Vinícius de Moraes, em tom de blague, disse uma vez que São Paulo era o “túmulo do samba” (expressão emprestada por Caetano Veloso em sua canção “Sampa”). A julgar pela animação do último final de semana e deste Carnaval, o velho poeta, lá no andar de cima, deve estar pensando em uma nova frase para se retratar. O paulistano virou um folião e o chamado carnaval de rua, com blocos saindo nos quatro cantos da cidade, se transformou em uma realidade.
São mais de 500 blocos e alguns deles conseguem fazer a festa de mais de 40 000 pessoas (a título de comparação, o estádio do Corinthians totalmente lotado comporta 49 000 torcedores). O total do publico estimado pela prefeitura é enorme: 15 milhões de pessoas. Essa estatística contabiliza os foliões dos finais de semana que antecedem e ocorrem depois Carnaval, incluindo turistas.
Já se foi o tempo em que o paulistano era considerado uma negação em termos carnavalescos. Os desfiles de escola de samba, por exemplo, atraem estrelas da música e da televisão. Celebridades se estapeiam por lugares de destaques nas agremiações paulistanas, que também rendem um bom espaço na mídia nacional.
Apesar de toda essa animação que me cerca, continuo alheio à folia. Já fui ao Sambódromo, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. Mas não há como eu me interessar pela coisa. Dizem que há características que pulam uma geração nas famílias – no meu caso específico, eu personifico esse pulo. Meu pai conhece tudo se samba enredo, assim como meu filho. Os dois são capazes, por exemplo, de comentar um samba defendido pela Império Serrano em 1972. E eu? Não sei nem as cores que representam a Império Serrano.
Confesso que acho um desfile de escola uma chatice abissal. Para começar, não vejo muita diferença entre a melodia das músicas que embalam as escolas – embora admita que existam enredos incríveis e refrões inesquecíveis que ganharam notoriedade na avenida. Mas experimento um enorme tédio nessas ocasiões. Nos setenta minutos que duram um desfile, uma letra é repetida de 30 a 40 vezes. Trata-se de uma lavagem cerebral que dispenso.
Existem festas de carnaval pelo mundo inteiro. Mas essa explosão de batuques e roupas exíguas só se vê por aqui – esse é o espírito, inclusive, da origem dessa celebração. O termo “carnaval” vem do latim ““carnis levale”, que significa “retirar a carne”. Como a folia precede a quaresma (período de quarenta dias que antecede a semana santa e no qual os fiéis devem evitar o consumo de proteína), essa seria a última chance de promover um “liberou geral” antes do comedimento que será adotado nos quarenta dias seguintes.
Não entendo bem essa lógica. Enfiar fortemente o pé na jaca em uma data específica para depois se abster dos prazeres mundanos, para mim, não faz muito sentido. Prefiro levar a vida como sempre levei e aproveitar o feriado para desaparecer – e não ouvir nenhum samba enredo.