Imagine a seguinte realidade alternativa: no dia 30 de outubro, a vitória foi de Jair Bolsonaro. O opositor, Luiz Inácio Lula da Silva, fica quieto e não reconhece o triunfo do adversário. Ao mesmo tempo, seus seguidores usam a Central Única dos Trabalhadores para fazer uma greve geral e paralisar distribuição de energia em todo o país, causando um transtorno que afeta todos os brasileiros. Ninguém iria concordar com algo do gênero, a não ser os organizadores do movimento, certo?
O que está acontecendo com os caminhoneiros bloqueando as estradas brasileiras não é muito diferente da distopia imaginada no início desse texto. Só que o sinal está trocado: o vitorioso é Lula e o silêncio é de Jair Bolsonaro. Embora a adversidade vá causar problemas para todos se os bloqueios continuarem, o fundo da discussão é político. Mas deveríamos abranger um pouco o debate em relação a essas ocupações de estrada.
Para começar: o Brasil não pode ser refém de uma classe de trabalhadores, nem dos caminhoneiros nem de nenhuma outra. O diesel está caro? Fecha-se a malha rodoviária brasileira. O preço do frete está defasado? Vamos bloquear as estradas. Lula foi eleito? Protestaremos queimando pneus e interrompendo as pistas espalhadas pelo Brasil.
Entende-se a frustração dos 58 milhões de eleitores que votaram em Jair Bolsonaro e tiveram de engolir a vitória de Lula. Mas isso não pode ser estopim para um movimento que impeça os brasileiros de exercer o direito de ir e vir e possa provocar danos à economia. Lembremos do que ocorreu no último ano do governo de Michel Temer. A greve dos caminhoneiros, naquele momento, interrompeu uma recuperação econômica que podia ser percebida claramente. O desabastecimento e a insegurança geradas pelo movimento, no entanto, refreou o crescimento do PIB, que evoluiu apenas 1,8 % em 2018.
A greve, aliás, só prosperou porque Temer não agiu rapidamente e optou por uma estratégia de colocar panos quentes em cima da categoria. A coisa ficou incontrolável e durou dez dias, quando poderia ter sido debelada em um período muito menor.
Hoje, contudo, não se protesta pelo alto preço do diesel. O que os caminhoneiros querem é ilegal: anular o resultado das urnas e manter alguém no poder que não teve o número suficiente de votos para ficar no Palácio do Planalto. Como isso seria feito? Através de um golpe militar, que instauraria uma ditadura.
Defensores do movimento dizem que isso ocorreria apenas por um período de tempo, após o qual convocaríamos eleições (com um detalhe: sem Lula). Sabemos, no entanto, que o regime militar começou assim. Seria apenas uma pausa para colocar a casa em ordem, com eleições convocadas para 1966. O que se seguiu foi uma sequência de 21 anos de arbítrio, com cinco generais e uma junta militar se revezando no poder.
Neste barata-voa, há todo o tipo de informação rolando nas redes sociais, com destaque para os fakes de plantão – quase todos em torno de um golpe militar (desejado pelos manifestantes). Um chama atenção em especial: uma interpretação inédita do artigo 142 da Constituição. Segundo esse raciocínio, Bolsonaro está quieto porque o tal artigo prevê que o presidente tenha de ficar 72 horas em silêncio antes de convocar o povo para ir à ruas e protestar contra a vitória de Lula.
A aproximação de Bolsonaro e os caminhoneiros se deu ainda nos tempos de deputado federal. Ele sempre se identificou com as ideias nacionalistas da classe se aproximou de vez quando conheceu alguns líderes destes trabalhadores nos corredores do Congressos. Um deles, por sinal, era um rapaz que também chegaria ao Parlamento.
Seu nome? André Janones.