O presidente Jair Bolsonaro já foi eleito diversas vezes pelo sistema de voto eletrônico. Mesmo assim, ele critica seguidamente este mecanismo, que permite ao Brasil declarar os vencedores do pleito horas após o fechamento das zonas eleitorais. Introduzido no Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso, as urnas eletrônicas sempre foram alvo de suspeitas por parte de uma minoria – e esse comportamento não foi, como parece ser hoje, uma exclusividade da direita brasileira.
Em 2002, por exemplo, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva disse o seguinte: “Nada é infalível, só Deus. Vamos pegar o que aconteceu aqui, quantas denúncias já foram feitas de defunto que vota, de cidades que têm mais eleitores do que habitantes.” Diante disso, ele arrematou: “Não sabemos se a urna pode ser manipulada ou não”. Como se sabe, Lula venceu aquela eleição, foi reeleito e ainda fez sua sucessora, Dilma Rousseff.
Em 2009, um projeto de lei, de autoria do deputado pedetista Brizola Neto reintroduziu o voto impresso no país a partir de 2014. O PL, relatado pelo deputado Flávio Dino, do PC do B, obrigava a impressão dos votos, que seriam depositados em uma urna lacrada e ficariam à disposição da Justiça Eleitoral.
Depois disso, uma briga sem fim dentro do Congresso e no Supremo Tribunal Federal acabou por enterrar a possibilidade da volta do voto impresso, que volta e meia é discutida no Parlamento. Os ânimos foram serenados na esquerda, mas uma boa parte da direita parece acreditar na tese de Bolsonaro – de que haverá fraude na próxima eleição (desde que o vencedor, evidentemente, não seja ele).
O presidente, sempre que pode, fala em manipulação dos votos e já disse ter provas irrefutáveis disso (mas nunca as apresentou). Essa atitude tem efeitos práticos. Segundo o Datafolha, 82% dos brasileiros confiavam no sistema de votação e nas urnas eletrônicas em março deste ano. No mês passado, porém, esse índice caiu para 73 %.
Bolsonaro aproveita-se de uma grande desinformação sobre o tema para vender sua tese, que é comprada por um número expressivo de eleitores da classe média, pessoas inteligentes e de boa formação. Há dois fatores que permitem a instalação dessa dúvida na cabeça do eleitorado.
A primeira é que as urnas podem ser invadidas com facilidade. De fato, qualquer hacker iniciante pode invadir o sistema desses aparelhos em questão de minutos. O problema é que isso precisaria ser feito isoladamente em cada uma das máquinas. Não há como fazer isso de uma vez só em várias urnas, que operam de forma “stand alone”. Para que houvesse uma fraude que permitisse a manipulação de resultados, assim, seriam necessárias milhares de pessoas, uma vez que há no Brasil cerca de meio milhão de urnas eletrônicas. A chance de se fazer isso em segredo? Nenhuma.
O outro ponto, no entanto, seria a possibilidade de se interferir no sistema durante a compilação dos sufrágios. Também isso seria dificílimo, pois a soma final de votos é fiscalizada e acompanhada por representantes de todos os partidos. E há diversos mecanismos de defesa contra invasões.
Bolsonaro já foi alertado por pessoas de sua confiança sobre a segurança das urnas e, ainda assim, insiste em manter seu discurso. Por quê? A razão é simples. Ao continuar na mesma trilha e, ao mesmo tempo, cutucar o Judiciário, Bolsonaro criou uma armadilha na qual caíram os ministros de nossas altas cortes.
Ao responderem as cutucadas do presidente com declarações apaixonadas, os ministros do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral passam a impressão clara de que estão contra Bolsonaro. O mandatário, assim, quer martelar na cabeça do eleitorado de que os magistrados não são imparciais. A mensagem subliminar que ele deseja passar, especialmente quando chama um dos ministros de “leninista”, é a de que haveria um conluio na Justiça em favor de Lula.
Esse raciocínio, embora improvável, acaba ganhando terreno entre conservadores e eleitores de Centro. Somado à lenga-lenga das urnas eletrônicas, pode causar danos à democracia brasileira.
Mas, ao mesmo tempo, o que devem fazer os representantes do Judiciário?
O silêncio, evidentemente, não seria uma boa reação. Afinal de contas, não se combate a suspeita de parte da população com desdém. É preciso de serenidade e frieza nesta hora. Rebater as suspeitas com argumentos técnicos e sem paixão. Quanto mais emocional se tornar essa discussão, pior será para todos.