Outro dia, escrevi um texto sobre um escândalo cujo enredo contava com vários fios soltos. Construí uma narrativa cautelosa, pois não senti firmeza na acusação, que mudou de versão três vezes. Fui criticado por algumas pessoas por conta dessa cautela – uma delas, inclusive, era moderadora de um grupo do qual eu participava e disse que eu estava colocando outros interesses acima do jornalismo.
Diante disso, saí da comunidade gerenciada por quem me criticou. Recebi uma mensagem que era e não era um pedido de desculpas. A pessoa em questão dizia que lamentava se ela tinha me ofendido, mas tinha sido “espontânea”. Um argumento curioso: na prática, em nome da espontaneidade, é possível questionar a ética dos outros e deixar as coisas por isso mesmo.
Hoje faz um mês que o tal episódio ocorreu. E o tal escândalo, que havia sido recebido com perplexidade e revolta, nem mais é citado na imprensa – já que ninguém conseguiu reunir provas para incriminar o principal acusado.
Estamos vivendo tempos difíceis, anabolizados pela polarização política. E, na maioria das redes sociais, se agrupam pessoas que pensam da mesma forma. Assim, um texto pode ser aplaudido ou bombardeado de acordo com a ideologia reinante em uma determinada comunidade digital. Articulistas que preferem o bom senso e não torcem necessariamente para um lado enfrentam esse problema, o de sempre desagradar alguém.
Isso não ocorre apenas com quem dá sua opinião profissionalmente. Acontece também com aqueles que fazem isso de maneira amadora, mesmo que passem o dia inteiro em grupos e teclando suas ideias freneticamente. Mas, nesses casos, os autores dessas opiniões se protegem das críticas homogeneizando o próprio público, expurgando de seus grupos aqueles que pensam de forma diferente.
Esse fenômeno cria donos da verdade digital. E vai minando a capacidade que as pessoas têm de debater ideias. Isso também ocorre em redes como o Twitter, quando alguém lê algo com o qual não concorda. Um exemplo, nesta semana, foi o dirigente petista Alberto Cantalice, que detonou os ditadores de países como Nicarágua, Venezuela, Rússia e Cuba. Depois provavelmente levar um puxão de orelhas, apagou o post original e poupou a ilha de Fidel Castro de suas críticas iniciais. Mas, em função de suas ideias, foi chamado de “pelego”, “senil”, “capacho” e “verme”.
Ninguém lida bem com esses apupos – especialmente quando vindos de pessoas totalmente desconhecidas. Mas essa é a nova regra mundial e precisamos nos prevenir contra o massacre constante que rola nas redes. Enquanto ouvimos apenas xingamentos ou cutucadas refinadas, tudo bem. O problema é ter de enfrentar cancelamentos radicais, como aqueles grupos que procuram, por exemplo, patrocinadores de influenciadores para pressionar contra quem emite opiniões contrárias às suas.
Neste mundo, vivemos um “1984” às avessas – pois o “Grande Irmão” é uma entidade formada por incontáveis pessoas, que podem juntas levar alguém à desgraça absoluta. Parece que estamos vivendo uma distopia, mas é uma triste realidade, da qual só vamos nos livrar se fizermos uma desintoxicação em massa, tentando remover a cólera de milhões de corações. Talvez se esse ódio for extirpado de nossos corpos, haverá uma chance de entendimento e o fim da polarização. É uma esperança fraca, eu sei. Mas precisamos pregar a paz e deixar a raiva de lado. Somente assim é que poderemos construir uma nova base de ideias a partir de opiniões contraditórias, discutidas através de um debate sadio.