Conhecido por demitir funcionários em acessos de raiva e ser contra o home office, o estilo de liderança de Elon Musk é controverso, mas admirado por alguns
Depois de uma novela que durou mais de seis meses, o bilionário Elon Musk finalmente concluiu a compra do Twitter na noite de quinta (27) por US$ 44 bilhões.
Após ter acusado a rede social de enganação ao não fornecer números corretos sobre contas falsas, o homem mais rico do mundo foi alvo de uma ação na justiça movida pelo Twitter e tinha até esta sexta-feira, 28, para finalizar a aquisição da empresa de tecnologia. Caso contrário, um novo julgamento seria marcado para novembro.
Depois de tuitar que o “pássaro estava livre” (o símbolo do Twitter é um pássaro azul), um dos primeiros atos de Musk no comando da rede social foi demitir o então presidente executivo, Parag Agrawal; o chefe financeiro, Ned Segal; e Vijaya Gadde, chefe do Departamento Jurídico, Políticas e Confiabilidade, que teve um papel importante no banimento do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, da rede social, em janeiro de 2021.
Mas, segundo uma reportagem do jornal The Washington Post, os cortes no Twitter só começaram. Segundo a publicação, Elon Musk teria dito a potenciais investidores que planeja demitir 75% dos cerca de 7.500 funcionários do Twitter, reduzindo a empresa para apenas 2 mil pessoas.
A informação foi desmentida pelo CEO da Tesla, na última quarta-feira, mas, fato é que, com demissões em massa ou não, os planos do excêntrico bilionário para rede social vão remexer com a vida dos funcionários do Twitter.
Com uma meta ambiciosa de dobrar a receita da rede social em três anos, Musk defendeu abertamente o fim da moderação de conteúdos na plataforma, além de querer que a rede social se tornasse um “aplicativo de tudo” para o qual ele já tem até nome, “X”, algo semelhante ao WeChat, bastante popular na China.
Autocrático e com acessos de raiva
“Você não discute com ele. Quando o Elon se levanta ao final de uma reunião e diz: ‘esta é direção que vamos seguir’, você se levanta e segue a ordem”, declarou um ex-gerente da Tesla em uma entrevista a um podcast em agosto deste ano, acrescentando que na única ocasião em que viu alguém discordar de Musk em uma reunião, a pessoa “nunca mais foi vista no escritório”.
A declaração do ex-funcionário não é a única a expor o jeito autoritário de gestão do bilionário. Em uma longa reportagem publicada na Wired, revista de tecnologia dos Estados Unidos, em 2018, diversos ex-trabalhadores da Gigafactory, fábrica da Tesla em Nevada, relataram que era comum presenciar ataques de fúria de Musk.
Principalmente em momentos desafiadores para o negócio, o bilionário perambulava pela fábrica questionando e intimidando funcionários. Alguns eram demitidos aos gritos de “incompetentes”. Os ânimos eram tão exaltados que gerentes orientavam que os funcionários não deviam se aproximar demais da mesa de Musk.
“Ele, definitivamente, é um líder autocrático. Ele é um visionário e vê a si próprio como agente de mudanças, algo que transcende até seu papel no mundo dos negócios, basta ver que ele declarou que, ao comprar o Twitter ‘quer salvar a humanidade'”, diz Yuri Trafane, CEO da Ynner, consultoria representante da Gallup no Brasil.
O especialista, que atua há 30 anos na área de recursos humanos, diz que, no mundo dos negócios os empreendedores e executivos de grandes empresas podem desempenhar quatro papéis diferentes: ser um líder, ou seja, cuidar de pessoas; ser um gestor, que olha para processos; um estrategista, que olha para a estratégia do negócio e, por fim, ser um empreendedor, voltado para a inovação.
“O Elon Musk, como visionário que é, se encaixa no perfil de estrategista. Mas, do ponto de vista do que consideramos as boas práticas de gestão de pessoas, ele está completamente desalinhado e pode, até mesmo, ser considerado um líder tóxico”, afirma o especialista.
Trafane cita que outro empreendedor famoso por não figurar no rol de bons chefes foi Steve Jobs, fundador da Apple. Jobs era conhecido por fazer duras críticas aos funcionários, muitas vezes de forma fria e na frente de todos.
“A genialidade desses executivos acaba compensando e eles acabam sendo bem-sucedidos em seus negócios APESAR da incompetência em lidar com pessoas. Mas isso não é a coisa certa a se fazer e nem todo mundo pode considerar isso na vida real, afinal, nem todos são gênios como eles para início de conversa”, completa.
Workaholic e inimigo do home office
Musk é um workaholic assumido. Não faltam relatos de funcionários que presenciaram o CEO da SpaceX dormindo na mesa do escritório. E, para Musk, todos devem seguir o mesmo estilo de vida. O bilionário já declarou que suas empresas não são organizações em que se trabalha de “9h às 17h”.
Em épocas de aumento na produção, trabalhadores das fábricas da Tesla nos EUA e em Xangai foram instruídos a trabalhar em turnos de mais de 12 horas, seis dias por semana. Na planta asiática, alguns dormiram nas fábricas durante os lockdowns.
O executivo voltou a salientar que espera que os funcionários trabalhem horas a fio mais recentemente, quando enviou um e-mail convocando os empregados da Tesla a voltarem ao trabalho presencial imediatamente.
Segundo o comunicado, intitulado “Venha trabalhar ou se demita”, Musk teria afirmado que o trabalho remoto não seria mais aceitável. Além disso, que “qualquer pessoa que deseje fazer trabalho remoto deve estar no escritório por um mínimo (e reforço, no mínimo) de 40 horas por semana ou sair da Tesla”.
“Esse episódio mostra, mais uma vez, a incapacidade dele em entender a natureza humana e de estar conectado com as demandas atuais. Cada vez mais empresas entendem que estar presente no escritório não é indicador de produtividade, principalmente, quando se trata de trabalhos criativos”, destaca Trafane.
Em uma “relação abusiva”
Embora controverso, o estilo de Musk agrada a muitas pessoas, que enxergam na atitude do bilionário uma autenticidade.
Isso se dá por episódios como o da última quarta-feira, em que Musk entrou no prédio do Twitter segurando uma pia. Ou, quando em maio deste ano, o bilionário respondeu o então presidente executivo, Parag Agrawal, demitido hoje, com um emoji de cocô.
“Para muitas pessoas esse traço dele, de “falar o que pensa”, de não ter a mesma postura que outros executivos, pode ganhar a simpatia. Isso não quer dizer que, ao trabalhar com ele, isso será suficiente”, diz Trafane.
A complexidade da personalidade é tanta que alguns funcionários dizem viver um “relacionamento abusivo” com Musk: admirando a sua genialidade, mas ao mesmo tempo sofrendo com as mudanças de humor.
“Ele é alguém que o capacita a ser melhor do que você pensa que pode ser”, disse Todd Maron, ex-advogado da Tesla na mesma matéria da Wired .”Ele tem padrões extraordinariamente altos, e por isso ele te empurra para ser o seu melhor absoluto”, declarou.
“O ser humano funciona por meio de dois estímulos: a cenoura e o chicote. Há pessoas que se motivam em trabalhar com tamanha pressão e algumas até gostam disso, afinal, trabalhar na empresa do Elon Musk é algo que traz status”, diz Trafane, da Ynner.
“Mas a questão é o quanto isso será sustentável em um mercado de tecnologia, no qual não falta emprego e os profissionais são um dos mais emancipados. Os próximos capítulos de Musk no Twitter vão ser um MBA em gestão”, finaliza o especialista.
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Por Luciana Lima
Publicado originalmente em: cutt.ly/8NxRNlA
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