E as guerras são apenas desentendimentos entre essa gente
Em termos mais generalizados, eis a história padrão da Rússia pós-soviética. Durante a era soviética, não havia preços reais por causa da intromissão generalizada e incessante dos socialistas na atividade econômica. Ninguém sabia quanto cada bem ou serviço realmente valia. Nem um pedaço de pão, nem uma mina cheia de urânio. Ludwig von Mises já havia explicado exatamente por que seria assim — e antes de o socialismo ter sido implantado.
Se tudo era propriedade do estado e tudo era redistribuído pelo estado, não havia como surgir um sistema de preços. E dado que os planejadores centrais precisam de um sistema de preços para lhes mostrar quanto custa cada recurso escasso — e dado que preços só podem surgir por meio da concorrência em uma sociedade em que haja propriedade privada e que permita a livre entrada de concorrentes, e o socialismo não permite nenhum dos dois —, então os planejadores, por definição, não tinham como planejar nada.
Quando a União Soviética entrou em colapso, o estado centralizador, é claro, desapareceu. Repentinamente, não havia nem preços e nem proprietários. Era como um gigantesco vale-tudo econômico. Um “Velho-Oeste Selvagem”, como diz o ditado. Tudo estava sem dono, disponível para ser apropriado por “quem chegasse primeiro”. Era uma corrida para ver quem pegava mais para si.
Colocando de uma maneira que os leitores deste instituto imediatamente entenderão como uma clássica explicação hoppeana-rothbardiana: em meio a esse caos, o pior dos piores subiu ao topo.
As hienas atacaram para repartir a carcaça soviética. Oportunistas implacáveis e astutos assumiram todas as fábricas e todas as operações de extração anteriormente administradas pelo estado. Surgiu uma espécie de “cultura nacional das quadrilhas”, e a lógica desta mentalidade gângster funcionou para separar os despojos entre os homens fortes.
Algumas pessoas, aquelas que eram particularmente dotadas de astúcia, saíram na frente, apropriando-se de bilhões e bilhões de dólares em petróleo, gás e direitos sobre minerais, entre outras commodities. Estes se tornaram os novos-ricos da classe criminosa russa, e que agora são chamamos de “oligarcas”.
E o rei de todos os oligarcas, o mais feroz rottweiler do ferro-velho, acabou sendo um ex-coronel da KGB e vice-prefeito de São Petersburgo, Vladimir Vladimirovich Putin.
Um episódio infame de 2009 na cidade russa de Pikalyovo resume tudo perfeitamente. O então primeiro-ministro Putin (que, na ocasião, fazia uma mera encenação fingindo estar afastado de seu real cargo de presidente) apareceu na cidade para ordenar que um complexo de fábricas voltasse as atividades para que milhares de pais de família pudessem voltar ao trabalho. Uma das fábricas era de propriedade de Oleg Deripaska, um dos oligarcas rivais de Putin. Putin o humilhou em uma reunião pública, ordenando a Deripaska que assinasse um acordo para reabrir a fábrica, mostrando assim ao mundo que Putin estava no comando de todas as operações na Rússia. Quando Deripaska assinou o acordo, Putin acrescentou mais um toque de humilhação fazendo com que Deripaska lhe devolvesse sua caneta, implicitamente chamando-o de ladrão.
Eis o vídeo:
O recado foi claro: oligarcas são oligarcas, Putin “é o cara”, e ele surgirá em qualquer cidade para ter um duelo de pistolas com qualquer um tolo o suficiente para desafiá-lo. Uma violenta cidade do Velho-Oeste: é assim que a maioria de nós no Ocidente entende a Rússia hoje.
Só que, realmente, não há grandes diferenças
Entretanto, analisemos um pouco mais detidamente, recorrendo aos ensinamentos de Hoppe e Rothbard para obter ajuda.
O que é um estado? Um estado é uma gangue de criminosos. Um estado é crime organizado em grande escala. Um estado nada mais é do que uma máquina recheada de oligarcas. O estado é oligarca em todos os lugares. Sempre é, sempre foi.
O mais recente livro do cientista político James C. Scott, Against the Grain (2017), detalha como os “estados mais antigos” atacavam e se alimentavam do empreendimento humano. Os primeiros pagadores de impostos eram fazendeiros cujos territórios foram invadidos por nômades que pastoreavam seu gado. Esses invasores nômades forçavam os fazendeiros a lhes pagar uma fatia de sua renda em troca de “proteção”. O fazendeiro que não concordasse era assassinado. Os nômades perceberam que era muito mais interessante e confortável apenas cobrar uma taxa de proteção em vez de matar o fazendeiro e assumir suas posses. Cobrando uma taxa, eles obtinham o que necessitavam. Já se matassem os fazendeiros, eles teriam de gerenciar por conta própria toda a produção da fazenda.
Daí entenderam que, ao não assassinarem todos os fazendeiros que encontrassem pelo caminho, poderiam fazer desta prática um modo de vida.
Assim nasceu o governo. Não assassinar pessoas foi o primeiro serviço que o governo forneceu. O governo nasceu da extorsão. Os fazendeiros tinham de pagar um “arrego” para seu governo. Caso contrário, eram assassinados.
Quase nada mudou desde então. Os estados seguem extraindo um “arrego”, o famoso “dinheiro de proteção” (eufemisticamente chamados de “impostos”, às vezes também chamados de “tributos” ou “contribuições”) do maior número de pessoas que os criminosos que ocupam câmaras legislativas ou o trono do estado conseguem alcançar.
Os oligarcas russos pós-soviéticos — dos quais Vladimir Putin é a maior estrela — estão longe de ser únicos. Os estados são apenas isso, assim como vemos na relação entre o alfa Putin e os oligarcas beta. A única coisa chocante sobre o caso russo é que ele é mais transparentemente corrupto do que o normal.
A maioria dos estados encobre seu roubo sob hinos, bandeiras e estórias de feitos heróicos. A Federação Russa perdeu seu respaldo político-mítico quando emergiu das cinzas da URSS. Mas está tentando recuperá-lo. Stalin já foi reabilitado na Rússia como um grande homem. A invasão da Ucrânia por Putin um dia será lembrada como o glorioso sacrifício dos bravos pela pátria.
Todos os estados são campos de gravidade para a propaganda e fake news. Apenas dê algum tempo à Rússia, e ela se parecerá com todos os outros estados novamente. Você não será capaz de ver através das vitrines da loja o arrastão acontecendo lá dentro. Tudo parecerá grandioso e estadista. O estado russo irá se normalizar e ninguém mais chamará sua elite de “oligarcas”.
O incentivo é buscar legitimidade entre os semelhantes
Por tudo isso, os estatistas têm um incentivo natural para legitimar os esquemas de pilhagem uns dos outros.
Presidentes, primeiros-ministros e reis brindam pela saúde uns dos outros em suntuosas festas de gala pagas com a propriedade privada confiscada de todos nós (sendo que nunca recebemos convites para o baile). Aliás, eu não ficaria surpreso ao encontrar coroas e capas de arminho voltando à moda entre os líderes estatais em breve.
Estatistas acreditam que são deuses e agem como se fossem donos do dinheiro de todos. E isso não ocorre apenas na Rússia. De jeito nenhum.
Com efeito, essa visão hoppeana-rothbardiana — de que os estados são basicamente grupos de oligarcas que se premiam com títulos e medalhas entre si — pode ser expandida para muito além do exemplo russo. Pois se a atual safra de oligarcas russos é formada por meros estatistas convencionais, então a narrativa sobre o colapso da União Soviética também deve ser questionada. Não é que a União Soviética entrou em colapso; o que ocorreu é que aquela forma de oligarquia deu lugar a outra, com um confuso período de transição entre elas.
A União Soviética era “comunista”, mas o comunismo nunca foi sobre a distribuição igualitária de riqueza ou o alívio dos problemas sociais. Como hoppeanos-rothbardianos, não devemos aceitar escusas estatistas ao pé da letra. O comunismo foi, e continua sendo, um sistema para colocar o controle social e econômico total nas mãos de muito poucos. Em outras palavras, uma simples estória para encobrir a oligarquia.
Os atuais oligarcas russos não estão fazendo nada de novo. Antes deles havia, é claro, Stalin, e Brejnev e Khrushchev e Lênin, e mais um punhado de outros seres divinos que tiraram tudo do povo russo enquanto viviam em palácios opulentos com mordomos, haréns e caviar.
E não é só a Rússia. Qual estado não tem oligarcas no comando? É uma pergunta retórica capciosa, pois, como dito, estados e oligarquias são a mesma coisa. Comunismo, democracia – tudo pólvora do mesmo barril. O enriquecimento injusto vem em muitos sabores diferentes. Mas o ingrediente principal é sempre a tributação e a consolidação da propriedade nas mãos da elite. A exclusão do populacho do usufruto de sua propriedade espoliada é o que faz do estado o estado.
Há grandes salões e monumentos impressionantes nas capitais dos estados, frases e afirmações em mármore sobre a teologia política do estado espalhadas por todo o país. O estado possui seus próprios santos e mártires, seu próprio calendário de dias santos. O estado é, assim, uma espécie de ritual religioso, só que o dízimo não é opcional. E é muito mais do que 10%. Isso é o que é um estado: expropriação disfarçada de dever solene. As pessoas morrem o tempo todo pelo estado. Os cemitérios estão cheios de mortos do estado. O estado cobra dos enlutados a manutenção desses cemitérios. Mais impostos. Não importa o que aconteça, o estado sempre vence no final.
A Ucrânia é apenas mais do mesmo de sempre
Portanto, vamos utilizar esse conhecimento para examinar a situação atual na Ucrânia.
Um oligarca de alto nível mundial, que passa suas férias em um Versalhes russo, está enfrentando um oligarca ucraniano muito menor a seu oeste. Este oligarca arrivista tem o apoio ambíguo de uma cabala maciça de oligarcas de grande porte na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Esta cabala se autodenomina “Organização do Tratado do Atlântico Norte” e é um clube muito exclusivo.
Seus membros têm acesso a uma impressionante variedade de opções de segurança, incluindo todos os melhores equipamentos de algumas das maiores forças armadas do mundo. O líder ostensivo é o presidente americano, cujo filho ficou extraordinariamente rico ao conspirar em conjunto com a oligarquia na Ucrânia, onde os oligarcas da Organização do Tratado do Atlântico Norte agora estão encarando, através das fronteiras, os oligarcas do Kremlin.
A oligarquia atlântica quer se estabelecer no território da oligarquia russa, e um oligarca ucraniano navega em meio a este fogo cruzado. As pessoas que normalmente são tributadas pelos oligarcas são também as que estão sendo mutiladas por bombas e enviadas em tanques para fazer o bombardeio. Mais mortes para a glória do estado – que não existe, sendo ele simplesmente um eufemismo para “oligarquia”.
Mas tem mais. Uma oligarquia arrivista em Pequim paira sobre o cenário tenso, parecendo pronta para intermediar a “paz” entre os outros oligarcas quando for mais conveniente para seus próprios interesses. E esta oligarquia de Pequim tem seu próprio círculo de oligarcas beta, incluindo os detentores dos espólios tributários em Taiwan, em Hong Kong, na Península Coreana e no Japão, todos os quais, por sua vez, também são repletos de comparsas de políticos com acesso a seus próprios fluxos de renda derivados dos contracheques de humildes pagadores de impostos.
Quando chegar a hora, os pagadores de impostos desses lugares também serão envidados para morrer pelos oligarcas. Os fuzileiros navais americanos, por exemplo, estão em Okinawa esperando sua vez de morrer. Os oligarcas, por sua vez, irão viver. Eles vão se sair bem. Guerra e paz — os oligarcas ganham dinheiro de qualquer maneira. “L’état c’est moi!” Sim, exatamente.
O fato de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ter conseguido aplicar sanções aos “oligarcas” russos em tempo recorde após a invasão da Ucrânia por Putin, e agora estar implantando uma “força-tarefa” especial para apropriar-se da propriedade de Putin e sua rede de vigaristas, diz tudo o que precisamos saber sobre o que está acontecendo na Europa Oriental agora.
A força-tarefa é descrita no próprio site como sendo destinada a atacar Russian Elites, Proxies, and Oligarchs (“Elites russas, seus representantes e oligarcas”). O acrônimo em inglês é REPO, o que se significa repossuir. O cinismo beira o surreal.
O estado leva, e então o estado leva um pouco mais.
Lenin rotulou a Primeira Guerra Mundial como sendo uma guerra entre os capitalistas da Europa. Ele estava errado. Foi uma guerra entre oligarcas, estatistas que extraem riqueza da atividade econômica legítima sob o cano de um revólver. Quando alguns oligarcas saem da linha, eles são mortos e os outros oligarcas ficam com os despojos.
Idem para a Ucrânia.
Não é o “Ocidente” contra os oligarcas russos. São os oligarcas contra os oligarcas contra os oligarcas. São oligarcas do começo ao fim. Leia Hoppe e Rothbard, e não caia na última rodada de fake news sobre o estado, que é sempre uma quadrilha de criminosos, em todo e qualquer lugar.
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Por Jason Morgan
Originalmente publicado em: cutt.ly/mVrEolC