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A tecnologia está melhorando ou piorando o jornalismo?

O livro “Escritos com a Pele”, de Moisés Rabinovic, é uma viagem ao tempo em que os jornalistas tinham poucos recursos tecnológicos

Comecei a ler, ontem, o livro “Escritos com a Pele”, uma coletânea de textos escritos pelo jornalista Moisés Rabinovic ao longo de uma carreira que já dura 60 anos (Rabino, como os amigos o chamam, começou nesta semana na TV Bandeirantes, enfrentando um novo desafio profissional – e tenho certeza de que vai dar um show em sua grande especialidade, política internacional). O título faz menção ao jeito de escrever dos jornalistas que atuavam como correspondentes em algum conflito – como a invasão do Líbano por Israel em 1982, que Rabino cobriu e chegou a mandar três textos por dia.

Escrever com a pele é uma ação que vem “direto do cérebro para os dedos, sem retoque”. Os correspondentes daquele conflito faziam fila diante de um aparelho de telex e cada um tinha 30 minutos para escrever (telex, para os mais novos, era um misto de máquina de escrever com transmissor de telegramas; o jornalista escrevia um texto, que era gravado em uma fita de papel, transmitida via telefone ou rádio. Quando chegava a seu destino, o código da fita era desvendado pela máquina e um texto era datilografado sozinho pelo aparelho). Não havia a possibilidade de editar frases ou se arrepender do lead (no jargão da imprensa, a abertura de um artigo).

Nas palavras de Rabinovic: “Foi uma verdadeira escola de jornalismo para mim – eu que era preciosista, pinçava cada palavra hesitante. [..] Meu texto fazia escala em um “salão de beleza” interior, entre o cérebro e os dedos”. O resultado deste perfeccionismo? “Noite inteira batucando a máquina de escrever, desgostando, recomeçando, amanhecia pisando em laudas amassadas no chão, quase sempre derrotado”.

Carteira de imprensa internacional de Moisés Rabinovic emitida na década de 1980

Escrever no calor do conflito armado, com tempo contado e sem a menor chance de editar o próprio texto forçou Rabino a se reinventar – ou melhor, a “abortar” o próprio ego, deixando para trás aquilo que ele chamava de “jornalismo literário”.

O livro não apresenta apenas as reportagens escritas no Oriente Médio. Também há vários textos produzidos em redações de São Paulo – estes, com um estilo refinado que reflete a inteligência do autor.

O jornalismo dos anos 1980

Rabino me fez recordar meus primeiros anos de trabalho nos anos 1980, quando tínhamos poucos recursos tecnológicos para trabalhar. A regra nas redações era usar a máquina de escrever. Computadores só começaram a aparecer, aos poucos, nos anos 1990. Lembro de uma entrevista que fiz com um executivo americano de uma multinacional de tecnologia em 1989. Perguntei a ele qual seria um exemplo prático da disseminação dos computadores em nossas vidas. Ele respondeu: “Lembra como era sua vida quando as redações ainda trabalhavam com aquelas ultrapassadas máquinas de escrever? Os computadores vieram para facilitar a vida não apenas dos jornalistas, mas de todas as pessoas”. Essa matéria, como muitas outras, foi escrita em uma máquina Olivetti Linea 98.

Em nossos notebooks, conseguimos acessar dados e informações que enriquecem nossos artigos e reportagens. Tiramos dúvidas em questão de segundos e fazemos pesquisas imprescindíveis para determinados textos rapidamente. Em meus dez anos de Editora Abril, havia apenas uma forma de se pesquisar: pedir ajuda ao Departamento de Documentação (DEDOC), que ficava no segundo andar do antigo prédio da Marginal Tietê. Depois de algumas horas, recebíamos um envelope com páginas xerocadas de reportagens antigas ou de páginas de enciclopédias. Quando o assunto era mais cabeludo, tínhamos de visitar os arquivos do jornal O Estado de S. Paulo.

Essa tecnologia ajudou ou prejudicou o jornalismo?

Em primeiro lugar, ajudou muito os profissionais que não acumularam muita informação e suas trajetórias profissionais – ou aqueles que estão em início de carreira. Também beneficiou aqueles que não conseguiam escrever um bom texto de primeira e precisavam burilar suas palavras.

Mas a tecnologia trouxe inúmeros benefícios aos bons jornalistas. Reduziu o tempo de redação e colocou um universo de informações na ponta de seus dedos. Neste aspecto, o Google tem um papel fenomenal. Muitas vezes, faço uma pesquisa buscando uma informação específica e vejo outro dado muito mais interessante na lista de resultados. E, de quebra, é possível checar rapidamente se aquela informação sobre a qual se baseia um raciocínio é verdadeira ou não.

Nossos notebooks podem ter tirado um pouco do romantismo do jornalismo de anos atrás. Mas, ao mesmo tempo, nos abriu caminho para fazer comparações e análises que seriam impossíveis em um passado recente.

A vez dos amadores

Há um lado ruim? Sim. As redes sociais e a proliferação de blogs e podcasts deu protagonismo aos amadores – e muitos deles fazem das fake news sua principal matéria-prima. Como no caso dos aviões, trata-se de uma ferramenta que pode ajudar ou ferir. O avião, por exemplo, é útil quando transporta pessoas e mercadorias de um lugar para outro. Mas, equipado com armas, torna-se um instrumento de guerra.

Sabemos que palavras podem ferir muito mais do que balas de revólveres. Por isso, é preciso de responsabilidade quando publicamos um texto na internet. Em nome de uma lacração maldosa, podemos prejudicar irremediavelmente pessoas ou ideias. Esse é o lado ruim da tecnologia.

O que Money Report publicou:

O que aprendi na Veja dos anos 1980

Que bobos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com as mãos”

O Boechat que conheci

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