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Rastrear o mercúrio apontará quem mata yanomamis

Em agosto de 2022 a crise humanitária em Roraima já estava desenhada e suas causas foram noticiadas por MR
Como o tóxico metal líquido entra contrabandeado no Brasil e vai contaminar rios de terras indígenas
  • Publicado originalmente em 07 de agosto de 2022

Como combater os maiores criminosos ambientais do Brasil, os garimpeiros ilegais que poluem rios da Amazônia? Uma grande reportagem do The New York Times, em 2 de agosto, revelou a dimensão da rede de mais de 1,2 mil pistas de pouso clandestinas abertas para garantir o abastecimento dos acampamentos e o escoamento do ouro ilegal. “Cerca de 60% estão em terras indígenas e protegidas, onde qualquer forma de mineração é proibida”, aponta a reportagem, que critica a falta de fiscalização. Muitas delas foram abertas pelo governo para que agentes de saúde atendessem aldeias indígenas, mas que acabaram tomadas pelos garimpeiros, que bloqueiam qualquer um que se aproxime jogando tonéis de combustível no caminho.

A sugestão óbvia é reprimir. Muito lá de tempos em tempos, a Força Aérea explode algumas dessas pistas para efeitos midiáticos. Mas há outras soluções. Uma delas passa pelo maior agente poluidor, o mercúrio. Chamada de artesanal, a extração precária de ouro não ocorre sem o emprego do metal líquido. O mercúrio é um agregador que serve de imã para unir pedacinhos de ouro, tornando-os visíveis no meio da lama retirada de rios e veios. Depois é descartado na água, envenenando rios. Sua ingestão pelo consumo de peixes e plantas prejudica o desenvolvimento das crianças e ataca o sistema nervoso central, causando desde perda de visão e fadiga crônica até doenças cardiovasculares e transtornos mentais, de acordo com um relatório da Fiocruz. Uma análise do governo na água coletada de quatro rios da Terra Indígena Yanomami, entre Roraima e Amazonas, encontrou níveis de mercúrio 8.600% mais altos do que é seguro para consumo humano. “A destruição em algumas comunidades é total”, afirmou Junior Hekurari, funcionário de saúde indígena, ao NYT. “A mineração está em todos os lugares.”

O New York Times cita a organização yanomami Hutukara, que estima que mais da metade dos habitantes do território estão prejudicados. Entre as consequências descritas estão a desnutrição por causa de colheitas destruídas ou abandonadas, e a malária espalhada pela proliferação de mosquitos em minas ao ar livre e áreas desmatadas.

De táxi

Dificultar o acesso ao insumo essencial da mineração predatória seria o ideal – mas parece impossível. Em 2017, o governo ratificou o Tratado de Minamata, que restringe o comércio do metal tóxico. E só. Em 9 de agosto, o Ministério da Justiça divulgou que a Operação Guardiões do Bioma – Terras Indígenas havia apreendido 36 aeronaves e 24 toneladas de minérios (cassiterita, ouro e mercúrio) de garimpos ilegais dentro do território yanomami, em Roraima, entre 5 de julho e 7 de agosto. O Brasil não produz uma grama de mercúrio. Tudo é importado ilegalmente.

No norte do Brasil, o contrabando se dá pelas fronteiras conjugadas da Venezuela e da Guiana, países pobres que também vivem corridas do ouro. Só a Guiana importou legalmente 34,5 toneladas de mercúrio em 2019, o equivalente a 40 gramas para cada habitante. Boa parte entra no Brasil pelo rio Tacutu, que pode ser cruzado a pé. Pela Venezuela, uma das portas é o rio Uraricoera. Depois o mercúrio é embarcado em táxis e ônibus para Boa Vista. Uma garrafa pet de dois litros comporta 20 quilos de mercúrio. É um tráfico às miudezas, mas cuja cadeia na Amazônia Legal envolveria cerca de 800 mil pessoas, estima o Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF). Nessa conta estão empresários, autoridades, pilotos, comerciantes, fiscais, motoristas, mateiros, cozinheiros, vigias, até chegar a quem fica na bateia ou mergulhado dragando os rios. É um estrutura grande, precária para quem participa e altamente lucrativa para seus financiadores. Mas onde passa táxi passa camburão. Prender esses criminosos é fundamental. Se antes eles eram grandes sonegadores e destruidores da natureza – o que não é pouco -, agora desceram ao fundo da desumanidade com a prática de limpeza étnica.

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