Ao mudarem suas preferências, consumidores determinam quem se mantém no mercado e quem tem de sair
“Se abrirmos o país para o comércio exterior, nossas indústrias irão sumir!”, grita o protecionista inveterado.
O mesmo protecionista, ao ver que determinadas indústrias estão demitindo, grita: “Os chineses são os culpados!”
O que é realmente interessante é que nenhum protecionista tem a coragem de falar as coisas como elas realmente são: quem determina que uma indústria específica se tornou obsoleta não são os estrangeiros; são os consumidores.
São os consumidores que, ao mudarem suas preferências de consumo e suas exigências de qualidade, determinaram que aquela indústria que não mais os satisfaz tem de ser ou fechada ou inteiramente remodelada e reestruturada.
Quando empresários reclamam da concorrência dos produtos estrangeiros, eles na verdade estão reclamando de um fenômeno bastante específico: a mudança nas preferências dos consumidores. Os consumidores não mais estão comprando seus produtos, e isso os incomoda.
Mas como eles não podem dizer isso abertamente — eles sabem que seria um tanto ridículo virem a público reclamar que os consumidores voluntariamente pararam de comprar seus produtos —, eles simplesmente recorrem a um bode expiatório de fácil apelo: os estrangeiros.
A guerra contra o livre comércio é, na realidade, apenas uma distração para ocultar a verdadeira guerra: a guerra contra a soberania do consumidor.
O livre comércio e “os estrangeiros” são apenas um bode expiatório escolhido para que os verdadeiros “culpados” — os consumidores — não tenham de ser apontados. Isso não seria politicamente aceitável.
Quando você visita uma determinada região da sua cidade que outrora era repleta de indústrias e que hoje está deserta, você tem de entender o que realmente aconteceu: os consumidores alteraram suas preferências, de modo que eles simplesmente deixaram de querer consumir os produtos fabricados por aquelas indústrias.
Sim, é verdade que, em vários casos, as indústrias foram sufocadas por regulações governamentais, por sindicatos poderosos e por uma alta carga tributária, o que tornou suas operações extremamente caras, ineficientes e incapazes de concorrer com os produtos estrangeiros. Mas, ainda assim, a realidade não se altera: ao se tornarem ineficientes — ainda que por fatores exógenos e fora de seu controle —, essas indústrias perderam seu apelo perante os consumidores, os quais prontamente alteraram suas preferências e passaram a consumir de outras indústrias (estrangeiras ou não).
Em última “instância”, os culpados por toda e qualquer dificuldade vivenciada por um setor industrial ou por qualquer área da economia sempre são os mesmos: os consumidores e suas preferências.
Por isso, quando economistas ou empresários defendem tarifas de importação ou qualquer tipo de restrição às importações, eles não estão protegendo as indústrias nacionais contra a “invasão” dos produtos estrangeiros. Eles estão protegendo as indústrias nacionais contra as preferências dos consumidores.
Produtos estrangeiros não “invadem” um país do nada e ficam ali à espera de serem consumidos; produtos estrangeiros chegam a um país porque foram voluntariamente adquiridos por consumidores nacionais, que voluntariamente demonstraram sua preferência por esses produtos.
O protecionismo, quando despido de todas as suas justificativas teóricas, é apenas isso: uma guerra violenta contra as preferências dos consumidores, e uma tentativa de suprimir essa preferência voluntariamente demonstrada.
Difícil haver totalitarismo maior do que esse. E é por isso que o protecionismo — ou seja, o governo regular e restringir as preferências dos consumidores — nada mais é do que uma forma de planejamento central.
Levando a lógica ao extremo
Não aceitar o definhamento de determinadas indústrias ou determinados setores da economia é não aceitar que as pessoas mudam suas preferências de consumo.
Não aceitar essa realidade econômica é querer que alterações nas preferências dos consumidores sejam violentamente reprimidas pelo governo, o qual deve então obrigar as pessoas a, contra a sua vontade, manter suas preferências de consumo eternamente inalteradas apenas para garantir a rentabilidade de determinados setores já obsoletos da economia.
Com efeito, quais seriam as consequências dessa mentalidade? Dado que as preferências dos consumidores devem ser mantidas inalteradas para que determinadas indústrias e setores da economia durem para sempre, como estaria o mundo hoje caso tal ideia fosse realmente levada a sério?
Dado que os protecionistas consideram “injusto” os consumidores alterarem suas preferências de consumo, ei a pergunta mais básica a ser respondida por eles:
Você quer que o governo gerencie cada alteração na maneira como os consumidores gastam seu dinheiro, ou você acredita que os consumidores devem ser livres para gastar seu dinheiro de qualquer maneira pacífica que eles venham a escolher, sem ter de solicitar a aprovação do governo ou pagar uma penalidade caso gastem seu dinheiro de uma maneira que desagrade aos burocratas e a determinados setores da economia?
Agora, façamos algumas perguntas mais específicas:
1) Deveriam os consumidores de um estado ser livres para comprar produtos fabricados em outro estado? Tamanha liberdade poderá gerar desemprego no primeiro estado.
2) O livre trânsito de pessoas dentro das fronteiras de um país deve ser permitido? Quando pessoas migram em massa de uma região para outra, ou mesmo do campo para a cidade, isso gera grandes distorções econômicas em ambas as regiões. A mão-de-obra disponível aumenta e salários são achatados na região de destino.
3) Deveriam as pessoas ser livres para escolher suas próprias profissões? Caso o façam, pode haver uma enxurrada de novos entrantes em determinadas profissões, como engenharia mecânica ou enfermagem. E essa maior oferta de mão-de-obra derrubaria os salários dessas profissões. Pessoas que se dedicaram por anos a uma profissão irão repentinamente vivenciar uma forte queda em seu padrão de vida.
4) Você é a favor de as mulheres terem liberdade para trabalhar? Isso não apenas eliminou alguns empregos para homens e adolescentes, como também pressionou os salários para baixo em decorrência da maior oferta de mão-de-obra. “Famílias tradicionais”, em que apenas o homem trabalha, foram afetadas.
5) Deveriam as pessoas ser livres para comprar máquinas de lavar roupa, ferros elétricos, aspiradores de pó e lava-louças? Esses produtos acabaram com os empregos de várias empregadas domésticas.
6) Caso um empreendedor desenvolva um motor mais eficiente e que consome menos combustível, poderia ele livremente colocar este motor à venda no mercado? Poderiam as pessoas livremente adquiri-lo? Isso irá causar desemprego em vários outros setores da indústria automotiva, principalmente naqueles ligados à fabricação de motores tradicionais.
7) Deveria ser permitido que um novo restaurante fosse aberto na esquina da sua rua? Esse novo restaurante certamente vai afetar as receitas dos restaurantes já estabelecidos, podendo até mesmo gerar desemprego.
8) Deveriam os consumidores ser livres para mudar sua dieta? Tal mudança irá gerar queda de receitas em várias empresas tradicionais do setor alimentício, podendo gerar demissões.
9) Deveriam os consumidores ser livres para comprar carros usados? Deveriam eles ser livres para permanecer com um mesmo carro pelo tempo que quiserem? Ao fazerem isso, eles estão reduzindo a demanda por carros novos domesticamente produzidos. Isso pode gerar queda nas receitas e desemprego na indústria automotiva.
10) Deveriam os consumidores ser livres para comprar roupas de varejistas especializados em vender vestuário de segunda mão? Tamanha liberdade significará menor demanda tanto para a indústria de vestuários novos quanto para todo o setor varejista que vende apenas roupas novas.
11) Deveriam as pessoas ser livres para comprar e-books? Isso afeta o mercado de impressoras e de editoras, além de reduzir o número de balconistas de livrarias, bem como o próprio volume de frete para caminhoneiros.
12) Deveriam as pessoas ser livres para consultar aplicativos (gratuitos!) de meteorologia em seus smartphones? Esses aplicativos estão reduzindo enormemente a demanda por meteorologistas humanos no rádio e na televisão.
Em suma: por que deveríamos permitir qualquer uma dessas liberdades de consumo e tolerar tamanha concorrência econômica sem antes mensurar empiricamente os ganhos e perdas gerados por essa liberdade e por essa concorrência?
Deveríamos permitir tamanha liberdade e concorrência apenas caso seja comprovado empiricamente que seus efeitos “distributivos” serão do nosso agrado?
Conclusão
Pense em qualquer mudança ocorrida em qualquer atividade econômica e eu lhe apontarei várias pessoas que ficaram desempregadas em decorrência dessa mudança.
Mas quem, em última instância, fez essas mudanças? Os consumidores e suas preferências.
A pergunta então é: o fato de que mudanças nas preferências dos consumidores geram desemprego seria um argumento contra a soberania do consumidor e a livre concorrência?
Se você acredita que sim, então a única solução é colocar o governo para, antecipadamente, aprovar ou proibir toda e qualquer alteração na maneira como os consumidores gastam o seu dinheiro.
O que nos leva a outra pergunta: você honestamente acredita que tal política irá — ou mesmo poderá — gerar um maior padrão de vida para a população?
A defesa do livre comércio é simplesmente uma parte de um argumento maior: a defesa da soberania do consumidor e da livre concorrência. Alterações nos padrões do comércio internacional não possuem nada, absolutamente nada, de diferente ou de especial em relação a quaisquer outras alterações nos padrões de qualquer outra atividade econômica.
Portanto, se você realmente defende o protecionismo e a restrição do livre comércio, você tem de fazer uma dessas duas coisas:
(a) identificar corretamente alguma diferença essencial e economicamente relevante que mostre que o desejo dos consumidores de comprar bens e serviços vendidos por pessoas que estão em outra jurisdição representa uma categoria a parte, algo completamente diferente de qualquer outra das várias maneiras como esses mesmos consumidores alteram suas preferências e padrões de consumo; ou
(b) admitir que você não possui nenhum argumento econômico contra a soberania do consumidor e a livre concorrência, querendo apenas preservar um mercado artificial que seja do seu gosto pessoal (seja porque você está empregado nele, seja porque você é um empresário que aufere seus rendimentos nele).
Quem determina todo o arranjo de uma economia são as preferências dos consumidores. Você pode autoritariamente tentar impedir que haja mudanças nessas preferências, mas não conseguirá fazer isso para sempre. Impedir à força mudanças nas preferências dos consumidores é algo que não apenas trará desarranjos e ineficiências econômicas, como também servirá apenas para manter artificialmente os ganhos de alguns setores da economia à custa de todo o resto.
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Por Donald Boudreaux
Publicado originalmente em: https://cutt.ly/oDKIC3z