça diminuiu muito.
Então as pessoas buscam a Justiça porque é uma forma mais cômoda de resolver conflitos?
O acesso à Justiça no geral é visto com uma coisa boa. No Brasil, a sensação que temos é que os tribunais não são muito previsíveis. Então as pessoas vão à Justiça, com custo baixo, numa tentativa de ter um resultado inesperado mais favorável. Isso tende a diminuir com o novo Código de Processo Civil, que criou a questão da sucumbência. Se você perde a ação, você tem uma penalização maior. A própria reforma trabalhista mostra que hoje já existe um maior cuidado antes de iniciar uma ação.
O país conta com mais de um milhão de advogados. Isso também influencia?
O fato de ter muito processo estimula que você forme mais advogados. Tendo muitos advogados, fica mais fácil de judicializar. Se os advogados fossem mais escassos, talvez fossem mais caros e aí você pensaria mais na hora de abrir um processo. A maior oferta de advogados torna o acesso à Justiça mais fácil, mais barato.
Qual ganho que uma Justiça mais eficiente poderia trazer para a economia?
O custo do judiciário brasileiro é muito alto comparado com outros países. O Brasil gasta na ordem de 1,2% do PIB. Já países como Alemanha e França gastam no máximo 0,5% do PIB. O número elevado de processos gera um gasto muito alto. Fiz uma pesquisa com empresas tentando entender como as decisões de investimentos delas mudariam com a melhora mais significativa da Justiça. Os números apurados apontam que o PIB poderia ser 0,8% maior via aumento de investimento.
Existe alguma alternativa para resolver essa situação?
A mediação é uma coisa que se está buscando promover como alternativa ao recurso final ao Judiciário. Nos Estados Unidos, os acordos acontecem porque é muito caro buscar o Judiciário. Não pela Justiça em si, mas pelos advogados. As partes tentam resolver os processos por acordo para não incorrer nos custos. Se você prolonga muito o processo, você vai ter que pagar mais ao advogado. Então esse é um incentivo muito grande ao acordo.
Ainda existem muitos casos de juízes que usam o cargo para promover Justiça social?
Isso já foi mais intenso, mas nos últimos anos a Justiça amadureceu bastante. Tanto que você já vê, depois da reforma trabalhista, juízes penalizando trabalhadores que estavam pedindo coisas exageradas. Passou a haver uma percepção dos magistrados de que havia abusos, de que a intenção de fazer justiça social estava sendo usada como demandas equivocadas, ferindo o senso de justiça em termos de punir ou não quem fez coisas erradas. O que temos no Brasil são leis ruins. Um problema sério que observo não é a Justiça estar sempre de um lado, mas é que as decisões variam muito sobre um mesmo caso. A interpretação da norma está muito variada, então fica difícil para as pessoas
Como o senhor avalia a crescente politização do Judiciário?
O Judiciário aceitou esse papel ampliado de resolver os conflitos políticos. A gente viu isso no impeachment, na nomeação de ministros, instalação de CPIs. Topou arbitrar conflitos que tem origem política. Então o Judiciário tornou-se um ator importante. Assim, mais conflitos estão sendo judicializados. A preocupação que eu tenho é que os partidos acabem de fato politizando o judiciário no sentido de que os poderes que brigam pelo poder político acabem tentando tomar conta do judiciário, já que é lá que são tomadas as decisões. Judiciário não deveria ser arena da disputa política.
O que é preciso fazer para mudar?
Talvez se a gente fizer leis mais claras, com maior detalhamento de como elas devem ser interpretadas. O que o Brasil precisa fazer é tornar a Justiça mais rápida e mais previsível. Vai melhorar investimentos, reduzir custos e influenciar na produtividade, trazendo mais crescimento.
Uma resposta
Penso que um avanço capaz de melhorar a eficiência do Judiciário seja penalizar também o advogado pela litigância de má-fé nos processos. O que pensam?