Alguns políticos alinhados com o presidente Jair Bolsonaro, pelo jeito, elegeram a jornalista Vera Magalhães como um alvo a ser combatido. Anteontem, foi a vez de o deputado estadual Douglas Garcia atacar a profissional de imprensa nos bastidores de um debate entre os candidatos a governador de São Paulo. O ataque se baseou em duas afirmações:
+ Vera teria um contrato de R$ 500 000 com a TV Cultura e deveria divulgar o documento. Essa acusação, porém, não é verdadeira. Ela recebe R$ 20 000 mensais para ancorar o programa Roda Viva e já publicou seu contrato nas redes sociais.
+ Ela seria uma “vergonha para o jornalismo do Brasil”. Para deixar bem claro o que pensa, ou por não ter condições de aprofundar seu raciocínio, Garcia repetiu essa frase inúmeras vezes (só a palavra “vergonha” aparece oito vezes em um vídeo postado nas redes sociais).
Vera Magalhães é uma articulista que critica seguidamente o governo e isso incomoda muito a base de apoiadores do presidente. Ela é uma figura pública e está exposta a pessoas descontroladas, como o deputado em questão. Mas é preciso lembrar que Vera também é listada pelos petistas como uma das jornalistas que cutucaram Luiz Inácio Lula da Silva durante a Operação Lava-Jato e que atacava a política econômica durante o governo de Dilma Rousseff.
Vera é paga pelos veículos onde trabalha para dar sua opinião. E, neste aspecto, ela é sempre negativa em relação a Jair Bolsonaro, como já discordou de Lula e de Dilma. Um tuíte recente da jornalista diz o seguinte: “eu sou crítica a Bolsonaro, mas também ao que nos trouxe até ele. E a essa tentativa perversa do PT de manter essa polarização em extremos burros, nefastos e insidiosos”
Até alguns anos atrás, os políticos relevavam críticas de jornalistas e mantinham um convívio respeitoso com aqueles que publicavam alfinetadas contra eles na imprensa. Aqui e ali, tínhamos uma exceção à regra, como no programa Roda Viva, no qual o governador Orestes Quércia perdeu as estribeiras com o jornalista Rui Xavier, do Estado de S. Paulo, que compunha a bancada de entrevistadores. Xavier havia perguntado sobre o enriquecimento de Quércia durante sua carreira de político. Depois de acusar o “Estadão” de persegui-lo, o governador começou a gritar e repetir para o jornalista: “Mentiroso. Caluniador. Safado. Malandro”.
Pessoas como o deputado Garcia acabam estimulando o fortalecimento de um espírito de corpo em torno de Vera Magalhães. Mesmo aqueles que não concordam com o conteúdo combativo de seus comentários se sentem impelidos a apoiá-la em um momento desses.
Quem conheceu o Rio de Janeiro dos anos 1970 e 1980 podia ver em alguns viadutos da cidade algumas inscrições com frases e desenhos. O autor era o pregador José Datrino, conhecido entre os cariocas como Profeta Gentileza. Ele sempre repetia uma frase: “gentileza gera gentileza”. Nesse mundo polarizado em que vivemos, contudo, talvez a constatação mais fácil de fazer seja “grosseria gera grosseria”.
Quando a discussão entre Douglas Garcia e Vera Magalhães se encaminhava para o final, o diretor de jornalismo da TV Cultura, Leão Serva, arrancou o celular da mão do deputado e o arremessou para longe. Após isso, xingou-o com sonoros palavrões.
Entende-se a irritação de Serva e sua intenção de proteger a colaboradora. Mas, até então, somente o deputado estava totalmente fora do tom e agressivo além da conta. Com essa intervenção, os oposicionistas podem até ter se sentido vingados – mas abrimos aqui uma caixa de Pandora. A atitude do jornalista acabou respaldando a truculência do parlamentar, pois respondeu um comportamento belicoso na mesma moeda. Ele começou a discórdia, é verdade. Mas, se reagirmos às provocações (de qualquer espectro ideológico) com violência, o final dessa história não será nada bom.
O deputado compareceu ao debate por convite do candidato Tarcísio de Freitas, que repudiou o descontrole do correligionário. Ele escreveu em sua conta do Twitter: “Lamento profundamente e repudio veementemente a agressão sofrida pela jornalista @veramagalhaes enquanto exercia sua função de jornalista durante o debate de hoje. Essa é uma atitude incompatível com a democracia e não condiz com o que defendemos em relação ao trabalho da imprensa”.