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Um hábito que não deveria acabar: escrever à mão

Leio no jornal Valor Econômico um artigo publicado originalmente no Financial Times sobre a importância de se escrever à mão. Isso ocorreu logo depois que eu redigi, de próprio punho, uma procuração para que meu vizinho me representasse em uma reunião de condomínio (como estou em convalescência da cirurgia no quadril, o médico ainda não me deixou sair de casa, nem que seja para andar até o salão de festas do prédio). Confesso que senti as mesmas dificuldades pelas quais passou a autora do texto. Minha letra estava bem pior do no passado (garranchos, no caso dela) e tive de refazer o texto duas vezes – mesmo assim, a versão final chegou ao destinatário com alguns erros cobertos por riscos.

O artigo apresenta um dado alarmante, mas plenamente previsível: “Quase 60% dos britânicos dizem que escrevem menos à mão do que cinco anos atrás, segundo pesquisa realizada no ano passado, e 12% nunca escreveram sequer uma lista de compras. As crianças mandam e-mails para Papai Noel e algumas têm dificuldade em segurar a caneta”. Essa última informação, confesso, me trouxe calafrios. E-mail para o Papai Noel? Conferi e é verdade. As crianças brasileiras podem acessar http://emailaopapainoel.com.br. Já aquelas que se comunicam em inglês precisam entrar no site https://emailsanta.com .

A dificuldade em usar uma caneta me surpreendeu, pois sempre estou anotando informações durante entrevistas. Fui, então, dar uma olhada nessas anotações: palavras quase que ilegíveis, rabiscadas apenas para servir de suporte para fazer novas perguntas. Pensei comigo mesmo: “Se estou nessa situação, imagine quem já não gostava de escrever?”.

Estudos mostram que escrever à mão é algo que impulsiona a inteligência. É como se o cérebro fosse um músculo e a caligrafia fosse um aparelho de academia. Uma pesquisa conduzida pela Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia em 2020, por exemplo, mostra que o cérebro fica muito mais ativo quando se escreve à mão.

Antes de comprar meu primeiro computador, em 1992, passei muito tempo usando máquinas de escrever: Olivetti, Olympia e Remington foram as que mais usei. Era uma barulheira infernal, como qualquer um pode imaginar. Agora, tente projetar em sua mente mais de cem jornalistas batucando em suas máquinas ao mesmo tempo em uma redação de jornal em pleno fechamento de edição. Era isso o que acontecia até os anos 1980, quando os sistemas de edição por computadores começaram a chegar nos meios de comunicação.

Depois de ler esse artigo sobre a caligrafia, percebi um hábito que desenvolvi há alguns anos. Quando preciso de inspiração ou de concentração para bolar algo novo, uso um caderno e caneta – nunca o computador. Até recentemente, achava que o uso de ferramentas analógicas nesses momentos era um costume decorrente de minha idade.

Mas, ao ler que o cérebro é muito mais ativado quando utilizamos a mão para escrever, faz muito mais sentido usar um papel e caneta quando se está à cata de ideias novas.

Percebo o inevitável: ultimamente, estava negligenciando a caneta. Afinal, o processador de textos é uma das mais incríveis invenções de todos os tempos. É possível fazer edições instantâneas e práticas. Frases – ou até parágrafos inteiros – podem ser trocados de lugar sem nenhum esforço.

Mas, depois de ler o artigo no Valor Econômico (https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2022/08/17/por-que-o-habito-de-escrever-a-mao-nao-deveria-desaparecer.ghtml ), tomei uma resolução: pelo menos uma vez por semana, escreverei alguma coisa à mão. A sensação de perceber a própria caneta como fio condutor de suas ideias é simplesmente magistral – e não pode ser esquecida impunemente.

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