Esta semana, tive a oportunidade de rever um de meus filmes favoritos: “Os Melhores Anos de Nossa Vida”, de William Wyler. Trata-se de uma película primorosa, tanto pelo roteiro como pela capacidade que Wyler teve em optar por enquadramentos bastante ousados para 1946 e utilizar a trilha sonora – da qual ele não era particularmente fã – para aumentar o aspecto dramático de algumas cenas.
O filme narra a história de três ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial que voltam à cidade onde vivem e o drama do trio em se readaptar à vida civil. O mais graduado, o capitão da Força Aérea Fred Derry, é um ex-balconista cujos pais vivem em um barraco miserável próximo à linha ferroviária que corta os subúrbios da metrópole. Em seguida, temos o sargento do Exército Al Stevenson, um ex-executivo de banco, que volta para um apartamento luxuoso onde vive com a mulher e dois filhos. Por fim, temos Homer Parish, um jovem marinheiro que mora com os pais e é noivo de sua vizinha. De todos, é quem tem o maior desafio de readaptação, pois perdeu as duas mãos em um acidente e usa ganchos como próteses para desempenhar as funções básicas de seu cotidiano.
Os três trazem dentro de si um misto de tristeza, revolta e rancor. Não conseguem retomar a vida que viviam antes e, no caso de Derry, o que lhe espera é algo muito pior do que o posto de capitão – o mesmo emprego de balconista em uma drugstore.
Wyler, um ex-capitão que serviu dois anos documentando a Guerra, consegue dirigir a película com delicadeza e incluiu algumas de suas experiências pessoais no roteiro assinado pelo vencedor do prêmio Pullitzer, Robert Sherwood. Ele extrai de cada um dos atores uma performance espetacular e sensível. Dana Andrews, uma figurinha carimbada nos filmes noir, entrega uma performance inesquecível como o capitão que volta traumatizado do front e se apaixona pela filha de seu amigo sargento. Detalhe: o personagem é casado com uma mulher que não o ama ou respeita.
Cada persona mostra o quanto a guerra o afetou. Isso vale, evidentemente para os ex-militares, mas também ataca as famílias, que tiveram de conviver com as limitações que a vida impunha à população sob um conflito armado. A cena final, gravada com uma sensibilidade ímpar, fez com que Wyler tivesse de repensar seu futuro e aceitar várias mudanças em sua vida pessoal.
O ator que faz o papel de Homer Parish, Harold Russel, era de fato um ex-militar que perdeu as mãos em uma situação de guerra. Este foi o seu primeiro papel em uma obra de ficção (havia aparecido em um documentário antes) e impressionou muito pela elegância com a qual construiu um personagem que tinha tudo a ver com sua vida particular. Ele foi indicado para concorrer ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Mas os diretores da Academia de Artes de Ciências Cinematográficas não acreditaram em sua vitória – mas se convenceram de que era necessário oferecer a Russel algum tipo de reconhecimento. Ele, assim, recebeu um Oscar honorário, por inspirar os veteranos da Segunda Guerra Mundial através de seu personagem. Mas, para a surpresa dos organizadores do Prêmio, ele venceu na categoria na qual concorria. Portanto, Russel é o único ator, até hoje, a receber dois Oscar em uma só premiação.
A mensagem do filme é simples: viver o hoje, livre das amarras do passado, e não girar em função das ansiedades do futuro. Talvez seja essa fórmula que estejamos necessitando neste Brasil pós-eleições.