Vou retomar uma metáfora manjadíssima para explicar nossa relação com os altos impostos cobrados no Brasil – aquela do sapo na água quente. Se aumentarmos a intensidade do fogo, o batráquio vai se adaptando às novas temperaturas e, quando percebe que a situação está insustentável, morre cozido.
É exatamente o que acontece conosco no Brasil. De tempos em tempos, o governo despeja suas necessidades de caixa em cima da sociedade, que é conclamada a pagar as contas públicas. Essa cultura foi levada ao extremo no passado e o resultado é que o Brasil é o segundo país que mais paga impostos na América Latina e no Caribe. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostram que a carga tributária brasileira chega a 33,1 % do PIB. Perdemos neste quesito apenas para um país. E qual seria essa nação? Cuba (a título de comparação, no Paraguai paga-se o equivalente a 13 % em impostos).
Há outros cálculos que podem mostrar até percentuais mais altos que esses. E há um problema ainda maior: a complexidade da malha tributária brasileira, que torna o cálculo de impostos federais, estaduais e municipais em determinados mercados um tarefa para verdadeiros gênios da matemática.
Para piorar, quando pensamos em reformas tributárias, raramente imaginamos um modelo que reduza impostos para valer – uma vez que o apetite da paquidérmica estrutura estatal é enorme. E há agravantes: em uma das ideias recentes, introduzia-se o conceito de imposto sobre valor agregado para diminuir tributos de maneira geral. Mas o setor de serviços seria chamado para tapar o buraco que se criaria.
Existe uma lenda que associa altos impostos à qualidade de vida da população, proporcionada pelo governo. Os países escandinavos, em especial a Suécia, são utilizados para reforçar essa fábula. Por muito tempo, os altos tributos inflaram a máquina estatal neste país. No início da década de 1960, por exemplo, havia 3 milhões de pessoas empregadas no setor privado. Em 1970, eram 2,6 milhões. Entre funcionários públicos e indivíduos que recebiam indiretamente salários do Estado, o movimento foi inverso: cresceu de 1,1 milhão para 3,9 milhões de pessoas.
Em 1990, a Suécia promoveu uma grande mudança neste jogo, com uma reforma tributária que reduziu os impostos de empresas de 57% para 30 %. Impostos máximos para as pessoas físicas foram reduzidos a uma alíquota de 50 % sobre a renda. Acha muito? Isso representou uma redução de 24% a 27% para a maioria dos suecos. O país continuou a reduzir taxas nos anos seguintes e diminuiu a contribuição das empresas para 26,3 % em 2009 e para 22 % em 2013.
Segundo o historiador alemão Rainer Zitelmann, que eu entrevistei ontem, entre 1990 e 2012, os gastos do governo sueco caíram de 61,3% para 52 % do Produto Interno Bruto. O resultado disso? O coeficiente de Gini, que mede a distribuição de renda em um país, cresceu carca de 30 % entre meados da década de 1980 e o final dos anos 2000.
Apesar das altas taxas ainda vigentes nos países nórdicos e no Brasil, nada se compara ao que houve na Inglaterra no pós-guerra. O governo trabalhista que sucedeu a Winston Churchill utilizou uma taxa escorchante de impostos para financiar a reconstrução do país após a Segunda Guerra Mundial.
Os impostos para as classes mais altas chegavam a 83 %. Ganhos de capital podiam ser taxados em até 98 %. Essa situação deixou o compositor George Harisson exasperado quando viu uma de suas primeiras declarações de imposto de renda após ter ficado milionário. Praticamente tudo o que havia ganho tinha sido levado pelo governo. Ele, em protesto, escreveu a música “Taxman” (“Coletor de Impostos”), que tem os seguintes versos:
“Let me tell you how it will be (Deixe-me dizer como vai ser)
There’s one for you, nineteen for me (Fique com um para você e eu pego dezenove para mim)
Should five percent appear too small (Se cinco por cento parecer muito pouco)
Be thankful I don’t take it all (Agradeça por eu não ficar com tudo)”
Por conta desse sistema, os Beatles acabaram criando a Apple, pois seus ganhos com shows e músicas ficariam acumulados em uma empresa, que tinha tratamento fiscal diferenciado. A gula tributária do Estado, que foi assimilada sem grandes questionamentos pelos governos conservadores que eventualmente assumiram o poder, só foi cortada na gestão de Margaret Thatcher.
De um lado, Thatcher puxou o freio nos gastos estatais, o que provocou recessão. Mas, ao diminuir impostos e privatizar várias empresas, a primeira-ministra saiu de um déficit nas contas estatais de 4,4 % em 1978 (o governo teve de tomar dinheiro emprestado do Fundo Monetário Internacional dois anos antes) para um superávit de 1,6 % em 1989. Os salários dos trabalhadores cresceram 25, 8 % entre 1979 e 1994. Neste mesmo período, os vencimentos da classe trabalhadora na Alemanha aumentaram 2,5 % e na França 1,8 %.
Se tivéssemos feito reformas semelhantes a essas nos últimos dez anos, com foco em menos impostos e em um estado mais leve, teríamos uma economia mais sólida e menos propensa a sofrer os efeitos da turbulência internacional. Por isso, não podemos deixar de debater esse tema e insistir em uma agenda de trabalho que possa levar o Brasil a cenário de desenvolvimento sustentável e investimento produtivo pleno.
Uma resposta
Uma frase que desde criança volta e meia ouço diz que o Brasil só vai pra frente quando houver uma revolução pra valer aqui, tipo revolução francesa – com muito sangue. Quando vejo o tsunami antiprivatista que se levanta toda vez que, mesmo timidamente, se tenta levar adiante nas esferas de governo qualquer privatização ou reforma estruturante, fico refletindo se a tal revolução não seria talvez o único caminho para desinchar o Estado brasileiro: “cortar na carne do governo”, como se costuma dizer, mas só que corte no sentido literal…