O pós-guerra, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, foi uma época marcada pela permissividade em relação ao álcool e ao fumo. O seriado Mad Men, que mostrava o cotidiano de uma agência localizada na Madison Avenue nos anos 1960 (daí o apelido dado aos publicitários novaiorquinos, título da série), é pródigo neste quesito: todos os executivos são movidos a destilados e a cigarros. Drinks alcoólicos estão presentes nas reuniões, nos almoços e jantares.
Um “power lunch” que se prezasse tinha de ser aberto com uma rodada de dry martinis para todos. Se Humphrey Bogart, que uma vez disse que precisava beber porque a humanidade estava “sempre duas doses abaixo do normal”, convivesse com esses malucos da avenida Madison provavelmente seria enxotado da turma por comedimento.
Esse costume continuou pelas décadas seguintes e chegou a invadir o início dos anos 1990. Lembro de uma vez que precisava contratar um subeditor para minha equipe na revista Exame. O ano era 1989. Marquei uma conversa com um jornalista que considerava muito competente em um restaurante no bairro paulistano de Higienópolis. Chegando lá – e sabendo que aquela conta seria paga pela Editora Abril –, meu convidado já perguntou: “Você não vai beber?”. Diante da minha negativa, ele pediu um Chivas Regal. E bebeu quatro doses. Voltou tontinho para o trabalho dele – e a avidez com que bebeu aquele uísque me fez nunca concretizar a proposta de trabalho.
Não que eu fosse um puritano. Afinal, todos jornalistas e publicitários daquela época bebiam alguma coisa em almoços de trabalho. Mas a sofreguidão com a qual o jornalista secou aquelas quatro doses me acendeu um sinal amarelo. Ele acabou não trabalhando comigo e sua carreira entrou em uma espiral descendente logo depois. Terá sido coincidência? Não saberei jamais.
Após a década de 1990, o álcool acabou sendo banido da vida profissional, sendo reservado aos jantares com clientes (mesmo assim, na maioria dos casos, a bebida escolhida é politicamente correta: o vinho). Hoje, ninguém teria coragem de pedir um uísque em um almoço no qual receberia uma proposta de trabalho. Álcool e cigarros, que antes compunham uma imagem “cool”, foram totalmente excluídos do manual corporativo de boas práticas.
Essa regra vale para os negócios e para a política. Quando o presidente Jair Bolsonaro quer atingir o seu oponente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chama de “pinguço”. Mas, como mostram os filmes antigos, nem sempre houve esse consenso contra as bebidas alcoólicas.
Uma das maiores lendas da política mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill sempre teve quantidades industriais de álcool e charutos em seu gabinete. Champanhe era sua bebida predileta. Certa vez, pediu a Frederick Lindemann, visconde de Cherwal e seu principal conselheiro científico durante a Segunda Guerra Mundial, que calculasse a quantidade de espumante que ele teria bebido em sua vida (e quanto esse volume representaria em vagões de trem). Cherwall, um abstêmio que também era vegetariano, fez seus cálculos e os apresentou ao então primeiro-ministro. Churchill ficou decepcionado quando descobriu que o número de vagões resultante dos cálculos poderia ser puxado por uma só locomotiva.
Durante o dia, Churchill bebida vários copos de uísque e soda e sempre apreciava um conhaque após as refeições. Fumava quinze charutos por dia, muitos dos quais do formato que foi batizado com seu sobrenome. O ex-premiê Boris Johnson, no livro “The Churchill Factor”, calcula que ele tenha fumado 250.000 puros durante sua vida.
Pode-se dizer, portanto, que era um homem movido a álcool e a tabaco. Mas foi justamente esse indivíduo que liderou os Aliados contra os nazistas e derrotou, com ajuda dos Estados Unidos e da União Soviética, o Terceiro Reich.
Hoje, em meio ao ano politicamente correto de 2022, é o caso de se perguntar: se houvesse um conflito global agora, iríamos confiar nosso destino a um líder político que passasse boa parte do seu tempo sob a influência de espumantes, destilados e fumo?
Pois é. A humanidade mudou muito nos últimos 30 anos.