Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – O Estado brasileiro foi condenado nesta quarta-feira pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante a ditadura militar.
Em sua sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), determinou que os fatos devem ser considerados crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo Direito Internacional.
“Em vista do exposto, o tribunal concluiu que o Estado não pode invocar a existência da figura da prescrição ou aplicar o princípio ne bis in idem (em que não pode haver dupla condenação pelo menos crime), a Lei de Anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis”, diz o texto divulgado pela corte.
Na condenação, a corte ordenou várias medidas de reparação, inclusive a reabertura da investigação para identificar e punir os responsáveis pela tortura. Além disso, determinou que “o Estado brasileiro deve adotar as medidas mais apropriadas, de acordo com suas instituições, para que se reconheça, sem exceções, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes internacionais”.
Herzog, que na época de sua morte era diretor de jornalismo na TV Cultura, foi preso em 25 de outubro de 1975, torturado e morto nas dependências do DOI/Codi, em São Paulo. Os militares então divulgaram a versão de que Vlado, como era conhecido, se suicidara na cela usando um cinto.
Em 2007, depois da publicação do relatório oficial da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, foi pedida a abertura de uma nova investigação ao Ministério Público. Dois anos depois, segundo a CIDH, o pedido foi arquivado com base na Lei da Anistia e sob as alegações de que crime contra a humanidade não era tipificado na legislação brasileira na época e os possíveis crimes já teriam prescrito.
A corte internacional concluiu que o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial da esposa e dos filhos de Herzog e –ao deixar de punir os responsáveis pela tortura e assassinato e a recusa em apresentar informações e fornecer acesso aos arquivos militares da época dos fatos– violou o direito de conhecer a verdade da família.
Questionado pela Reuters, o Ministério das Relações Exteriores informou que “O Brasil reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Examinará a sentença e as reparações ditadas, e encaminhará à corte relatório das medidas implementadas dentro do prazo estipulado de um ano”.
A coordenação da implementação das medidas caberá ao Ministério dos Direitos Humanos que, em nota, afirmou que dará cumprimento integral à sentença e articulará com outros órgãos o seu cumprimento.
“Este Ministério reafirma o seu compromisso com as políticas públicas de direito à memória, à verdade e à reparação, reconhecendo a sua importância para a não repetição, no presente, de violações ocorridas no passado, tais como as práticas de tortura e limitações à liberdade de expressão”, diz a nota do ministério.
O ministério lembra que Herzog foi reconhecido como morto político pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.
“Consideramos que a sentença da Corte IDH, ainda que condenatória ao Estado brasileiro, representa uma oportunidade para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, assim como em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis pelo delito”, encerra o texto.