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Demonstre apreço pelos comerciantes

A classe que optou pelo caminho da persuasão em vez da coerção merece todo o respeito

As pessoas podem ser manifestamente desagradáveis com comerciantes e com atendentes de lojas, tratando de maneira sórdida indivíduos que estão apenas tentando empreender e que estão ali apenas para nos servir e prestar um bom atendimento.

Sim, é um direito das pessoas reclamarem: uma característica do mercado é que você não tem de comercializar com ninguém em específico. E, ainda assim, confesso ficar aborrecido quando vejo pessoas sendo tão desdenhosas e desrespeitosas para com tentativas de empreendimento. Por que não simplesmente se recusar a comprar e ir embora? Pra que proferir invectivas e se comportar de maneira rude?

Outra dia, na loja de materiais esportivos, ouvi consumidores resmungando que essa luva estava muito cara, que essa raquete de tênis era muito sensível, que esse sapato era muito espalhafatoso, que esse equipamento de ginástica não era tudo aquilo que diziam, e que a loja deveria trabalhar apenas com essa marca de bola, e não com aquela outra.  

A maioria dos consumidores dos produtos desta loja está feliz, caso contrário a loja não mais estaria operante; porém, outras pessoas (de novo, corretamente) simplesmente assumem que é seu direito não gostar, rechaçar, desprezar, rebaixar, humilhar e dispensar qualquer comerciante com um simples e depreciativo gesto de mão.

Persuasão versus coerção

Compare esta cena à ala de segurança ou alfandegária de um aeroporto. Essa mesma classe de cidadãos se submete a filas humilhantes, marchando em estilo quase militar, e se deixa ser revistada, ter sua privacidade invadida e às vezes até seus pertences confiscados por burocratas que não dão nenhuma explicação.  

Ninguém ousa proferir uma palavra de protesto ou de reclamação por puro medo de ser repreendido por desacato a funcionário público, com ameaça de prisão.  

O único objetivo é sair dali o mais rápido possível para chegar ao outro lado da barreira governamental, onde a mini utopia do comércio aeroportuário nos espera ansiosamente para nos servir de maneira decente — e é melhor que aquele sanduíche e aquela cerveja sejam servidos imediatamente, caso contrário vamos exigir nossos direitos!

Quando consumidores, somos mestres do universo; quando cidadãos perante autoridades governamentais, somos cordeirinhos dóceis e obedientes. E talvez isso seja fácil de ser entendido. 

O governo tem uma arma apontada para a nossa cabeça. Já o comerciante está apenas tentando nos persuadir a abrir mão do nosso dinheiro em troca de bens e serviços. O primeiro não aceita ‘não’ como resposta; já o último vê um ‘não’ como sendo parte inerente à sua rotina diária.

Ainda assim, deveríamos ser mais conscientes dessa diferença, e demonstrar maior apreço pelo significado de tudo isso. A classe de pessoas que optou pelo caminho da persuasão em vez da coerção merece todo o nosso respeito e gratidão, mesmo quando não compramos nada deles.

A incerteza é a única certeza

A classe comerciante é aquela que torna possível tudo em nossa vida: nossas moradias, nossa comida, nossos serviços médicos, nossas roupas, nosso ar condicionado, nossos computadores, nossos aparatos musicais — absolutamente tudo que faz com que nossa vida diária seja tolerável, prazerosa e jubilosa.

Frequentemente somos tentados a crer que o posto de gasolina, a farmácia, o restaurante, a franquia de fast-food, e a padaria da esquina são apenas coisas comuns à estrutura do nosso mundo, uma inevitabilidade do nosso meio. Mas não são.

A decisão de abrir um comércio é algo absolutamente desgastante e inquietante, pois o risco de dar errado e fazer com que o empreendedor perca tudo é muito alto. O futuro é desconhecido tanto no sentido macroeconômico (será que a economia vai entrar em recessão e fazer com que a renda dos consumidores caia?) quanto no sentido microeconômico (talvez ninguém realmente queira comprar minhas coisas).

Frequentemente a ideia exige que o empreendedor utilize todo o dinheiro que ele poupou — ou que ele vire refém dos bancos. Não importa qual seja a ideia do empreendimento: o ato de empreender sempre será algo amedrontador.

E não se trata apenas de dinheiro. Você acabará comprando vários objetos e equipamentos (o seu capital) que, caso o empreendimento dê errado, não serão facilmente convertidos para outros fins; muito menos poderão ser vendidos a preços sequer comparáveis àqueles pelos quais você os comprou. Cadeiras, mesas, placas, cartazes, letreiros e outras decorações revelar-se-ão um puro desperdício caso o empreendimento não dê certo. 

E há também o problema com as outras pessoas. Você tem de contratar empregados, e estes têm de ser pagos muito antes de você vislumbrar qualquer perspectiva de lucro — se é que algum dia o lucro virá. Você repentinamente se torna o responsável por essas pessoas.

Você pode até se autointitular “chefe” ou “patrão”, mas no íntimo sabe que isso não representa a realidade. Você é responsável pelos seus empregados, mas não é realmente o patrão. Os patrões são os consumidores, cuja volubilidade e inconstância podem tanto lhe enriquecer quanto destruir seu novo meio de vida — você está completamente à mercê deles.

E depois há a questão da comercialização do produto. Você acredita no seu produto, mas você não pode fazer tudo por conta própria. Você tem de contratar pessoas que terão a função de saber ofertar e vender o seu produto. É necessariamente verdade o fato de que essas pessoas que você irá contratar não serão tão sólidas quanto você no entusiasmo ou mesmo na crença na qualidade do seu bem ou serviço. Elas terão de ser “vendedores” de qualidade — alguém contratado para estar empolgado e interessado no ofício, mas que, na maioria das vezes, preferiria estar fazendo outras coisas.

Isso não é, de modo algum, uma crítica aos vendedores contratados. Muito pelo contrário. O vendedor estará na desconfortável posição de ter de imitar o senso de responsabilidade e de desejo de sucesso que já existe na mente do criador do empreendimento, mas que não existe naturalmente na mente do vendedor. É por isso que saber vender é uma arte que exige treinamento.  

As pessoas normalmente desprezam essa necessidade de treinamento e até mesmo fazem gracejos, mas se trata de algo essencial. Tampouco existe algo como um ‘vendedor genérico’, aquele que domina a arte de saber vender qualquer coisa. O que podemos vender e o que não podemos vender depende enormemente do nosso próprio enfoque e da nossa própria mentalidade.

Jamais também subestime o problema dos estoques, algo que requer julgamentos empreendedoriais diários.

Se você, por exemplo, está no ramo da venda de madeira compensada, e o seu primeiro mês de vendas ficou muito aquém das suas expectativas, sua batalha apenas começou. Você terá de fazer um melhor juízo acerca dos estoques do mês seguinte. Compre muito e você dissipará todos os seus lucros. Compre pouco e você perderá clientes que, ao não encontrarem um produto específico em seu estabelecimento, nunca mais voltarão.  

Suas estimações terão de estar praticamente corretas o tempo todo. Mas você não possui uma bola de cristal. E esse problema da adivinhação nunca irá deixar de lhe importunar: não importa o quão bem sucedido você tenha sido em um dado mês, você jamais terá ideia do que lhe aguarda no mês seguinte. Um pequeno descuido e sua sorte estará selada.

A concorrência e a preferência dos consumidores são a navalha

E há ainda a concorrência. Qualquer um está livre para copiar e reproduzir o seu sucesso. Quanto mais bem sucedido for o seu empreendimento, mais imitadores você inspirará, os quais farão de tudo para copiar exatamente o que você faz, só que, de alguma forma, a um preço menor. 

Isso significa que você constantemente terá de se manter um passo à frente, sempre inovando. Ao mesmo tempo, você constantemente terá de saber como se autoavaliar, sempre olhando para trás.  

Um dia ruim de vendas pode não significar nada, mas pode também significar tudo. Pode ser apenas um ligeiro solavanco em sua jornada rumo à glória, mas pode também ser o prenúncio do desastre. Simplesmente não há como saber de antemão.

As forças da concorrência em um mercado dinâmico estão constantemente atuando para solapar o seu sucesso futuro. Para os empreendimentos que hoje são bem sucedidos, o sistema de mercado equivale a uma gigantesca conspiração que visa a reduzir seus lucros a zero. A única maneira de resistir e contra-atacar é servindo seus clientes com ainda mais atenção e excelência.

E, ainda assim, não importa quão bem sucedidos tenham sido seus planos até aqui, não há absolutamente nada garantido para o futuro. A qualquer dia, a qualquer hora, tudo pode se esvanecer. Os consumidores podem desaparecer. As tendências podem mudar. As preferências e os gostos da classe consumidora podem sofrer uma guinada.  

Você é total e completamente dependente dos caprichos subjetivos de todo o resto. Não importa quão grande seja a sua determinação, a realidade implacável é que você simplesmente não pode controlar o que os outros pensam ou fazem. E isso vale tanto para o pipoqueiro da esquina quanto para a Amazon. Não importa quão grande você tenha se tornado: dinheiro nenhum pode garantir que o seu futuro empreendedorial seja propício.

Por que se aborrecer com tudo isso?

E por que, mesmo assim, alguém ainda se arrisca? Por que uma pessoa decide se tornar comerciante ou empreendedora? A resposta típica é que as pessoas fazem isso por dinheiro. Mas não há absolutamente nenhuma garantia de que tal atitude será transmutada em dinheiro.  

O dinheiro tanto pode vir aos montes como pode vir em quantidades escassas. E, quando ele vem, ele normalmente acaba sendo reinvestido no próprio empreendimento, para que este se mantenha viável. Então, por que as pessoas se arriscam nisso? 

Tudo tem a ver com o sonho do sucesso, a esperança de fazer a diferença, de ganhar a vida com a vocação, com a concretização da ambição de servir bem e ser reconhecido por isso. É isso que motiva e guia o empreendedor.

E como nós retribuímos essas pessoas? Falando palavras ásperas, gritando e desdenhando, se recusando a comprar seus produtos, criticando a menor das falhas e se recusando a dar absolutamente qualquer crédito por suas tentativas. Nós os chamamos de gananciosos e menosprezamos seus pedidos de compra, dizendo que seus produtos são imprestáveis.  

O estado oprime essas pessoas com regulações, impostos, burocracias, ordens e imposições muito maiores do que aquelas vivenciadas pelo resto de nós, e ainda assim elas insistem, resolutas em sua determinação.

É algo evidente que a classe comercial é tratada hoje da mesma forma como era tratada na antiguidade: como pessoas desprezíveis, vis, incapazes e ineptas. Porém, a verdade é essa: a classe comercial é a classe que nos fornece exatamente todas as coisas que mais amamos.  Nós dependemos dela e ela depende de nós.

Apenas seja cortês

As pessoas que hoje têm de lidar com esse estado leviatã normalmente se sentem impotentes para fazer qualquer coisa contra essa atual situação opressora. Eu sugiro que uma maneira de lutar contra essa tomada hostil da sociedade pelo estado e por seus burocratas desprezíveis é mostrando uma maior apreciação por aquilo que representa o exato oposto dessa opressão. 

Devemos mostrar apreço pelos comerciantes. Deveríamos começar mostrando gratidão intelectual pelas coisas que eles fazem por nós. Deveríamos ir ainda mais adiante e realmente dizer aos comerciantes o quão elevada é a nossa consideração pela vocação deles.

Controlar nossas afeições é uma maneira de contra-atacar. Por isso, devemos mostrar respeito, consideração e apreço pelas coisas e pelas pessoas que estão fazendo o que é melhor para a sociedade, e que estão servindo de inspiração para outras pessoas seguirem seus passos. 

O modelo e o ideal de sociedade em que queremos viver, uma sociedade pacífica e próspera, pode estar tão perto de nós quanto aquela loja de conveniências logo ali na esquina.

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Por Jeffrey Tucker

Publicado originalmente em: https://cutt.ly/6AjWo8v

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