Pesquisar
PATROCINADORES
PATROCINADORES

Open health promete eficiência na saúde, mas tem riscos

Baseada no open banking, Saúde se movimenta para aplicar lógica semelhante aos dados dos pacientes

No começo de 2022, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou em entrevista ao Valor Econômico que o Governo Federal avaliava redigir uma medida provisória para criar o open health, um sistema de compartilhamento de dados dos usuários de operadoras de planos de saúde. De acordo com o ministro, a intenção seria ampliar a livre concorrência.

A ideia é que o sistema funcione nos moldes do open banking, que possibilita ao consumidor consentir em compartilhar seus dados com instituições financeiras para receber serviços personalizados dos bancos.

A proposta levantou um importante debate, sobretudo quanto à possibilidade de utilização de informações de saúde e condições físicas dos beneficiários pelas operadoras de planos de saúde para que possam selecionar o risco antes de aceitar a contratação de um consumidor.

Com os dados abertos, as empresas poderiam oferecer planos mais baratos para aqueles clientes que “usam menos”. O ministro admite que a intenção, com a MP, é fazer os usuários migrarem do SUS, “sobrecarregado”, para a saúde privada.

O ministro alega que a medida aumentará a competitividade no setor e trará um atendimento mais personalizado, já que com informações pessoais dos pacientes, as operadoras poderão oferecer serviços de acordo com a necessidade de cada um.

João Alvarenga, diretor-executivo de TI & Digital do Grupo Hermes Pardini, acredita que a tecnologia irá facilitar tanto a vida do paciente quanto das empresas que o atendem. “No mundo de hoje, o compartilhamento de dados é essencial, principalmente no segmento de saúde. Se bem implementado e a indústria de healthcare conseguir essa interoperabilidade, o sistema pode melhorar o acesso à saúde. – além da conta ficar mais barata”, exalta.

Obstáculos à vista

Embora o modelo open health prometa mais transparência e competitividade, como acredita o ministro Queiroga, os críticos levantam questionamentos a respeito da segurança e do modelo de uso dos dados de pacientes caso o compartilhamento seja implementado.

De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – aprovada em 2018 e em vigor desde o ano passado –, as informações pessoais sobre a saúde do indivíduo são consideradas sensíveis. O Artigo 11 da LGPD veta o uso desses dados “com o objetivo de vantagem econômica”, a menos que a informação seja solicitada pelo titular dos dados. Ou seja, as operadoras não poderiam cobrar mais caro em caso de usuários que sofram de males crônicos ou adquiridos antes do contrato.

A coordenadora-adjunta da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Shirley Morales, afirmou que o conselho ainda não foi procurado oficialmente pelo governo para participar da discussão sobre essa mudança que atingira principalmente a saúde complementar.

Em 7 de fevereiro, o CNS publicou uma recomendação direcionada ao Ministério da Saúde cobrando justamente que o debate do open health seja feito com a participação da sociedade civil – a maior interessada no caso.

De acordo com Morales, existe a preocupação de que a coleta de dados provoque prejuízo aos beneficiários, que poderiam ter direitos cerceados ou sofrer alguma exclusão de acordo com o seu perfil. “Se o paciente tiver uma condição de saúde mais fragilizada, por exemplo, o plano pode se recusar a oferecer determinados procedimentos, ou até cobrar valores abusivos”, explicou – um problema que atinge consumidores nos Estados Unidos e, por lá, chega a impedir procedimentos previstos.

Há ainda o receio de risco para a proteção de dados dos usuários, que estariam à mercê de ligações e ofertas de planos menos vantajosos, mas com preços melhores – algo que atormenta consumidores com serviços bancários e planos de telefonia móvel e internet. Por isso, Morales acredita que a participação do CNS e da sociedade civil, por meio de audiências públicas, seria o melhor caminho para adequar o projeto à realidade brasileira.

Segundo Alvarenga, algumas empresas temem embarcar no negócio devido aos trâmites legais  “Muita empresa vê o sistema como um investimento de risco por ter que se encaixar nas normas governamentais”, mas a maioria enxerga como oportunidade, como um processo criativo capaz de mudar o jogo”, explica.

Quais são suas potenciais vantagens?

Algumas já foram mencionadas anteriormente, mas entre as citadas pelo ministro e pelos especialistas que são a favor da criação do Open Health, estão:

  • Maior concorrência do setor;
  • Pacientes poderão contar com planos de saúde mais baratos, de acordo com a oferta;
  • Transparência no setor de saúde suplementar;
  • Saúde pública ficará menos sobrecarregada;
  • Em hospitais, consultas e exames eletivos, será mais fácil acessar o prontuário do paciente, que não precisará levar exames prévios, laudos, imagens, prescrições, atestados e outros registros de procedimentos anteriores;
  • Portabilidade do plano de saúde será mais rápida, podendo ser realizada em questão de segundos.

Estes benefícios se tratam apenas de expectativas, já que o sistema está, aparentemente, longe de ser implantado e suas vantagens ainda não estão totalmente mapeadas.

Para Alvarenga, a dificuldade em achar um diagnóstico seria praticamente extinto com o novo sistema, que reduziria custos. “Com isso, paramos com a questão de tentativa e erro, onde gastamos mais com exames falhos. A partir de tratamentos orientados por evidências e com base no histórico do paciente, se torna algo completamente diferente da confusão que os pacientes e médicos vivem hoje. Faríamos algo mais direcionado, focado e com chance de sucesso muito maior, o que refletiria em toda a cadeia da indústria”, assegura.

Quais os riscos?

Mesmo com suas possíveis vantagens e o entusiasmo do governo e de algumas empresas na criação do open health, vários especialistas demonstram preocupação e são contrários.  Isto porque, embora a constante comparação com o open banking e o open iInsurance, os dados usados por estes setores são menos delicados e pessoais.

“É precipitado pensar em uma operacionalização do open health por meio de medida provisória, sem providências prévias de segurança da informação no Ministério da Saúde e sem envolvimento do setor e da sociedade civil. O mínimo que se espera de uma discussão como essa, que envolve mais de um órgão regulador e os setores público e privado, é que seja precedida de todos os meios disponíveis de participação social”, explica Camila Leite Contri, advogada e pesquisadora do programa de Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

O sistema de saúde brasileiro é alvo de constantes ataques cibernéticos, possuindo lacunas e defasagens em sua segurança. O ministro Queiroga não foi claro em suas intenções de assegurar o direito à proteção de dados, além da necessidade do consentimento do indivíduo para o compartilhamento das informações. Além disso, os dados estão muito espalhados em diversos sistemas, sejam eles públicos ou privados, ao contrário dos dados financeiros, que estão centralizados nas instituições bancários da qual o sujeito é ou foi cliente.

Há também uma detalha que escapa à LGPD. Os dados de saúde são protegidos por outras normas, como a regra de sigilo entre paciente e profissional. Este fator complica a instauração do open health aos olhos jurídicos. O Art. 11, parágrafo 5º, da LGPD proíbe o uso de dados dos beneficiários por parte das operadoras “para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários”. 

Há também preocupação em relação aos direitos do consumidor, com a possibilidade do open health acabar sendo uma brecha para que operadoras adotem condutas discriminatórias para dificultar a contratação ou a troca de plano de saúde, prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor (Art. 39).

O setor da saúde avançou bastante nos últimos anos em diversos aspectos, sejam esses teóricos ou funcionais. Tecnologicamente, as instituições também se apresentam mais qualificadas e com maior aderência digital, a partir de investimentos realizados recentemente – muitos deles impulsionados pela pandemia. Diante do cenário atual, mesmo com desafios, o público pode aguardar uma movimentação e mudanças no segmento. A dsicussão está em aberto, pode trazer vantagens, mas é preciso atenção aos detalhes.

O que MONEY REPORT publicou

Compartilhe

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar

©2017-2020 Money Report. Todos os direitos reservados. Money Report preza a qualidade da informação e atesta a apuração de todo o conteúdo produzido por sua equipe.