Grupo de 43 procuradores de todos os estados e do DF entra com notícia-crime contra Bolsonaro junto ao procurador-geral da República, Augusto Aras
Um grupo de 43 procuradores de todo país, que atuam na área de direitos do cidadão do Ministério Público Federal, encaminhou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma “notícia de ilícito eleitoral” contra o presidente Jair Bolsonaro. Na representação, enviada nesta terça-feira (19), os agentes pedem que Aras abra uma investigação contra o chefe do Executivo pelos ataques infundados ao sistema eleitoral feitos num evento com embaixadores no dia anterior.
Durante o encontro realizado na segunda-feira (18) no Palácio da Alvorada, em que estavam 60 embaixadores, o presidente voltou a fazer acusações, sem apresentar provas, de fraudes no sistema eleitoral brasileiro. Segundo o documento dos procuradores, Bolsonaro fez um “ataque explícito ao sistema eleitoral, com inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia”. O pedido aponta na conduta possível crime eleitoral decorrente de abuso de poder.
Entre as falas, é possível citar:
- “Apenas Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas eletrônicas sem voto impresso”, disse o presidente. Mentira. “O voto eletrônico é adotado por pelo menos 46 nações”, rebatem os procuradores;
- “Hacker teve acesso a tudo dentro do TSE”, disse o presidente. Mentira. “É falso que hacker teria atacado sistema de votação no 1º turno das Eleições Municipais de 2020”;
- “PSDB disse que sistema é inauditável”, disse o presidente. “Auditoria do PSDB não encontrou fraude nas eleições”;
- “Observadores internacionais não conseguirão analisar a integridade do sistema, pois não há voto impresso”, disse o presidente. “Organismos internacionais especializados em observação já iniciaram análise técnica sobre a urna eletrônica. Contarão com peritos em informática, com acesso ao código-fonte e todos os elementos necessários para avaliarem a transparência e integridade do sistema eletrônico de votação”;
- “Ministro Barroso indevidamente acusou Bolsonaro de vazar inquérito sigiloso, quando ele não era sigiloso”, disse o presidente. “Corregedoria da PF disse que o inquérito era sigiloso pelo fato de ainda estar aberto”;
- “Ministro Fachin foi advogado do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra)”, disse o presidente. “O Ministro Luiz Edson Fachin nunca foi advogado do MST”.
A Procuradoria-Geral da República é o órgão com competência constitucional de determinar investigações contra o presidente – desta vez por meio da Procuradoria-Geral Eleitoral. Portanto, a PGR deve seguir “sua missão constitucional de proteção da democracia”, cobram os procuradores, sobre os atos de Bolsonaro.
Desde que as urnas eletrônicas começaram a ser usadas no Brasil na década de 90, nunca houve registro de fraude. Na terça-feira (19), um grupo de 33 subprocuradores da República também divulgou uma nota pública em que critica a conduta de Bolsonaro e cita que “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” configura crime de responsabilidade.
Como chefe do Ministério Público Federal, Aras responde também como procurador-geral Eleitoral, e é encarregado de levar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) os processos relacionados às eleições para presidente. Indicado por Bolsonaro, ele tem atuação alinhada ao governo e é criticado na comunidade jurídica, que aponta parcialidade e omissão diante de potenciais irregularidades cometidas pelo governo. Vários pedidos de investigação contra o presidente foram arquivados por Aras ao longo do mandato. Ao jornal Estado de S.Paulo, a Procuradoria-Geral da República disse que a representação dos 43 procuradores está sendo analisada pela vice-procuradoria-geral eleitoral.
Os procuradores que assinam a notícia-crime atuam na Procuradoria dos Direitos do Cidadão nos 26 Estados e no Distrito Federal. Em abril, essa Procuradoria assinou um termo de cooperação com o TSE, em que se dispõe a auxiliar na defesa da integridade do processo eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação.
Raiva e medo
A conduta de Bolsonaro também foi interpretada pelos procuradores como incentivo à anomia e ao descontrole social. “O direito à liberdade de expressão abarca também o processo de formação e divulgação das opiniões. A mudança de ideia é uma liberdade das pessoas e como a desinformação trabalha com base nas emoções, ela pode despertar sentimentos de superioridade, raiva ou medo”, afirmam os integrantes da PFDC.
“A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder (…) A desinformação deve ser veemente combatida, pois cria narrativas paralelas que tentam formar opiniões com base em manipulação, emoção, utilizando, inclusive, artifícios tecnológicos que podem dar uma precisão nunca outrora vista em relação ao perfil das pessoas a serem enganadas.”
Repercussão internacional
As declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) aos embaixadores, na segunda-feira (18), criticando as urnas eletrônicas, viraram manchetes internacionais. Além da mesma conversa contra as urnas, o chefe do Executivo federal emendou seu palavreado contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O jornal britânico “The Guardian” escreveu que o sistema de votação no Brasil é utilizado desde 1996 e nunca ninguém reclamou de nada, assinalando que as críticas do líder da extrema-direita brasileira são infundadas e põem em risco as eleições de outubro. O “The New York Times”, por seu lado, classificou a conversa com os diplomatas como uma estratégia pela eleição que ele perderá, como dizem as pesquisas eleitorais. O jornal americano ainda comparou a conduta de Bolsonaro à de Donald Trump, que desacreditava as eleições nos Estados Unidos. Já o “The Washington Post” publicou que Bolsonaro não apresentou nenhuma evidência de suas afirmações, indicando que o presidente está preparando um clima para rejeitar o resultado da eleição.
Confira a notícia-crime: