A questão do ICMS mostra por que todo e qualquer corte de taxas deve ser mantido e até expandido
A polêmica nunca acaba: se uma determinada empresa ou um determinado setor recebe uma isenção fiscal do governo, imediatamente começa a gritaria de que ela está “recebendo subsídios do governo”.
Recentemente, tal debate voltou à tona com ainda mais força após a Câmara aprovar um valor fixo para o ICMS dos governos estaduais sobre os combustíveis.
Há liberais dizendo que esta redução no ICMS representa um “subsídio” para os consumidores.
Segundo eles, reduzir o ICMS equivale a “usar dinheiro público para incentivar o consumo de gasolina” e “jogar sujo com empresas que produzem energia mais limpa e possivelmente quebrar algumas delas”.
(Visando a um nível mais alto, não iremos aqui “fulanizar” o debate, apontando quem disse o quê; nosso interesse está exclusivamente no debate das ideias).
O cerne do argumento, portanto, é que tal redução de impostos não só é um subsídio para os consumidores, como também é muito injusto para com quem não recebe o mesmo tratamento (empresas de energia renovável e pessoas que não dirigem).
Logo, além de não diferenciarem isenções (ou reduções de impostos) de subsídios, ainda dizem que tais isenções são ruins porque geram “distorções no mercado”.
Afinal, uma redução de impostos para um segmento específico deve ser considerada ruim? Seria um subsídio? Gera distorções?
Comecemos pelo básico.
Isenções (ou reduções de impostos) são o oposto de subsídios
Subsídio é o governo tomar dinheiro de Paulo e repassar a Pedro.
Isenção fiscal é o governo simplesmente não tributar Paulo. Ou Pedro.
E redução de imposto é o governo simplesmente tributar menos Paulo. Ou Pedro.
Subsídio é imoral (pois envolve roubo e repasse) e economicamente ineficiente (pois o beneficiado passa a trabalhar com o dinheiro recebido gratuitamente de terceiros).
Já isenção (ou redução de impostos) é o governo abolir (ou diminuir) uma barreira que ele próprio erigiu e que nem sequer deveria existir.
Igualar isenção tributária (ou redução de impostos) a subsídio sempre foi uma atitude insensata. De nenhuma maneira uma pessoa, empresa ou instituição está sendo subsidiada quando o estado simplesmente se abstém de confiscar uma fatia de sua propriedade privada (renda).
A ideia de que uma isenção tributária configura um subsídio se baseia na suposição de que toda a riqueza de uma pessoa ou empresa pertence exclusivamente ao governo, de modo que qualquer fatia dessa riqueza que permaneça com ela está sendo, de alguma maneira, retirada do seu “dono legítimo”, o governo.
Trata-se de uma ideia radicalmente socialista.
Permitir que você mantenha sua renda (isenção tributária) — ou uma fatia maior de sua renda (redução de impostos) — não é o mesmo que tomar a renda de terceiros e repassá-la a você (subsídio). Isenções ou reduções tributárias não representam um esquema coercitivo de redistribuição de renda.
Já os subsídios representam, pois só há subsídio se houver impostos.
Consequentemente, subsídios beneficiam alguns produtores à custa de outros.
Em um subsídio, o recebedor adquire um privilégio à custa de terceiros; já no caso de uma isenção fiscal ou redução de impostos, o beneficiário está evitando um ônus. Enquanto o subsídio é feito à custa de terceiros, a isenção não impõe tal custo aos outros. Culpar o beneficiário da isenção por não pagar imposto (ou por pagar menos impostos) é o mesmo que culpar um escravo de fugir de seu senhor.
Gera distorções?
Entendida a diferença radical entre subsídios e isenções (ou reduções de impostos), passemos à próxima questão, que diz que isenções fiscais geram distorções econômicas. Procede?
De novo, comecemos pelo básico.
O estado, por meio impostos, confisca a renda das empresas e dos consumidores com dois propósitos: a) para beneficiar a si próprio, ou b) para distribuir a terceiros.
Ambos os casos envolvem o confisco de recursos que estariam sendo usados eficientemente por seus proprietários, e seu desvio para usos não-eficientes (a critério da máquina estatal). Ambos os casos envolvem subsídios, pois no primeiro caso subsidiam-se os serviços governamentais e os funcionários do governo, e no segundo subsidiam-se os recebedores dos recursos.
Os subsídios, portanto, surgem como consequência natural dos impostos. Toda vez que o estado gasta ou distribui os recursos confiscados por impostos, ocorre um subsídio. E quanto maiores forem os impostos, e consequentemente os subsídios advindos destes, menor será a eficiência de uma economia.
Logo, são exatamente a distribuição de uns para outros, mais as perdas econômicas produzidas pelos impostos — as quais englobam também o custo de arrecadar e de distribuir o recurso confiscado, e o custo da energia despendida com o processo político —, que geram o que podemos chamar de distorção.
Para quem está focado no cenário de maior eficiência e prosperidade — ou seja, no livre mercado — qualquer imposto gerará distorção. Consequentemente, qualquer subsídio (o qual só existe porque há imposto) gerará distorção.
Logo, são os subsídios, e não as isenções (ou redução de impostos), que geram distorções econômicas.
É fato que empresas beneficiadas por isenções tributárias, ou os consumidores beneficiados por reduções de impostos, incorrerão em custos menores que empresas (e outros consumidores) que não usufruem esse benefício. Mas isso não significa que isenções (ou reduções de impostos) forneçam uma vantagem injusta. Com efeito, significa exatamente o oposto: mostra que impostos penalizam aqueles empreendedores e consumidores que tiveram o azar de ficar com o ônus de sustentar o governo.
Ou seja, de novo, o problema não é a isenção, mas o imposto.
Impostos são obstáculos que nem sequer deveriam existir. Portanto, se um governo reduz ou — melhor ainda — extingue impostos, mesmo que seja para apenas um setor da economia ou sobre um determinado bem de consumo, ele simplesmente está retirando um obstáculo que ele próprio criou e que nem sequer deveria estar ali. Isso está longe de ser um “privilégio”.
Quando economistas argumentam que isenções não são subsídios, isso significa que isenções (ou reduções de impostos), por si sós, não causam distorções na economia. Ao contrário, distorções são causadas pelo fato de que, tão logo isenções (ou reduções de impostos) são concedidas, quaisquer impostos remanescentes gerarão efeitos distorcivos. Em outras palavras, isenções não criam vantagens injustas: são os impostos que criam desvantagens injustas.
Quando uma determinada empresa vai à falência por causa de impostos, ou quando um bem de consumo passa a ser menos vendido porque os impostos que incidem sobre ele aumentaram, o real problema está nos impostos, e não no fato de que outras empresas e outros bens usufruem isenções ou impostos menores.
Portanto, pode uma redução de impostos ser considerada ruim por ocasionar “distorções”? A resposta é um categórico não. É impossível haver um aumento de distorção do conjunto de indivíduos só porque houve uma diminuição de distorção de um setor específico (via redução de impostos para este setor). Uma menor intervenção estatal agregada irá diminuir a distorção agregada, por definição.
Qualquer redução de impostos, ainda que para um único agente ou sobre um único produto, levará a menores perdas econômicas para o conjunto de indivíduos. A distorção advém do nível geral de impostos, e não do ato de redução de um imposto.
A redução de impostos para um agente não é, sob hipótese alguma, um ônus para os outros agentes. Bem ao contrário: além do beneficiário direto da redução de impostos, outros irão também beneficiar-se da maior renda deste beneficiário. Haverá mais renda disponível para consumo e para investimento.
Mais especificamente, uma redução de impostos sobre a gasolina fará com que os indivíduos tenham mais renda disponível para ser utilizada em consumo e em investimentos.
É, portanto, uma falácia dizer que a renda adicional do beneficiário se dará à custa de outros que seriam prejudicados. A redução de impostos é uma situação ganha-ganha.
Isenções geram impostos maiores?
Por fim, há o argumento de que empresas e consumidores serem beneficiados por reduções de impostos faz com que os impostos pagos pelas outros consumidores e empresas tenham de ser maiores apenas para compensar essa isenção concedida.
Isso até pode ocorrer, mas não é um problema específico das reduções, mas sim com o tamanho dos gastos do governo (no caso, governos estaduais). Logo, a solução óbvia não é abolir as isenções ou reduções, mas sim cortar os gastos governo.
Se uma empresa recebeu isenção fiscal ou se os consumidores terão um corte de impostos, então o estado tem de cortar gastos. Ponto. Se ele decide aumentar impostos para fazer frente a seus gastos, então o culpado já está evidente. Não faz sentido condenar as isenções ou reduções por isso. Quem deve ser condenado são os políticos por serem incompetentes em controlar seus gastos.
Murray Rothbard fez um comentário certeiro sobre tudo isso:
Uma das principais fontes de confusão que afeta tanto economistas quanto defensores do livre mercado é que a sociedade tem sido frequentemente definida pelo status de “igualdade perante a lei” ou de “privilégios para ninguém”.
Em consequência, muitos têm usado tais conceitos para condenar uma isenção fiscal como sendo um “privilégio” e uma violação do princípio de “igualdade perante a lei”.
Esse último conceito dificilmente constitui um critério de justiça, pois depende da justiça da própria lei.
Suponha, por exemplo, que João e sua comitiva proponham escravizar um grupo de pessoas. Deveríamos argumentar que a “justiça” pressupõe que todos sejam escravizados igualmente? E suponha que um indivíduo tenha a felicidade de escapar. Deveríamos condená-lo por livrar-se da “igualdade da justiça” a que estão condenados seus companheiros?
Resta óbvio que a igualdade de tratamento não é critério algum de justiça. Se uma medida é injusta, então o justo é que ela tenha o menor efeito possível. Igualdade de tratamento injusto não pode nunca ser considerada um ideal de justiça. Portanto, aquele que defende que um imposto seja igual para todos deve primeiro estabelecer que o imposto em si é justo.
Conclusão
A redução de impostos é sempre desejada, seja sob a ótica da moralidade, ou pela busca de eficiência econômica.
Isenções fiscais ou reduções de impostos são benéficas para aqueles contemplados por elas, mas não são subsídios. Ao contrário: isenções são como coletes salva-vidas em um mar de redistribuição forçada de riqueza.
Mises já dizia que é graças a essas brechas nas regulamentações que as economias ainda conseguem respirar.
No caso específico do ICMS sobre os combustíveis, há um agravante: muito embora seja errado dizer que “a gasolina subiu por causa do ICMS”, é um fato matemático que, mesmo com a alíquota tendo se mantida inalterada, a arrecadação do ICMS aumenta quando o preço da gasolina sobe. Ou seja, se o câmbio e o barril de petróleo (em dólares) subirem, governos estaduais automaticamente passam a arrecadar mais.
Neste sentido, governos estaduais têm sim de entrar na equação. Aumentar a arrecadação passivamente — e com isso dar aumentos para o alto escalão do funcionalismo público — simplesmente porque o barril de petróleo e o câmbio subiram é muito gostoso. Está na hora de essa gente começar a dar sua “cota de sacrifício” (no caso, simplesmente abrirem mão de arrecadar mais).
Por tudo isso, isenções e reduções de impostos são exatamente a política a ser adotada em toda e qualquer circunstância.
Lamentavelmente, essa simples constatação ainda não foi percebida por várias pessoas sensatas.
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Por Gustavo Guimarães
Publicado originalmente em:https://cutt.ly/pH7xyzh