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A “melhor década” também foi a que mais gerou desigualdade

Uma obviedade: quanto maior a riqueza criada, maior o prêmio para os inovadores

Voltemos ao ano de 2010. Naquela época, você ainda tinha de gesticular com a mão para conseguir um meio de transporte particular — ou seja, um táxi. Mas não havia muitos à sua disposição. Com efeito, várias diversões noturnas dependiam exclusivamente de se você seria capaz de encontrar algum táxi para a sua volta.

Sempre que conseguia encontrar algum, você vibrava como a conquista de um título.

Para quem morava nas grandes cidades, ou então em uma vizinhança mais afastada, a frustração era muito mais frequente do que a alegria. A escassez de táxis costumava ser uma fonte de enorme desapontamento, o que nunca acabava bem, e poderia perfeitamente arruinar a sua diversão.

E isso era um fenômeno mundial. Os nova-iorquinos eram conhecidos por terem desenvolvido um truque: eles mantinham malas vazias em seus escritórios como uma isca para, ao fim do expediente, conseguirem algum táxi quando estava chovendo (ou até mesmo quando fazia um belo dia de sol). Motivo: a bagagem criava a impressão de que o passageiro estava indo para o aeroporto, e a tarifa nesse caso seria maior. Mesmo em Washington, D.C., povoada por poderosos, a proximidade de ruas mais fartamente atendidas por táxis costumava ser um fator na escolha de residências.

Desnecessário dizer que, nas áreas mais pobres de qualquer cidade do mundo, acesso a táxis era totalmente inexistente.

Hoje, as pessoas simplesmente clicam em um ícone de aplicativo em seus smartphones, e um motorista particular surge. Normalmente, não leva mais do que cinco minutos.

Por falar em smartphones, de acordo com uma recente reportagem do jornal The Washington Post, a posse global deste aparelho, em 2019, era de “apenas” 67%. O ‘apenas’ está entre aspas simplesmente porque alguns especialistas em tecnologia haviam previstos que a posse seria universal em 2020. Ainda assim, 67% representa um milagre. Se o leitor duvida disso, basta apenas que ele reveja um comercial estrelado pelo grande ator cômico Rob Huebel, do início dos anos 2000. Naquela época, o uso ostentoso de celulares (smartphones eram apenas um conceito futurístico) em público era visto como algo elitista e espalhafatoso, um sinal de uma pessoa insegura que quer mostrar sua riqueza.

Por falar em comunicação, o colunista Richard Rahn, do jornal The Washington Times, recordou-se no início deste ano de uma colega de trabalho, oriunda da Ucrânia, que, 25 anos atrás, tinha de pagar US$ 2,50 por minuto nas ligações telefônicas que fazia para seus familiares que ainda moram naquele país. Já hoje “ela pode fazer esta mesma ligação praticamente a custo zero” por meio do FaceTime, do WhatsApp ou do Skype. E o melhor: dá para conversar vendo a pessoa.

O colunista também acrescenta que, ao passo que eram necessárias 171 horas de trabalho para um assalariado médio americano ter um salário suficiente comprar uma passagem em um voo transatlântico em 1970, hoje são necessárias apenas 23 horas de trabalho para este mesmo assalariado ter o dinheiro para comprar a mesma passagem. 

Faltou apenas ao excelente colunista acrescentar que, na década de 1970, muito poucas pessoas podiam se dar ao luxo de direcionar 171 horas de trabalho assalariado para frivolidades como voos transatlânticos, e muito menos para voos domésticos. Caso o leitor tenha se esquecido, naquela época (50 anos atrás), as necessidades básicas da vida consumiam boa parte do salário do cidadão comum — pois bens e serviços básicos eram incomparavelmente mais caros do que hoje, em termos de horas de trabalho assalariado necessárias para adquiri-los —, ao passo que, hoje, os aeroportos estão lotados de pessoas de todas as classes de renda voando nacional e internacionalmente. 

E estas pessoas estão invariavelmente conversando ou teclando em smartphones ou notebooks, algo que seria inconcebível no início da década de 1970.

Mais riqueza sempre vem acompanhada de mais desigualdade 

Tudo isso acima, e muito mais, veio à minha mente ao me deparar com a enxurrada de colunas e reportagens publicadas na mídia com o intuito de celebrar e comentar os anos 2010. Dentre outras coisas, foi dito que os anos 2010 não tiveram recessões — ao menos não nos países desenvolvidos, mais notadamente nos EUA —, que o progresso tecnológico foi marcante e inaudito, e que, em termos de qualidade de vida (de novo, nos países desenvolvidos), foi a melhor década da história.

No entanto, em praticamente todas as colunas e reportagens, o mesmo alarme era soado: o mundo enriqueceu, mas a desigualdade também aumentou e bateu recordes.

O que é realmente estranho é que esta correlação não tenha sido entendida. Tendo sido a melhor década da história, não deveria ser surpresa nenhuma que a desigualdade de riqueza tenha aumentado em meio a esta prosperidade. Afinal, ambas as coisas estão integralmente relacionadas.

Quando indivíduos estão prosperando, suas vidas cotidianas logicamente se tornam cada vez melhores: há mais conforto, mais abundância e maior facilidade de se obter as coisas. Ao mesmo tempo, nunca é demais relembrar que, em sociedades livres, o aumento da riqueza geral da população é quase sempre uma consequência de empreendedores que souberam satisfazer as necessidades dos consumidores de maneiras inovadoras e geniais — e frequentemente souberam satisfazer necessidades que os consumidores nem sabiam que tinham (apenas releia os parágrafos dos táxis).

Como a história sobre a riqueza no mundo sempre deixou bastante claro, em economias de mercado, indivíduos se tornam ricos majoritariamente à medida que suas inovações melhoram o padrão de vida de todas as classes sociais. Eles só podem enriquecer — o que aumenta a desigualdade de renda — se conseguirem satisfazer as necessidades daquela maioria que não é rica.

Por isso, é espantoso ler economistas progressistas lançando invectivas contra a riqueza. O economista keynesiano Robert Samuelson, em sua coluna no The Washington Postlamentou a “prosperidade assimétrica”, e, ao fazê-lo, demonstrou não saber quão essencial uma riqueza assimétrica é para o bem-estar de uma sociedade livre: quando a desigualdade de riqueza está aumentando, é como se todos nós passássemos a ser vizinhos de Jeff Bezos, e de outros como ele.

No passado, limitações tecnológicas significavam que havia limites ao tanto que os trabalhadores do mundo podiam se beneficiar do brilhantismo dos poucos e geniais empreendedores que existiam no mundo — consequentemente, havia limites ao tanto que os trabalhadores podiam usufruir as abundâncias e riquezas do mundo. 

Para ficarmos em um exemplo bem paroquial, os americanos da costa lesta que iam fazer turismo na costa oeste dos EUA costumavam aproveitar a oportunidade para beber a cerveja Coors, pois ela era uma raridade disponível apenas naquela região. Até então, a Coors era apenas uma marca regional atendendo às necessidades dos americanos da costa oeste. No entanto, com um forte aprimoramento nas técnicas de distribuição, as quais melhoram dia após dia, a Coors já se tornou uma marca nacional, cada vez mais sendo encontrada onde quer que haja amantes de cerveja. 

Ou então pensemos em Jeff Bezos. Qual seria a diferença se ele fosse o homem mais rico do mundo em 1970 em vez de hoje? Sua genialidade certamente seria visível, ele teria elevado enormemente os padrões da vida da população de então, e com certeza ele estaria nas capaz das principais revistas do mundo. Mas ele certamente seria muito menos rico comparativamente ao que é hoje. Ao passo que boa parte do mundo estaria familiarizada com ele, poucos indivíduos seriam diretamente afetados por sua genialidade.

Por quê? Será que o mundo de 1970 era tão “mais justo e igualitário”, que a riqueza era mais igualmente dividida? 

Com efeito, o mundo de 1970 era muito menos justo do que é hoje: a tecnologia de então, relativamente primitiva, impossibilitava que alguém possuidor do brilhantismo de Bezos fosse capaz de atender às necessidades das pessoas. Com a tecnologia de então, era impossível atender a um número exponencialmente crescente de pessoas.

Indo direto ao ponto: não havia internet na década de 1970, o que tornava impossível para alguém com acesso a um computador poder comprar as abundâncias do mundo. Mesmo um indivíduo que à época fosse considerado rico não tinha muitas alternativas — certamente, não tanto quanto tem hoje uma pessoa de classe média. Não apenas alguém com alta renda não podia aproveitá-la ao seu máximo potencial em 1970, como também simplesmente não havia muitas maneiras distintas de se adquirir bens e serviços naquela época.

Agora, voltemos ao presente. Aquilo que era inexistente em 1970 é hoje universal. Jamais se esqueça de que os computadores originais custavam mais de US$ 1 milhão na década de 1960, e nos anos 1970 ainda eram vistos como excessivamente caros em relação a todas as demais tecnologias existentes. Mas graças à proliferação de computadores pessoais — criações estas que resultaram no surgimento de empreendedores multimilionários e bilionários —, Jeff Bezos teve a oportunidade de criar um empreendimento global (Amazon) voltado para a compra e o envio de mercadorias, empreendimento este que qualquer cidadão comum se tornou apto a acessar por meio de seus computadores pessoais. 

Uma revolução nas comunicações — que similarmente gerou vários bilionários — possibilitou a indivíduos comuns em posse de computadores comprarem bens e serviços da Amazon estando em qualquer lugar do mundo.

E isso, por sua vez, transformou o dono da Amazon possivelmente no primeiro multibilionário do mundo.

Pensando em tudo isso pelo prisma do Bezos de hoje em relação ao hipotético Bezos de 1970, ele é exponencialmente mais rico hoje porque ele foi capaz de servir exponencialmente mais pessoas de uma maneira exponencialmente mais efetiva e eficaz. Bezos não confiscou a riqueza de ninguém; ao contrário, ele criou riqueza. O avanço tecnológico tornou tudo isso possível. Foi exatamente por ser capaz de servir, de forma barata, aos desejos de todos os consumidores do planeta desde sua base em Seattle, sem que a Amazon tenha uma presença física na maior parte do globo, que Bezos criou valor para as pessoas e, consequentemente, enriqueceu. Ao enriquecer, aumentou a desigualdade entre nós e ele.

Décadas atrás, a genialidade de Bezos estaria confinada ao noroeste dos Estados Unidos. Hoje, grande parte do planeta pode usufruir seu talento e se beneficiar dele. O mesmo raciocínio vale para todas as empresas de tecnologia.

O que vem pela frente

Quando se analisa friamente, não há nada de surpreendente no fato de que a desigualdade aumentou nos últimos dez anos. Trata-se de um fenômeno lógico: quanto maior a expansão da tecnologia e do comércio, maior a criação de riqueza, e maior a recompensa para aqueles que possibilitaram tudo isso.

O que é realmente importante é que esse aumento da desigualdade foi um efeito feliz e lógico de um avanço tecnológico e de um aumento no comércio global. Graças aos avanços nas comunicações, os mais talentosos empreendedores de hoje podem servir praticamente a todo o planeta e, com isso, enriquecerem. 

Com a proliferação da tecnologia e com o aprimoramento do comércio, o mundo encolheu, e as chances de mentes empreendedoras geniais servirem aos desejos do mundo aumentaram exponencialmente. E as chances destas mentes geniais se tornarem impressionantemente ricas cresceu em simultâneo. Ao enriquecerem, tais pessoas também melhoram nosso padrão de vida e nos enriquecem. Elas enriquecem mais, é fato; mas nós também enriquecemos. A riqueza foi criada; ela não foi confiscada e nem subtraída.

O aumento da desigualdade que tanto aborrece os progressistas é, com efeito, o maior inimigo que a pobreza já encontrou. Essa desigualdade fez com que a diferença de estilo de vida de pobres e ricos tenha diminuído.

E este é o segredo: concentre-se na diferença de estilos de vida, e não na diferença de riqueza. Ao passo que a segunda pode ter aumentado, a primeira encolheu substantivamente.

Ainda mais incrível é o que nos espera no futuro. Dizem que a tecnologia 5G levará ao surgimento de empresas e serviços nunca antes imaginados. Tais empreendimentos serão crescentemente operados por “robôs”, de modo que um empreendedor nos pontos mais remotos do mundo será capaz de, com eficácia, atender às demandas de todas as classes de renda a milhares de quilômetros de distância nas cidades mais densamente povoadas do mundo. Se as mudanças tecnológicas que ocorreram nos anos 2010 assombraram você, imagine o que irá surgir nos anos 2020 e além.

O ponto crucial aqui é que, à medida que o mundo vai sendo encolhido cada vez mais, em um sentido figurado, pela tecnologia, a quantidade de riqueza criada por essa tecnologia promete alcançar níveis que hoje parecem insondáveis. Os Jeff Bezos que existirão daqui a cinquenta anos farão com que o de hoje seja relativamente pobre em comparação. As décadas futuras farão com que a recém-terminada “melhor década da história” pareça trivial e antiquada.

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Por John Tamny

Publicado originalmente em: cutt.ly/gVbUzTX

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