Quando alguém fala a palavra “jipe” dificilmente sabe a sua origem. Na verdade, há várias teorias para o seu surgimento (“jeep”, em inglês). Vamos nos concentrar em três delas. A primeira é que os soldados americanos chamavam as novas traquitanas que chegavam a suas mãos com esse termo. Outra tese é a de que essa palabvra virou um sinônimo de algo confiável por conta de um personagem da série Popeye, que salvava o herói marinheiro de várias enrascadas. Por fim, a versão mais difundida é a de que o exército americano, na Segunda Guerra Mundial, precisava de um veículo resistente para andar em terrenos inóspitos. Batizou essa categoria automobilística de “general purpose” (“propósito geral”). Esse termo foi abreviado para suas iniciais – “gp” – e a pronúncia do idioma inglês transformou a sigla em “jeep”.
Em 1941, o exército encomendou esses veículos a três fabricantes: a Bantam, a Ford e a Willys. Das três, a Willys passou a usar o nome que se popularizou por todo o mundo e se transformou em sinônimo para transporte militar – e, depois da Segunda Guerra, de veículo 4 X 4. Nos Estados Unidos, a Willys também lançou uma versão urbana, chamada Jeep Station Wagon (aqui no Brasil, ganhou o nome de “Rural”). Essa versão foi rebatizada como “Wagoneer” e, depois, como “Cherokee”, nome que existe até hoje.
Em 1953, a Willys desembarcou no Brasil com dois produtos: o próprio jipe e o Aero-Willys, o modelo de linhas arredondadas. O auge da empresa, porém, seria nos anos 1960, quando estabeleceu um acordo para produzir modelos da Renault francesa. Com isso, a Willys passou a atuar em quase todos os segmentos do mercado automobilístico. Tinha pequenos, como o Gordini e o Dauphine; esportivos, como a Berlineta Interlagos (baseado no francês Alpine); peruas utilitárias, como a Rural; e modelos mais caros, como o Aero-Willys (reestilizado no início da década) e o Itamaraty, uma versão mais luxuosa.
Sobre o Itamaraty, duas curiosidades. A primeira é que o nome foi criado pelo publicitário Mauro Salles, que não se conformou com a ideia de chamar o carro de Aero-Willys Luxo. A partir dessa campanha, ele teve fôlego para expandir sua própria agência de publicidade, que foi uma das maiores do mercado brasileiro. A segunda: havia uma versão limusine, mais comprida, e pintada de preto. Tive o privilégio de entrar em uma dessas. Quando comecei a trabalhar na Editora Abril, nos anos 1980, Victor Civita ainda era vivo e tinha um modelo desses, que ficava parado no pátio. Uma manhã qualquer, cheguei para trabalhar e, antes de subir à redação tive um impulso. Fui até o chefe da área de transportes e pedi para entrar no carro.
Na parte traseira, havia espaço para cinco pessoas. Três no banco normal e mais duas em bancos retráteis. No centro deste espaço, ficava um console com rádio e conexão elétrica para aparelho de barbear. Essa versão, chamada Itamaraty Executivo, vendeu apenas 25 unidades e era finalizada pela Karmann Ghia, pois tinha 72 centímetros a mais que o Itamaraty de série. Quando sentei no banco da frente, reconheci o velocímetro, que seria utilizado pela Volkswagen na década seguinte (o TL 1972 da minha mãe tinha um modelo igual).
A equipe de corridas da Willys também foi famosa e chegou a ganhar muitas corridas.
A Willys estava preocupada com a obsolescência do Gordini na segunda metade dos anos 1960. E criou um projeto para substituí-lo, adaptando o modelo Renault 12 para o gosto brasileiro, especialmente o porta-malas, que não obedecia a uma linha reta. O novo carro foi batizado de Corcel. Mas a empresa foi vendida para a Ford – e o Corcel foi lançado, em 1968, sob uma nova marca.
Neste momento, entra outra memória afetiva nesse texto – a do relógio que fica no topo do Conjunto Nacional. Quando era muito pequeno e morava na Alameda Campinas, sempre passávamos por lá. E via o logotipo da Willlys ao lado das horas e da temperatura. Depois, a Ford passou a usar o espaço publicitário. Primeiro, revezando seu nome com o da empresa adquirida. Depois, apenas como Ford. Em 1976, a Ford deixaria o relógio, pois o Itaú fez uma oferta melhor para os proprietários. Com a lei Cidade Limpa, de Gilberto Kassab, o relógio ficou sem patrocínio (aliás, sobre essa lei: se Kassab fosse prefeito de Nova York, o Times Square teria sido desmontado).
Para finalizar, transcrevo um comercial de rádio do Banco Itaú, de 1976, que brincava sobre esse troca-troca de patrocínios:
Voz de marido – Júlia, sai na janela e vê que horas são no relógio da Willys.
Voz de mulher – Alberto, o relógio não é mais da Willys. É da Ford, que comprou a Willys.
Voz de marido – Tá bom. Então sai na janela e vê que horas são no relógio da Ford.
Ruído de externa.
Voz de mulher – Alberto, são duas e meia e eu tenho uma novidade – o Itaú comprou a Ford.