Presidente criticou banqueiros, empresários, juristas, intelectuais e artistas, alimentando clima de conflito
Em tempos de inócuos manifestos de repúdio, a carta em defesa dos valores democráticos que critica os arroubos e ameaços autoritários do presidente Jair Bolsonaro (PL) ganha o peso de 660 mil assinaturas. Por isso, seus participantes foram tachados de “sem caráter” e “cara de pau” pelo presidente, que duvida sistematicamente – e por conveniência – dos mecanismos eleitorais que sempre o elegeram, mesmo sem apresentar provas. “Pessoal que assina esse manifesto (por democracia) é cara de pau, sem caráter”, declarou Bolsonaro nesta terça-feira (2), durante entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre. O documento será lido publicamente em 11 de agosto.
A carta foi organizada pela Faculdade de Direito da USP em reação aos ataques do chefe do Executivo contra as urnas eletrônicas. Em 18 de julho, Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada para desacreditar o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O episódio provocou críticas internacionais e uma reação que as poucos virou uma espécie de quase todos contra o presidente, com a participação de juristas, ex-ministros Supremo Tribunal Federal (STF), professores universitários, membros dos tribunais de contas, promotores de justiça, empresários, banqueiros, artistas e líderes políticos, incluindo os presidenciáveis.
Bolsonaro também criticou os banqueiros, incluindo Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, ambos do Itaú Unibanco. “Olha quem assinou: banqueiros. Banqueiros estão contra o Pix (…) Veja o padrão das outras pessoas: artistas, que foram desmamados da Lei Rouanet. Olha o perfil dos políticos”, afirmou. “Veja o que esse pessoal de esquerda que assinou o manifesto pela democracia fala de Cuba?” Ele alega que os bancos teriam perdido R$ 40 bilhões em taxas [outras vezes fala em R$ 20 bilhões], ignorando propositalmente que a circulação de recursos pelo sistema bancário ganhou agilidade, dando mais liquidez aos bancos.
Repeteco
O discurso segue o roteiro de um presidente que nunca deixou de fazer campanha eleitoral. Primeiro ele ataca para depois, ao ser criticado, se colocar como vítima para manter os ânimos de sua militância em alta, na expectativa de angariar mais votos e manter o clima de conflito instituicional nas eleições. É uma maneira de dobrar as apostas em cima da polarização. Sem os resultados desejados, no 7 de setembro do ano passado, o presidente insuflou seus apoiadores contra os ministros do Supremo, em especial Alexandre de Moraes. Depois convocou o ex-presidente Michel Temer para aliviar a crise interna e externa que ele mesmo havia criado. Às vésperas da eleição presidencial mais tumultuada desde a redemocratização, nada deverá ser muito diferente – mas o tom deve ser mais elevado ainda.
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