E, sim, os preços caíram – até o petróleo disparar
A proibição da cobrança de despacho para bagagens em viagens aéreas voltou a ser tema após a Câmara dos Deputados aprovar projeto retornando a proibição. Ontem, o Senado também ratificou o projeto.
O argumento é que o impacto da bagagem no preço da passagem aérea é pequeno, de forma que os consumidores não sentiram grandes benefícios da medida, aprovada em 2016. Afinal, boa parte do preço da passagem está atrelado ao petróleo e ao dólar.
Embora isso não seja economicamente verdadeiro (mais sobre isso abaixo), vale ressaltar que o maior impacto positivo da liberação da cobrança ocorreu na indústria na aviação regional.
Um dos exemplos é o da minha cidade: Campina Grande, localizada a 128 quilômetros da capital da Paraíba, João Pessoa.
Campina Grande, historicamente, sempre foi uma cidade com uma oferta mínima de voos.
Mas isso mudou desde 2016.
Apesar de ser uma cidade com 400 mil habitantes e uma região metropolitana de 1 milhão de pessoas, Campina Grande, durante anos teve, apenas um único voo: às 3 da manhã, ligando a cidade a Guarulhos.
Este voo era operado pela GOL.
De 2015 para cá, isso mudou. A Azul se instalou na cidade e começou a operar três voos regulares para Recife.
Os campinenses viajam neste modelo aqui, um ATR 72-600:
ATR 72-600 da Azul, que voa entre Campina Grande e Recife
E isso mudou a vida de muitos campinenses.
Afinal, a viagem de ônibus neste mesmo percurso dura 4 horas em uma estrada com condições lamentáveis, típicas dos rincões do Brasil.
O voo Campina Grande—Recife, por outro lado, tem 30 minutos, e não é tão mais caro que viajar de ônibus: viajar ida-e-volta de ônibus custa por volta de R$ 200, enquanto a ida-e-volta de avião varia entre R$ 300 e R$ 500.
E com a dupla vantagem de que você não corre o risco de ser assaltado na estrada, e ganha 3h30 na sua vida, saindo bem menos cansado do percurso.
Antes, não importava para onde eu fosse, eu teria de ir para Guarulhos. Sim, se eu quisesse ir a Fortaleza de avião, primeiro eu teria de ir para Guarulhos.
Agora, graças ao ATR da Azul, eu somente preciso chegar ao Recife. Desenhei a antiga rota para vocês entenderem:
Obviamente, também era possível ir de ônibus até Recife para então pegar um avião para outras cidades do Brasil. Mas, além do risco, era também fisicamente desgastante e caro. Eu teria de desembarcar na rodoviária e então pegar um táxi para o aeroporto. E isso se eu conseguisse chegar a Recife exatamente algumas horas antes do voo. O normal seria ter de ficar num hotel até o dia seguinte.
Já o voo Campina Grande-Recife me permite chegar a um dos maiores aeroportos do Brasil, e de lá ir para qualquer outro lugar.
Não é apenas mais rápido e menos cansativo. É também muito mais barato.
Foi algo generalizado
Este movimento de expansão da aviação regional não ocorreu só em Campina Grande.
As companhias aéreas adquiriram aviões menores e estão chegando em mais destinos.
Até mesmo a cidade de Patos, com 100 mil habitantes, encravada no meio do Sertão e a mais de 300 quilômetros de João Pessoa, ganhou um voo regular.
Os patoenses voam neste menino aqui, um Cessna Grand Caravan:
Cessna Grand Caravan, da Azul, que liga João Pessoa a Patos
E isto é um fato: se você mora no interior, deve ter percebido que, mesmo com a devastação da pandemia, os aeroportos locais estão funcionando.
A LATAM hoje atende 50 destinos, a Azul, 121, e a GOL vai para 42 lugares saindo de Brasília.
É um recorde para todas as empresas.
Fora as empresas que são 100% regionais, como a Passaredo (que atende a região Sul) e a MAP (Amazônia).
Expandir a aviação regional só é possível se houver regras que respeitem a realidade econômica
Para quem mora em capital, nada disso faz muita diferença. Mas para quem é do interior, é um paraíso.
Essa expansão da aviação regional é muito importante para a economia local. É o que me permite crescer minha empresa, crescer no meu trabalho, e continuar morando no interior.
Com efeito, é o que me permite ser contratado por pessoas de todo o Brasil.
E o que isso tem a ver com cobrar a bagagem?
Sabe aqueles ATRs e Cessnas da foto acima? Eles são ainda menores pessoalmente. É impossível esses voos existirem se todo mundo despachar duas bagagens de 23 quilogramas. Simples assim.
A maior parte dos voos regionais não tem capacidade de existir com todo mundo despachando duas bagagens de 23 quilogramas.
Não estou dizendo que isso é legal ou desejável. Estou apenas falando sobre a realidade econômica (e até mesmo física) da situação.
E isso não é verdade só no Brasil, mas no mundo inteiro.
Veja este mapa de voos na Europa, por exemplo. Ele possui um milhão de destinos, e isso só é possível porque as companhias têm uma flexibilidade que as brasileiras não têm.
Aviões sobre o espaço aéreo europeu. A esmagadora maioria é de empresas “low cost”, que cobram despacho de bagagem
Nem é necessário aqui ressaltar que não existe “bagagem gratuita”. Todos os passageiros irão arcar com esta “benesse”. Com a cobrança, só paga o passageiro que despacha a bagagem. Sem a cobrança, todos os passageiros irão pagar, inclusive os que não despacham. Consumidores mais espartanos, que viajam apenas com bagagens de mão, irão bancar a família numerosa que despacha duas bagagens de 23 quilogramas por membros. O valor do despacho de bagagem obviamente será diluído no preço dos bilhetes de todos os passageiros.
Isso tudo já é sabido, mas ainda é o de menos.
O grande estrago, além da aviação regional, será na própria concorrência do setor aéreo.
Logo após a implementação da cobrança pela franquia de bagagem, ao menos oito empresas estrangeiras, sendo sete ‘low cost’, demonstraram interesse em operar no Brasil. Empresas como Sky, Norwegian, Flybondi e JetSmart realmente vieram para cá. Em 2020, porém, a pandemia do novo coronavirus interrompeu abruptamente esse movimento.
Com a obrigatoriedade do “despacho gratuito” de bagagens — que representa um custo artificialmente imposto sobre uma empresa aérea —, as empresas “low cost” simplesmente perdem sua vantagem comparativa. Para compensar este custo imposto, elas obviamente terão de cobrar mais nas passagens. E isso retirará exatamente o seu apelo, que é a passagem mais barata em relação às demais.
Logo, será economicamente racional elas nem virem para o Brasil. Por que viriam, se estão proibidas exatamente de exercer o seu diferencial?
Uma rápida palavra sobre os preços das passagens após a permissão da cobrança
Um dos argumentos mais utilizados pela volta da “gratuidade” do despacho da bagagem é que, após a instituição da cobrança, os preços das passagens aéreas não caíram.
Mas tal afirmação não procede. Não quando se faz uma análise econômica correta.
Está fora do escopo deste artigo adentrar nestes meandros, mas há estudos detalhados que comprovam (ver aqui, aqui e aqui) que os preços das passagens realmente caíram em 2017, tão logo foi implantada a cobrança.
Mesmo até o fim do ano de 2019, as passagens aéreas subiram menos que o IPCA (ou seja, seus preços reais não se alteraram).
Preço médio das passagens vendidas em cada ano, corrigido pelo IPCA. Os números são da Agência Nacional de Aviação Civil
Só que aí aconteceu uma “coisinha chata”. O preço do petróleo disparou. E o querosene foi junto.
O gráfico a seguir mostra a evolução do preço do querosene em dólares:
Evolução do preço do querosene em dólares
E em reais:
Evolução do preço do querosene em reais
Não tinha como fazer mágica.
Acrescente a isto a quebra de empresas como WebJet e Avianca, o que diminuiu a concorrência, e qualquer pessoa minimamente sensata irá entender que a cobrança de bagagens não tinha como manter os preços das passagens eternamente baixos.
Para concluir
Realmente, não dá para se esperar bom senso dos nossos políticos. É querer demais que eles entendam que, assim como não existe almoço grátis, também não há despacho gratuito de bagagens.
Assim como a vinda de empresas “low cost” para cá, o sonho da aviação regional foi bom enquanto durou. Vamos todos voltar a morar em capitais, encarecendo as cidades, concentrando recursos e levando a riqueza para longe do interior brasileiro.
Obrigado, políticos.
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Por Ivanildo Terceiro
Publicado oroginalmente em: cutt.ly/IHSPCac