Ao defender o estado indutor do desenvolvimento, presidente esqueceu rombo das contas, oposição, fisiologismos…
Em seu discurso de posse no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender o fim do clima hostil no país, pregando a harmonia entre os poderes e o fim do desgaste gerado ao longo do pleito eleitoral deste ano. O civilismo do petista em seu terceiro mandato abarcaria investimentos públicos, valorização de classes e minorias e um estado indutor de desenvolvimento. Como retórica, ótimo. Faltou combinar com os números. Lula omitiu o rombo nas contas do governo, ao passo em que prometeu revogar o teto de gastos – política que até faria sentido temporário se os tempos fossem outros.
Ao lado de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), o petista também anunciou que colocará em pleno funcionamento a Lei de Acesso à Informação, o Portal da Transparência e voltou a defender o combate à fome – pilares de seu primeiro mandato. Lula citou o “diagnóstico estarrecedor” obtido pelo grupo de transição, que apontou déficit e irregularidades em ministérios, estatais e bancos. O relatório será enviado individualmente para parlamentares, centrais sindicais e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para “avaliação da realidade do país”. “Nunca os recursos do estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder”, declarou Lula. Se a coisa estão tão mal, o que foi afirmado de início já nasce comprometido.
Ainda houve tempo para prometer a redução das emissões de carbono e zerar o desmatamento na Amazônia – pautas caras aos investidores internacionais. Constantemente interrompido por aplausos, Lula retomará o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que oferece algum risco, pois exigiria passar por cima da austeridade fiscal, já que as contas do governo fecharam novembro de 2022 com um rombo de R$ 14,7 bilhões.
A reconstrução que o petista ensaia é composta por 37 ministérios, 14 a mais do que o governo anterior. Dentre os planos de ações, também se destacam pautas morais e pressionadas pela base petista. “Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas. Quer paz e segurança para seu povo”, pontuou Lula. A parte do governo de conciliação nacional e de um mandato que respeite a democracia – o que é muito comparado com Bolsonaro – são perfeitamente conciliáveis com o modo de ser do petista, que tem diante de si a rara possibilidade de reescrever sua trajetória e reforçar o lado positivo de seu legado. O desafio são os números. Se o Brasil não virar um imã de recursos ou o mundo não passar por outro boom das commodities, metade do que falou ficará para depois. Porém, se concretizar de modo firme pelo menos a reconstrução da civilidade política, deixar as contas em dia e resgatar a relevância internacional do Brasil, já terá feito mais que seu antecessor. O resto é o raciocínio oposto ao de Bolsonaro – troca-se a lógica tóxica pelo pensamento mágico.