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Ler sobre a monarquia inglesa: um verdadeiro “guilty pleasure”

Vou aproveitar o feriado estadual em São Paulo para falar de um tema fora da política, economia ou negócios. Um assunto mais mundano, eu sei, e peço desculpas antecipadamente a quem esperava uma discussão mais séria nesse espaço. Seguir a família real inglesa provoca uma sensação de “guilty pleasure” (“prazer com culpa”, numa tradução livre) em todo o planeta – e eu não escapo a esse fenômeno. Por isso, fiquei interessado no livro “O que Sobra”, escrito pelo Príncipe Harry.

Antes de mais nada, é preciso reconhecer que a vida deste rapaz não foi fácil. Testemunhou o casamento infeliz de seus pais e o sofrimento diário da mãe, que morreu precocemente; cresceu sob a mira dos paparazzi e teve os escorregões típicos da adolescência registrados impiedosamente pela imprensa; foi criado para sentar no banco de reservas até que seu irmão mais velho tivesse filhos; os tabloides transformavam a vida de qualquer namorada em um verdadeiro inferno; durante sua vida, foi traído por funcionários e amigos que venderam fotos e informações à imprensa sensacionalista inglesa.

Viver na realeza britânica é uma experiência única e isso pode gerar vários episódios atípicos na vida de quem frequenta o primeiro escalão da nobreza. Isso ocorreu com Harry. Mas parece soar um tanto pretensioso escrever uma biografia de 512 páginas aos 38 anos de idade.

No mundo da música, muitos dizem que um bom álbum duplo daria um LP espetacular se fossem descartadas as piores canções. Esse é um fenômeno que ocorre em autobiografias. Há passagens absolutamente desinteressantes que somente têm importância para o autor, mas simplesmente são enfadonhas para que lê. “O que Sobra” não foge a essa regra e a leitura fica sujeita a altos e baixos. É por esta razão, por sinal, que mantenho curtos os meus textos autobiográficos. Assim, se vou deixar alguém entediado, que seja por no máximo três ou quatro minutos.

É possível perceber, ao longo da leitura, que alguns trechos foram produzidos com pretensões literárias – só que, como escritor, o Príncipe ainda precisa de muitos anos de estrada para encarar um desafio desta envergadura.

Quem lê este livro tem a impressão de que o Rei Charles e o Príncipe William são dois parvos manipulados pelas equipes de assessores e por suas mulheres. O irmão, porém, teria trilhado um caminho além da tolice — o da intimidação física, com agressões a Harry em duas ocasiões. Charles e William (ou melhor, Willy, como é tratado ao longo da narrativa) se mostram pessoas mesquinhas e medíocres que se voltaram contra o filho/irmão porque não gostavam de Megan Markle.

Aliás, dois terços do texto são dedicados à vida de Harry antes de conhecer sua esposa, o que pode desagradar muita gente. Vamos ser sinceros: 99% das pessoas que compraram esse livro queriam, antes de mais nada, saber os bastidores dessa relação e da decisão do casal em abandonar a família real.

De fato, a imprensa massacrou o casal Harry e Megan e publicou algumas informações que só poderiam ter saído do Palácio de Buckingham. Para o autor, tudo partiu de Camilla e Kate, respectivamente as esposas do Rei e do Príncipe-Herdeiro.

Vamos supor que isso seja verdade. Diante do fogo amigo, Harry e Megan simplesmente se colocaram como vítimas e nada fizeram para contra-atacar. A única saída que viram foi abandonar o torvelinho no qual viviam. Esses momentos, por sinal, são os mais interessantes do livro, especialmente a reunião que sela a deserção de Harry da família.

Apesar de carregar no mimimi no decorrer das páginas, Harry se mostra plenamente afinado com sua vida atual. Os últimos capítulos compõem uma narrativa claramente agridoce – talvez com alguma semelhança com o que ocorreu com seu tio-bisavô, Edward, que abdicou do trono para casar-se com uma americana divorciada (como Megan), Wallis Simpson.

Edward tinha uma vida em perfeita sintonia com Wallis, mas se ressentia de ter deixado o trono britânico para trás. Tanto é que fez um acordo com Adolf Hitler para voltar a Palácio de Buckingham caso os nazistas conseguissem conquistar a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial.

Harry provavelmente jamais faria algo do gênero e parece estar feliz em seu novo ambiente. Que ele continue assim – mas nos poupe de uma continuação de seu livro quando ficar mais velho.

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