Os lobbies e o STF continuam poderosos no Brasil – uma foi boicotada
Duas iniciativas importantes da Secretaria de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia foram discutidas recentemente pelos agentes políticos:
1) isenção tributária para estrangeiros em investimentos em renda fixa;
2) redução generalizada do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Ambas são positivas — e até mesmo cruciais — para a competitividade brasileira. Impostos são custos artificiais implantados pelo estado. Consequentemente, uma redução de impostos reduz os custos das empresas e, consequentemente, afeta para baixo os preços ao consumidor. Adicionalmente, menos custos artificiais facilitam mais investimentos e, logo, mais empregos.
Ambas as medidas, porém, estão paradas. Uma foi interrompida por causa de uma lei eleitoral. A outra, por lobby.
Isenção para estrangeiros é crucial — e racional
A isenção para estrangeiros em investimentos em renda fixa é incontroversa.
É praxe ao redor do mundo que apenas o país de domicílio fiscal do investidor tribute seus rendimentos, evitando bitributação e permitindo livre fluxo de capital internacional.
A exceção são os investimentos oriundos de países com tributação baixa (abaixo de 20%) — raivosamente denominados de “paraísos fiscais”—, os quais são taxados também no país que gerou os rendimentos. (Países como o Brasil e outros que impõem tributação alta seriam mais bem caracterizados pela alcunha “infernos fiscais”.)
O Brasil há bastante tempo adota a prática internacional para todo tipo de investimento estrangeiro, com uma curiosa exceção: os investimentos em renda fixa (não governamentais), principalmente debêntures emitidas por empresas.
São isentos os investimentos em Bolsa, em títulos públicos, em ações de empresa de capital fechado; no entanto, os juros e os ganhos de capital de debêntures (bem como CRIs e CRAs) são tributados a 15% de alíquota.
Uma empresa pode se financiar via a) empréstimos bancários, b) venda de títulos como as debêntures ou c) por venda de ações ou participações.
Ao discriminarmos o investidor estrangeiro em debêntures, as empresas brasileiras perdem uma fundamental fonte de capital barato.
Investidores estrangeiros detêm mais de metade do capital das empresas listadas em Bolsa, mais de 70% dos aportes em venture capital e private equity, mas apenas 2,5% das debêntures e demais títulos de renda fixa emitidos por empresas. Um eventual aumento de participação estrangeira para 15% pode representar uma entrada de mais de R$ 100 bilhões em capital para empresas.
Isso não pode ser desprezado.
A escassez de capital no Brasil explica nossos menores salários, nosso menor crescimento e nossos juros mais altos. É por causa do capital adicional em maquinário moderno que o funcionário de linha da Tesla ganha muito mais que o equivalente trabalhador brasileiro em uma montadora no Brasil. Caso o brasileiro fosse contratado pela gigaunidade da Tesla em Austin, ganharia o mesmo que o trabalhador americano, após um breve período de treinamento.
Assim como a serra elétrica aumenta a produção em relação a um serrote ou a um machado, e um trator multiplica enormemente a produção agrícola em relação a uma enxada, o uso de máquinas e equipamentos modernos multiplica enormemente a produtividade dos trabalhadores — e, consequentemente, seus salários e sua qualidade de vida.
Um operário norte-americano ganha cem vezes mais que o indiano não por “trabalhar mais duro” ou por ser mais inteligente, mas sim por utilizar cem vezes mais capital moderno (máquinas, ferramentas, instalações industriais, meios de transporte etc.) que seu colega indiano.
Países ricos são aqueles em que a quantidade e a qualidade das máquinas e das ferramentas disponíveis são muito maiores do que nos países pobres.
Por isso, é racional facilitar ao máximo a disponibilidade destes itens em qualquer país. Mas isso depende de investimento estrangeiro.
O aumento de capital estrangeiro para empresas brasileiras, oriundo de mais investimentos estrangeiros, é exatamente o que propiciaria equipamentos melhores e, consequentemente, maiores salários.
Mas isso está travado por lei eleitoral — e junto com a correção da tabela do Imposto de Renda.
O IPI e o lobby da Zona Franca
Já a iniciativa de redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), cuja redução seria de 25% a 35%, teria um impacto semelhante em termos de competitividade e ainda maior em termos de preços mais baixos ao consumidor.
O IPI, como se sabe, é um imposto indireto que incide sobre a venda de todos os produtos industrializados. Ao contrário do ICMS, seu valor não está embutido no preço final; ele é pago separadamente na nota fiscal. Por isso, uma eventual redução sua teria impacto direto no custo final.
No entanto, o lobby da Zona Franca de Manaus (ZFM) foi contra e, por meio do ministro Alexandre de Moraes, obteve uma liminar do STF cancelando a redução do IPI de todos os produtos fabricados nacionalmente e que tenham concorrentes na Zona Franca de Manaus.
A Zona Franca de Manaus foi concebida em 1967 pelo então ministro Roberto Campos como um paraíso fiscal temporário (30 anos) para fomento de desenvolvimento da Amazônia. Mas, como todo programa temporário de governo, virou permanente e já garantiu por lei os primeiros 106 anos.
Foi criada uma cultura do direito adquirido, e está claro que a ZFM será, sempre, obstáculo ao desenvolvimento do Brasil. O governo quer tornar o país um “inferno fiscal” de fogo menos intenso, mas a ZFM, que representa 0,5% do PIB nacional, alega que assim perde competitividade — pois suas margens de lucro diminuem comparativamente ao inferno melhorado.
Isso é puro protecionismo.
Pior: comprova e solidifica essa nova fase de “ativismo econômico” do Supremo Tribunal Federal.
Vale lembrar que, ao fim de 2020, pela primeira vez na história do país, o STF passou a fazer “política industrial” ao vetar uma redução de tarifas de importação para revólveres e pistolas, redução esta que havia sido anunciada dias antes pelo governo federal. Foi a primeira vez na história que a Suprema Corte do país legislou sobre tarifas de importação, e o argumento explícito foi o de que a redução das tarifas acarretaria uma “perda automática de competitividade da indústria nacional […] considerado patrimônio nacional”.
Agora, o STF repete o feito, desta vez visando a proteger um setor nacional da concorrência de outros setores nacionais. Ou seja, agora temos também um protecionismo interno.
Ficaremos reféns?
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Por Helio Beltrão
Publicado originalmente em: cutt.ly/FJx3lpC