Por Brad Haynes e Tim Hepher
SÃO PAULO (Reuters) – A Embraer acertou um acordo com a norte-americana Boeing para formação de joint venture que vai envolver a área de aviação comercial da fabricante brasileira, em uma etapa de transformação do duopólio global de jatos para passageiros.
A nova companhia a ser criada após aval de autoridades que incluem o governo brasileiro, marcará a entrada da Boeing no segmento de aviões comerciais de menor porte e dará mais competição para os jatos CSeries, projetados pela canadense Bombardier e apoiados pela europeia Airbus.
O memorando de entendimentos assinado por Boeing e Embraer avalia as operações de aviação comercial da companhia brasileira, a principal divisão da terceira maior fabricante de aviões do mundo, em 4,75 bilhões de dólares.A Boeing terá 80 por cento da companhia resultante da transação, uma parcela avaliada em 3,8 bilhões de dólares. A Embraer, terceira maior exportadora do Brasil, ficará com os 20 por cento restantes da nova empresa.
As ações da Embraer encerraram o dia em queda de mais de 14 por cento, maior queda diária no fechamento desde julho de 2016. Analistas do BTG Pactual avaliaram que o valor atribuído pela operação às operações da Embraer ficou abaixo do esperado. Desde o final de dezembro, quando saíram as primeiras notícias sobre o potencial acordo, até quarta-feira, as ações da Embraer acumularam valorização de quase 65 por cento.
A parceria das empresas acontece depois da aliança entre Airbus e Bombardier, anunciada no ano passado e que representa o maior realinhamento do mercado global de aviação em décadas ao fortalecer os fabricantes estabelecidos do Ocidente contra novos entrantes da China, Rússia e Japão, afirmam analistas.
O presidente-executivo da Embraer, Paulo Cesar Silva, disse aos funcionários da companhia, em uma nota vista pela Reuters, que a consolidação na cadeia de suprimentos aeroespacial também foi um dos motivos por trás do acordo com a Boeing.
“Isso vem acontecendo com nossos fornecedores e com nossos clientes. Eles começaram a se organizar em grandes blocos, dificultando a negociação de empresas do porte da Embraer”, afirmou.
A parceria entre Boeing e Embraer, que adiciona aviões de 70 a 130 lugares aos modelos da Boeing, deve impulsionar o lucro por ação da companhia norte-americana a partir de 2020, gerando economias anuais de custo de cerca de 150 milhões de dólares até o terceiro ano, afirmaram as empresas.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, onde está uma das principais fábricas da Embraer, afirmou em comunicado que vai cobrar do governo federal e do Congresso Nacional veto à operação “que coloca em risco a soberania nacional e milhares de empregos do setor aeronáutico…Trata-se do único setor de tecnologia intensa que possui superávit na balança comercial brasileira”.
DEFESA E AVIAÇÃO EXECUTIVA
A Embraer transferirá grande parte de sua dívida para o novo empreendimento e a Boeing deve pagar por sua participação em dinheiro, disseram executivos da brasileira a analistas do setor.
Cerca de 20 por cento do pagamento em dinheiro será destinado a impostos e o restante poderá ser dividido entre recompras de ações, dividendo especial, desalavancagem e desenvolvimento de novos produtos, disseram os executivos.
O presidente da Embraer disse aos funcionários na nota que a Embraer elevará seu caixa em 1 bilhão de dólares quando o negócio com a Boeing for concluído, permitindo mais investimentos em novos projetos.
A Embraer vai manter sob seu controle a divisão de produtos militares e de jatos executivos. Apesar dos receios em torno da influência norte-americana sobre programas de defesa da Embraer, recentes sinais emitidos pelo presidente Michel Temer e por autoridades militares sugerem que o governo está satisfeito com os termos propostos para a aliança.
Na véspera, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato, afirmou que a Embraer precisa analisar propostas de parcerias com outras empresas sob risco de ficar sem recursos para investimentos. [nL1N1U0152]
A finalização dos detalhes financeiros e operacionais da parceria estratégica e a negociação dos acordos definitivos devem prosseguir nos próximos meses, mas a expectativa é que a transação seja concluída até o fim de 2019, caso as aprovações regulatórias e de acionistas ocorram no tempo previsto, disseram as empresas.
Uma fonte do governo federal disse que o acordo anunciado nesta quinta-feira provavelmente será aprovado em Brasília. Outra fonte, porém, disse que a aprovação não é certa e dependerá dos detalhes finais a serem apresentados no final deste ano.
“Esta importante parceria está claramente alinhada à estratégia de longo prazo da Boeing de investir em crescimento orgânico e retorno de valor aos acionistas, complementada por acordos estratégicos que aprimoram e aceleram nossos planos de crescimento”, disse Dennis Muilenburg, presidente da Boeing.
O acordo ainda prevê a criação de outra joint venture para promoção e desenvolvimento de novos mercados e aplicações para produtos e serviços de defesa, em especial o avião cargueiro KC-390.
A aliança entre Boeing e Embraer tomou forma mais de dois anos depois que a ideia foi apresentada internamente ao conselho de administração da Boeing e reflete uma antiga afinidade entre as duas fabricantes de aeronaves, disse uma fonte familiarizada com a negociação.
No entanto, a pressão por um acordo se intensificou quando a Airbus anunciou no ano passado a tomada de controle do programa CSeries da Bombardier.
“O anúncio Boeing-Embraer confirma o forte potencial do mercado na categoria de 100 a 150 assentos”, disse a Airbus por meio de um porta-voz. “A Boeing e a Embraer estão seguindo a Airbus e a Bombardier.”
(Reportagem adicional de Arunima Banerjee em Bangalore, Índia, Lisandra Paraguassu em Brasília, Paula Laier, Flavia Bohone e Tatiana Bautzer em São Paulo; e Tracy Rucinski em Chicago, Estados Unidos)