Por Marta Nogueira e José Roberto Gomes
RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO (Reuters) – Sob ameaça, a política de reajustes diários de combustíveis da Petrobras completa um ano neste fim de semana, após ser pivô de uma greve histórica de caminhoneiros, mas ainda assim encontra apoio entre representantes do setor, que veem a liberdade de preços como primordial para a atração de investimentos ao refino de petróleo.
Anunciada pelo ex-presidente da Petrobras Pedro Parente em 30 de junho do ano passado, essa diretriz visava dar à petroleira maior flexibilidade e competitividade em busca de lucro e participação de mercado, com os reajustes seguindo a paridade internacional e o câmbio, dentre outros fatores.
De um ano para cá, as cotações da gasolina nas refinarias da Petrobras, sem impostos, avançaram 40,8 por cento, para 1,9486 real por litro, enquanto as do diesel acumularam alta de 29 por cento, a 2,0316 reais, segundo cálculos da Reuters.
A disparada do diesel, que esteve no cerne dos protestos de caminhoneiros, acabou por colocar em xeque a diretriz da empresa e levar à renúncia de Parente. A reguladora ANP abriu uma consulta pública que poderá determinar a periodicidade dos reajustes no país.
No entanto, uma política de preços de combustíveis baseada no livre mercado encontra apoio de distribuidoras, postos e especialistas.
“Sem esse realismo, não será possível realizar a continuidade de investimentos na produção, importação e distribuição de combustíveis, para que continuem sendo colocados de forma eficiente para o consumidor”, afirmou Plinio Nastari, presidente da Datagro e especialista do setor.
Recordes de preço nas refinarias foram observados em maio, com a gasolina atingindo 2,0867 reais por litro e o diesel, 2,3716 reais. Atualmente, valores do diesel estão congelados como parte de um programa de subvenção do governo seguido pela Petrobras.
A valorização nos preços dos combustíveis se deu em meio à alta do dólar ante o real e das referências internacionais do petróleo, sustentadas nos últimos meses por fatores como um pacto de cortes de produção liderado por Opep e Rússia, além de aumento de impostos.
A Petrobras, que registrou nos primeiros três meses do ano o maior lucro trimestral desde 2013, em meio a preços mais altos do petróleo, ressaltou ao ser procurada que em julho de 2017 houve apenas uma revisão na periodicidade, e reforçou que os reajustes acumulados são resultantes das variações do petróleo e da taxa de câmbio.
A estatal disse ainda que uma avaliação deve considerar o período desde a instituição da política de preços, em outubro de 2016, que registrou até o momento uma alta na refinaria de 13,8 por cento para o diesel e 22,8 por cento para a gasolina.
BOMBAS
Nos postos, onde os combustíveis fósseis são vendidos já misturados com percentuais de biocombustíveis, os valores não avançaram aos consumidores finais na mesma intensidade ante o registrado nas refinarias, desde julho de 2017.
Pelos dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor médio do diesel (com adição de biodiesel) subiu 15 por cento, para 3,397 reais por litro, enquanto o da gasolina (com adição de álcool anidro) avançou 29,3 por cento, para 4,538 reais, entre julho do ano passado e a última semana –ainda não há o levantamento mais recente, desta semana.
“Se essa é a conclusão, só comprova aquela tese nossa: competição é sempre bom, e o mercado de postos é um mercado extremamente competitivo. O mercado de refino não é competitivo, e a gente precisa que seja”, avaliou o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, ao defender uma política de preços de combustíveis que acompanhe o mercado internacional para atrair investidores.
Na mesma linha, Leonardo Gadotti, presidente da Plural, associação que reúne as principais distribuidoras, disse que “a única parte realmente afetada e que se sacrifica nessa hora é a distribuição e revenda”.
Entretanto, ele defendeu a política da Petrobras, dizendo que “onde tem sacrifício é onde o mercado realmente funciona” e que isso pode ajudar a petroleira a atrair parceiros em refino, algo já anunciado pela companhia, inclusive.
“A única maneira de você atrair o investidor para vir para cá para participar é você ter o mercado livre. E com isso você cria competição no refino e na produção, fica competição nas duas pontas, que, aí sim, é o mercado funcionando na sua plenitude.”
As duas maiores empresas do setor, a BR Distribuidora (da Petrobras) e a Raízen Combustíveis (joint venture da Cosan e Shell), registraram aumentos no indicador de geração de caixa Ebitda ajustado de 19,5 e 7,4 por cento no primeiro trimestre, respectivamente.
Já o presidente da Fecombustíveis, que representa os postos, Paulo Miranda, lembrou que o setor foi bastante afetado pela política de preços da estatal. Ainda assim, ele disse apoiar os reajustes da Petrobras como forma de impulsionar o refino e a concorrência.
“Para a gente atingir o passo seguinte, que é uma concorrência maior nos outros elos da cadeia, tem de ter essa liberdade, segurança jurídica, compromisso de fato do governo de que ele não vai interferir em preço”, afirmou.
CONSULTA
Apesar dos elogios e pedidos por representantes do setor por um mercado livre, a ANP anunciou no início de junho uma consulta pública para discutir a periodicidade de reajustes nos combustíveis, que termina na próxima segunda-feira. A medida foi uma das formas de atender o clamor dos caminhoneiros, que pediram, entre outras coisas, maior previsibilidade nos repasses.
Após a conclusão da consulta, ainda não há novos cronogramas previstos para a possível criação de uma resolução que poderá determinar uma periodicidade, segundo Décio Oddone.
Contudo, para uma fonte da Petrobras, há preocupação sobre a posição do governo diante da alta dos custos com combustíveis, uma vez que boa parte do valor cobrado nos postos advém de tributos.
“Cabe ao governo equacionar isso em termos de impostos e tributos, ver como outros países lidam com essa volatilidade de preços… não estou vendo essa discussão dentro do governo”, disse a fonte, na condição de anonimato.
“Essa discussão tem que ser levantada com mais força e tem que ter uma ação mais clara do governo nesse sentido.”
A consulta da ANP foi logo comparada a uma ingerência governamental sobre o mercado de combustíveis, mas especialistas na área de energia acreditam ser necessária alguma medida para equilibrar o mercado e poder de fato atrair investimentos privados no refino. A Petrobras vem tentando há anos fechar parcerias no setor, sem nenhum sucesso.
Pesquisador do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ, Edmar Almeida, por exemplo, disse que toda a volatilidade de preços não deve ser repassada ao consumidor.
“A política de reajustes diários é importante, mas para funcionar, seria importante um alinhamento com o governo de iniciativas complementares para minimizar a volatilidade na bomba e aumentar a transparência na formação de preços. Essa coordenação seria fundamental inclusive para aumentar a legitimidade da política perante a população”, disse.
O ex-diretor da ANP Helder Queiroz vai na mesma linha, pontuando ainda que os reajustes diários não trouxeram equilíbrio para os consumidores. No caso dos caminhoneiros, a política tornou mais complicado estimar os custos de frete de mercadorias.
ETANOL FORTALECIDO
Dentre os combustíveis, o etanol hidratado, concorrente direto da gasolina, foi o que mais saiu ganhando neste um ano de reajustes adotados pela Petrobras.
Além de os preços terem subido 19,1 por cento nas bombas, para 2,92 reais por litro, segundo a ANP, as usinas também vêm reportando vendas recordes.
“Essa política sempre foi uma reivindicação do setor… Nossa expectativa é de que ela seja mantida, mesmo com a tomada de consulta pública para se rever a periodicidade dos reajustes dos produtos”, afirmou o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues.
“Neste momento de preços do açúcar em baixa no mercado internacional, essa política foi o lado positivo, fazendo com que a safra de cana deste ano fosse mais alcooleira”, acrescentou ele.
O setor sucroenergético foi um dos mais prejudicados pelo congelamento nos preços da gasolina que vigorou em governos passados. O represamento reduziu a competitividade do etanol, e diversas empresas começaram a amargar perdas ou a fechar as portas.
Segundo Rodrigues, a política de reajustes da Petrobras ainda não gerou grandes investimentos no setor, que por ora foca nos gastos de curto prazo ou em equipamentos de destilação e fermentação, de modo a maximizar a fabricação de etanol.
Para Nastari, da Datagro, o “realismo tarifário” da Petrobras devolveu ao setor sucroenergético a previsibilidade.
“Se não tivéssemos uma realidade de preços, para o setor (de cana) seria completamente diferente, ainda mais difícil”, afirmou ele.
O consultor lembrou que o próprio mix mais alcooleiro nesta safra surgiu justamente de uma programação feita pelas usinas com base nos reflexos da política da Petrobras.
(Por Marta Nogueira e José Roberto Gomes, com reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier)