Sempre vi em Erasmo Carlos a figura de um amigo mais velho, brincalhão e boa gente, desde que era pequeno e o via na televisão. Erasmo passa para o andar de cima em tempos turbulentos, que precisam desesperadamente de artistas sensíveis e apaziguadores como ele. Seu trabalho como compositor, ao lado de Roberto Carlos, é invejável. Afinal, ele esteve produtivo por seis décadas consecutivas – isso não é para qualquer um.
Erasmo é fruto de uma turma fabulosa que se juntou no bairro carioca da Tijuca no final dos anos 1950. Mais precisamente, na rua do Matoso. Nessa vizinhança, moravam Erasmo, Tim Maia e Jorge Benjor. E a turma era engrossada por visitantes que seriam ilustres, como o próprio Roberto e Wilson Simonal.
Esses garotos ficavam tocando violão na calçada durante a madrugada e, entediados, resolviam aprontar alguma travessura. A vítima de plantão era o cinema do bairro. Eles pegavam uma escada e trocavam as letras do painel que anunciava a atração cinematográfica do dia. Assim, na manhã seguinte, quando os demais moradores do bairro passavam pelo cinema, viam, incrédulos, a placa que dizia: “Hoje em cartaz: P… que pariu”.
Erasmo nunca teve uma grande voz, mas aproveitou o vácuo que havia nos primórdios do rock nacional e foi entrando na turma que decidia quem era quem na música jovem do início da década de 1960. Havia um programa de TV chamado “Clube do Rock”, apresentado por Carlos Imperial, e Erasmo começou a frequentar os bastidores da produção, mesmo sem ser oficialmente da equipe. Estava sempre à disposição para ajudar: carregar uma parte do cenário, comprar um sanduíche ou servir de segurança na porta dos camarins. De office-boy sem vencimentos, virou secretário particular de Imperial, que depois o colocou como vocalista da banda Renato e seus Blue Caps.
Neste meio-tempo, houve uma mudança significativa na televisão brasileira. Os clubes paulistas de futebol, através de sua federação, proibiram as emissoras de transmitir jogos ao vivo. De uma hora para outra, o horário de fim de tarde dos domingos ficou vago. A TV Record, então, chamou a agência Magaldi, Maia & Prosperi para criar alguma atração na brecha que se abria na grade de programação. A ideia veio rápido: um programa de música jovem, transmitido ao vivo, comandado por um cantor de sucesso.
O nome do show foi tirado de uma frase de Lênin: “O futuro do socialismo repousa nos ombros da jovem guarda” (curiosamente, um dos sócios da agência, Carlito Maia, seria mais tarde um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e autor do slogan “oPTei”). Com o programa devidamente batizado de Jovem Guarda, faltava o apresentador. A escolha recaiu sobre um rapaz que começava a ter sucesso no Rio de Janeiro, Roberto Carlos. Roberto, por sua vez, trouxe para o barco o seu parceiro de composição, Erasmo Esteves, que trocou o sobrenome para combinar com o do amigo.
A partir da Jovem Guarda, o sucesso de Erasmo foi crescente – embora tenha se destacado mais como compositor do que como intérprete dos anos 1970 para frente. Sempre se manteve ligado ao rock e se transformou em uma espécie de unanimidade: não havia quem não gostasse dele.
Enquanto esteve à frente do programa Jovem Guarda, gravado em São Paulo, alugou uma casa na rua Kansas, no Brooklin paulista, e chegou a dividir o imóvel com Jorge Ben (antes de ser Benjor), que atendia pelo apelido de “Bidu”. Conheci há sete anos um de seus vizinhos dessa época, que dizia ser Erasmo um sujeito simpaticíssimo e conversador. “Sabe aquele cara que parece seu amigo mais velho?”, ele perguntou para mim. Eu dei um sorriso aberto e respondi: “Sei exatamente o que você quer dizer”.