Antes de começar a perder, desista, ensina o Coach de Fracassos

14 de novembro de 2022

Julio Peixoto criou um personagem para desconstruir a conversinha tóxica de que o otimismo resolve tudo na vida. Melhor arranjar um amigo decente ou um pet

As frases são dignas de para-choque de caminhão: “O caminho é longo, mas a derrota é certa”, “Nunca é tarde para desistir”, “Nada como um dia pior que o outro”. Assim o @coachdefracassos oferece às pessoas uma velha forma de lidar com os problemas da vida: desistindo, mudando de rumo, ficando na velha zona do conforto. Com dicas transitando entre o óbvio, o cínico e o galhofeiro, Julio Peixoto (imagem) criou o anti-coach e dele tira o melhor possível na forma de algum dinheiro sem precisar prometer um nirvana de superações e realizações.

Em uma era de automotivação incondicional, Peixoto virou um guru do contra demonstrando que sempre é preciso ter um amigo do lado para bater no seu ombro e dizer: “Apenas pare. Já deu”. A mensagem é que em vez da ladainha de que todo mundo precisa de um treinador/ técnico/ orientador para ter uma vida razoável e produtiva, bastaria ter maturidade para saber intercalar momentos de felicidade com os de frustração ao longo de rotinas trabalhosas. Essa é a armadilha da vida moderna. Os sentimentos de raiva, frustração e tristeza são partes da natureza humana, algo que é escamoteado nos perfis de redes sociais, onde a doutrinação manda enfrentar qualquer situação ruim na vida com otimismo e alegria. A máxima amarga de que o Everest está repleto de cadáveres de gente que já foi extremamente motivada é o lembrete extremo.

Veneno positivo

Crítico ferrenho da psicologia positiva e da crença barata de que a felicidade é uma escolha, Julio publica sob o pretexto de expor as táticas muitas vezes picaretas de quem prega a felicidade absoluta. E como os caras que critica – mas só os alfabetizados -, inventou de lançar seu primeiro livro, “Coach de Fracassos”, em 15 de novembro. Com 696 mil seguidores no Instagram, se atrair só uma parcela da turma pode virar um sucesso editorial. Julio criou a página em 2018, após pegar bronca de gente que se apresenta como palestrante motivacional – a designação inicial. “Na verdade, tenho ranço deles. São pessoas completamente despreparadas para aquilo que prometem fazer. Na última década, por causa da crise econômica, as pessoas ficaram desesperadas. Algumas viraram Uber, outras, coaches. Há profissionais que realmente usam técnicas reconhecidas pela psicologia e que não são mentirosos. Mas a maioria, infelizmente, não é séria. É o conto do vigário do século XXI.”, afirma.

A grande crítica é que os profissionais de coaching se aproveitam das fraquezas alheias para vender qualquer coisa. “Eles prometem alta performance e sucesso sempre focando naqueles que estão desesperados por alguma mudança”, afirma. “Essa pessoa vira presa fácil, já que o coach a conquista com sua boa oratória”, completa. Uma das estratégias utilizadas para cativar o potencial cliente são os testemunhos de quem já passou por alguma grande superação graças ao processo de coaching.

A abordagem “good vibes only” (apenas boas energias), muitas vezes é considerada uma forma da positividade venenosa. Segundo a psiquiatra Paula Dione, se trata de uma abordagem que vira um malefício quando surge como a única opção de reação. “Quando o otimismo é colocado como se fosse suficiente para sublimar todos os problemas que toda existência normal apresenta, é tóxico. O anti-coach é uma reação por lembrar que existe a possibilidade de as coisas darem errado e que é impossível ganhar sempre”, destaca a psiquiatra, lembrando que também é preciso estar atento ao extremo oposto, que seria uma espécie de azedume debochado. Só há um detalhe contraditório, mas necessário: “Coach de Fracassos” irá habitar as seções de autoajuda de livrarias e sites.

Dicas para ficar onde está